Nota Técnica  – O Censo Demográfico e o Retrato de Algumas Necessidades Básicas da População Brasileira

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As recentes informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE através do Censo Demográfico 2022: Características dos domicílios – Resultados do Universo, retratam algumas das características dos domicílios instalados no Brasil, possibilitando vislumbrar, minimamente, as reais condições de sobrevivência da sua população entre os anos de 2010 e 2022.

Cabe ressaltar que o Censo Demográfico revelou que a população brasileira em 2022 chegou ao seu recorde histórico de 203,1 milhões de habitantes, superior em 12,3 milhões de pessoas aos residentes no país em 2010, sendo 1,3 milhão de pessoas que se identificaram como quilombolas e 1,7 milhão de indígenas. Como características gerais de sua dinâmica demográfica no período, verificou-se um envelhecimento da sua população, um aumento da proporção de mulheres e um intenso fluxo migratório interno.

Em 2022, o total de domicílios particulares permanentes ocupados instalados no Brasil também chegou ao seu recorde histórico de 72,5 milhões, superior em cerca de 5 milhões aos 67,5 milhões instalados no país em 2010. O número médio de pessoas residentes nestes domicílios, tem apresentado redução ao longo dos anos chegando a 2,8 pessoas em 2022, sendo que essa média é superada pelas regiões Norte (3,3 pessoas), com destaque para os Estados do Amapá e Amazonas (com 3,6 pessoas) e Nordeste (2,9 pessoas). 

Contudo, o aumento de domicílios permanentes, verificado no período 2010-2022, não permite concluir que esses domicílios sejam de boa qualidade, ou que estejam situados em áreas que permitam receber a rede de água e esgoto e a coleta de lixo. O que se percebe ao longo do período referido, é a ampliação do número de invasões em áreas inapropriadas para a construção de casas, dado que, para além de péssimas condições habitacionais, essas construções põem em risco a vida de seus moradores.  Por esta razão, a continuidade e, se possível, a expansão de programas habitacionais como o “Minha Casa, Minha Vida”, reativados em 2023, são de extrema importância para reduzir o déficit habitacional estimado em mais de 10 milhões de residências.

A grande maioria das pessoas residiam em casas (82,3%) e, em menores proporções, em apartamentos (14,9%), casa de vila ou em condomínio (2,5%), habitação em casa de cômodos ou cortiço (0,3%), habitação indígena sem paredes ou maloca e estrutura residencial permanente degradada ou inacabada (0,1%). Essa concentração de moradias em casas prepondera em todas as regiões brasileiras, com maior proporção nas Regiões Norte (89,0%) e Nordeste (88,3%). Apesar desta concentração de moradias em casas, deve-se considerar a tendência de aumento do número de pessoas residindo em apartamentos.

A ampliação da concentração urbana da população brasileira como revelado pelo Censo de 2022, remete à necessidade imperiosa de que novas políticas voltadas aos serviços de transporte público, fornecimento de água e recolhimento de lixo adequado sejam adotadas, fazendo com que a crescente conurbação que se verifica não apenas em torno das grandes metrópoles, mas em muitas cidades do interior do País, resulte no menor dano ambiental possível e no melhor atendimento às comunidades que vivem nessas áreas.  

Entre os anos de 2010 e 2022 também se observam algumas alterações nas principais características dos domicílios brasileiros, com algum avanço na forma de abastecimento de água, no destino do lixo e no tipo de esgotamento sanitário, porém ainda insuficientes para atender plenamente parcela significativa da população brasileira e com expressivas diferenciações regionais, estaduais e municipais.

Ao longo destes anos, segundo o IBGE, no Brasil expressivo número de pessoas moradoras nos domicílios particulares permanentes, em suas residências tinha ligação à rede de geral de água, que aumentou de 81,5% em 2010 para 86,6% em 2022. Mesmo assim, em 2022, cerca de 27,1 milhões de brasileiros não possuíam ligação com a rede geral de distribuição de água em seus domicílios.

Neste ponto, vale destacar que a ampliação do processo de privatização de empresas públicas, notoriamente eficientes e responsáveis pela expansão dos serviços de água e esgoto no período, como a Sabesp, em São Paulo, Corsan, no Rio Grande do Sul, Sanepar, no Paraná, vão na contramão do que se verifica hoje em dia nos países centrais do capitalismo, inclusive onde a ordem neoliberal foi posta em prática pela primeira vez, a Grã-Bretanha. O processo de privatização do serviço de água e esgoto de Londres, que prometia maior eficiência, menor custo para os usuários e menos danos ambientais, resultou em um grande fracasso, a ponto de que o The Time, em recente matéria declarar que a “Privatização de Serviços Públicos Essenciais é um Deus que Fracassou”. E a razão é muito simples. Essas empresas não têm como objetivo de negócio expandir as redes de água e esgoto para áreas de baixa renda ou de difícil acesso para instalação das mesmas. Por isso que essa é uma função indelegável do Poder Público, na medida em que todos os cidadãos devem ter acesso a esses serviços básicos, os quais, como se sabe, quando disponíveis, reduzem substancialmente os gastos com saúde.

Regionalmente, em 2022, essa proporção se diferencia e se eleva para 92,2% na região Sudeste e 90,4% na região Sul, enquanto reduz significativamente para 62,3% na região Norte do Brasil. Em termos estaduais esta diferenciação se amplia ainda mais chegando em seus extremos a 96,5% em São Paulo e 50,1% no Amapá.

Os serviços de coleta de lixo também aumentaram no Brasil.  A proporção dos moradores residentes em domicílios particulares permanentes atendidos com este tipo de serviço passou de 85,8% em 2010 para 90,9% em 2022. Apesar deste crescimento, em 2022, cerca de 18 milhões de brasileiros ainda não eram atendidos por este tipo se serviço.

A mesma observação feita anteriormente no que respeita à água e esgoto, vale para a coleta de lixo e, tão importante quanto, sua adequada destinação. As empresas que operam esses erviço, por concessão das prefeituras, em sua grande maioria, não estão preocupadas com o envenenamento do solo que ocorre pelo chorume, o líquido poluente originado de processos biológicos, químicos e físicos da decomposição de resíduos orgânicos. A destinação desses resíduos, assim como os recicláveis, deve ser uma tarefa do Poder Público, estabelecendo políticas próprias para o setor, uma vez que existem exemplos de sucesso a serem copiados, além de gerarem renda para milhares de pessoas e, novamente, ajudarem a reduzir problemas básicos de saúde.

Em termos regionais, o volume de atendimento dos moradores segue praticamente o mesmo perfil observado para os serviços de atendimento à ligação de água, qual seja: mais elevado nas Regiões Sudeste (96,9%) especialmente São Paulo (99,0%) e Rio de Janeiro (98,0%); Sul (95,3%), destacando-se Santa Catarina (96,7%); Centro-Oeste (93,1%), basicamente o Distrito Federal (98,8%). As Regiões Norte (78,5%), ressaltando-se o Acre (75,9%) e o Pará (75,9%) e Nordeste (82,4%) com maior relevância para o Maranhão (69,8%), apresentam os índices menos eficientes na oferta desses serviços.

Os serviços de esgotamento sanitário com descarte adequado realizados no território brasileiro também aumentaram nos últimos anos, passando seu atendimento de 64,5% em 2010 para 75,7% em 2022 da sua população. Entretanto, da mesma forma que os serviços de ligação de rede geral de água e de coleta de lixo, em 2022, em termos de serviços de esgotamento sanitário, cerca de 49 milhões de pessoas(cerca de um quinto da população brasileira)moravam em residências sem descarte adequado deste serviçoutilizando como alternativas a fossa séptica ou fossa filtro não ligada a rede; fossa rudimentar ou buraco; vala; rio, lago, córrego ou mar; e outra forma; e, não tinham banheiro nem sanitário.

O serviço de esgotamento sanitário é o que apresenta os maiores diferenciais regionais de atendimento à população, situando-se em patamar mais elevado de atendimento adequado nas Regiões Sudeste (90,7%), com destaque para os Estados de São Paulo (94,5%) e Rio de Janeiro (90,6%) e Sul (83,9%) sobressaindo Santa Catarina (89,2%); bastante inferiores nas Regiões Norte (46,3%), destacando-se o Estado de Rondônia (39,4%) e Nordeste (58,1%), especialmente o Estado do Maranhão (41,0%).

Aqui, novamente, deve ser ressaltado o papel exercido pela Sabesp na expansão e atendimento à população de São Paulo, o que não é levado em conta pelo atual governo do estado, na sua ânsia em privatizar a companhia que tantos benefícios tem trazido à população paulista.

Em síntese, os dados divulgados pelo Censo Demográfico de 2022 retratam a evolução de algumas das características de serviços básicos recebidos pelos domicílios e pela sua população moradora, revelando, por um lado, alguns avanços em seus atendimentos, especialmente com as suas ampliações, e, por outro, ainda um elevado contingente populacional que não é atendido adequadamente ou até mesmo não recebe serviços de fornecimento de rede geral de distribuição de água, de coleta de lixo e de esgotamento sanitário, com ênfase para as regiões Norte e Nordeste brasileiro e para os pequenos municípios espalhados por todo o território nacional.

Dessa lamentável realidade vivenciada pela população brasileira emerge, de forma ainda mais alarmante, a necessidade de ações imediatas e de longo prazo para o enfrentamento de questões que possibilitem a ampliação e a melhoria destes serviços (não) prestados à população brasileira, fundamentalmente em benefício dos sem-rendas e sem-moradia digna, excluídos do crescimento econômico e, por essas razões, sem acesso a esses bens públicos.

A grande responsabilidade de atendimento destes serviços, em grande medida, se vincula ao setor público em seus âmbitos municipais, estaduais e federal. Neste contexto, o atual governo federal, no início da sua gestão, lançou o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e mais recentemente o Novo – PAC, coordenado pelo próprio governo federal, em parceria com o setor privado, estados, municípios e movimentos sociais. Dentre os vários eixos estabelecidos no Programa, como o “Água Para Todos”, o “Infraestrutura Social Inclusiva” e o “Cidades Sustentáveis e Resilientes”, podem seguramente contribuir no enfrentamento da resolução dos problemas existentes para os serviços considerados.

Esses programas, se levados adiante com vontade política e seriedade, poderiam resolver vários dos problemas que são decorrentes, em grande medida, da ausência do fornecimento de água, do saneamento básico e da coleta do lixo. Esses serviços essenciais, quando disponíveis, contribuem para a redução de custos com saúde pública, melhores condições de aprendizado escolar e, no momento em que o governo federal está empenhado em reduzir a taxa de desemprego, com a criação de milhares de postos de trabalho, dado que essas atividades são tomadoras de mão-de-obra em grande escala.

Se ao final do atual governo, o país tiver reduzido de forma significativa a grande dívida social que ainda persiste, sua missão já estará cumprida de forma mais que satisfatória, pois deixará um legado de inclusão social que, somado à ampliação da moradia e a massificação do ensino integral de qualidade, tornará a sociedade brasileira mais justa e com capacidade de enfrentar os enormes desafios que tem e ainda terá pela frente.


Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Equipe Técnica: Adhemar Mineiro (Coordenação), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva, Eron José Maranho, Jaderson Goulart Junior, José Moraes Neto e Juarez Varallo Pont.

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