Nota Técnica – A NIB Será Suficiente para um Novo Processo de Industrialização no Brasil?

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Desde a década de 1940 até o final da década de 1980, economistas e pensadores da realidade nacional, à esquerda e à direita, ainda que com naturais diferenças de enfoques, concordavam em um ponto central, qual seja, a visão cepalina de que o desenvolvimento econômico de países do Terceiro Mundo passava, necessariamente, pela urbanização e a industrialização.

Com a industrialização, embalada pelo “tripé desenvolvimentista”, empresa estatal, empresa estrangeira e empresa nacional, o Brasil conseguiu construir a maior e mais completa matriz industrial do Hemisfério Sul. Nesse período, é verdade, o PIB do país cresceu vigorosamente, mas os benefícios desse crescimento foram direcionados a parcelas cada vez menores da população, gerando uma das maiores desigualdades sociais do mundo, sob a justificativa de que “primeiro era preciso fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo”. O bolo cresceu, mas a repartição não se efetivou.

Posteriormente, no início da década de 1990, sob a “estratégia” de que era preciso abrir a economia para que a indústria local tivesse um “choque de produtividade”, o Brasil iniciou um acelerado processo de desindustrialização, cuja reversibilidade se configura cada vez menos factível. Em decorrência, o que viu foi a primarização da economia, com os produtos agropecuários e os extrativos minerais assumindo um papel cada vez mais relevante na pauta de exportações. Recuperava-se, assim, a velha tese de que o “Brasil tem uma vocação essencialmente agrícola”. Entre os anos de 2003 a 2010, houve uma tênue tentativa de reversão desse quadro, quando o governo Lula se aproximou do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – IEDI e tentou pôr em prática alguns dos princípios por ele defendidos.

Com a destituição de Dilma e a posterior assunção de Temer e, pior ainda, de Bolsonaro, o processo de primarização se aprofundou. Essa era a retribuição do governo Bolsonaro ao apoio maciço recebido da “bancada do agro” na eleição de 2018 e no Congresso Nacional. E a indústria, que já teve uma participação de 36% na formação do PIB nacional, hoje não ultrapassa os 11%. O fato é que a indústria de transformação brasileira está a caminho da extinção. Mesmo que se alegue que tal percurso é normal e ocorreu nos países desenvolvidos, é preciso se ter em conta que quando isso ocorreu esses países já tinham uma renda per capital semelhante a que têm atualmente.

O que certamente não é comum a outros países desenvolvidos em relação ao comportamento da indústria de transformação brasileira é a queda sistemática da sua produtividade, assim como não é normal a perda do mercado interno – o grande destinatário da produção industrial brasileira – para as importações, e tampouco a perda de mercado para as nossas exportações.  

Chegamos, finalmente, à Nova Indústria Brasil – NIB. De fato, o plano traz importantes iniciativas e avanços para fomentar o processo de reindustrialização do País. Com a reativação do Conselho de Desenvolvimento Industrial – CNDI, que reúne inúmeros ministérios e entidades representativas de classes, estabeleceu seis missões (cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais; complexo econômico e industrial da saúde; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis; transformação digital da indústria; bioeconomia, descarbonização, e transição e segurança energéticas; e, tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais) que deverão nortear a implementação do NIB e que procuram se atrelar ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e ao Plano de Transição Energética – PTE, estabelecidos pelo atual governo, emergindo uma legitimidade política para a sua execução.

Ressalte-se que o lançamento do NIB ocorre em um momento de redefinição de hegemonias globais, de crises provocadas pela pandemia como o Covid e de conflitos entre Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas e fortes alterações climáticas que resultam em nova realidade sobre a inserção locacional das indústrias de modo geral.

É neste contexto que o NIB pretende envolver maior atenção às atividades agroindustriais, de saúde, infraestrutura urbana e tecnologia com financiamentos de cerca de R$ 300 bilhões até 2026 através do Banco Nacional de Desenvolvimento -BNDES, da Financiadora de Estudos e Projetos – Finep e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial – Embrapii.

Seguramente o NIB traz importantes iniciativas e avanços para fomentar o processo de reindustrialização do País. Entretanto parece imperativo levantar algumas ponderações sobre a real capacidade da NIB atingir os seus objetivos.

Observa-se uma crítica, especialmente por parte do sistema financeiro e de alguns veículos de comunicação, quanto ao volume de recursos que serão destinados ao programa. A título de comparação, o Plano Safra 2023/2024 estima liberar cerca de 430 bilhões de reais, sendo que valores relativamente semelhantes vêm sendo liberados ao setor todos os anos. E em relação a esse direcionamento financeiro do governo não há críticas pela grande imprensa. Contudo, discordando, entendemos que haverá, sim, aportes da Secretaria do Tesouro Nacional, embora a maior parcela seja oriunda de financiamentos do BNDES e da FINEP. Mas qual o problema de que haja subsídios do Estado para reativar um segmento importante da economia nacional? E afinal, a demanda através de compras públicas é fundamental para viabilizar os setores industriais, não se trata apenas de uma questão de oferta, é preciso viabilizar via setor público também a demanda.

Todos os países usualmente citados por essa mesma imprensa, como exemplos a serem seguidos quando se busca crescimento econômico, subsidiaram e continuam subsidiando as suas indústrias, notadamente a China, a Coreia do Sul e, mais recentemente os Estados Unidos, impondo barreiras às importações de aço, ao mesmo tempo em que incentivam e subsidiam a instalação de fábricas de componentes eletrônicos, visando diminuir a dependência existente aos produtos fabricados no exterior.  

Mas financiar ou subsidiar determinado setor da economia não é garantia de que resulte em crescimento econômico com desenvolvimento social. É preciso ir além. Desde logo é preciso reconhecer o atual estágio da indústria brasileira. De protagonista em termos regionais, em grande medida, ela pode torna-se numa mera montadora de peças, partes e componentes, uma vez que a quase totalidade da tecnologia de última geração embarcada nos produtos finais, procede do exterior, notadamente da China. Isso, não apenas desnacionaliza os bens aqui produzidos, como deixa de criar uma apreciável massa salarial, além de desestimular investimentos privados em novas plantas industriais.

Outra relevante questão a ser considerada é que as diretrizes do NIB são bastante amplas, deixando dúvidas sobre a sua efetiva implementação ao longo dos próximos anos. É provável que, diante do envolvimento inúmeros ministérios e entidades representativas de classes na elaboração das suas diretrizes estes detalhamentos devem ter sido debatidos, porém não divulgados. Tal fato pode gerar incertezas.

Portanto, a recuperação (se for possível) da indústria de transformação brasileira será tarefa árdua e de longa duração, exigindo medidas continuadas de vários governos para voltar a ocupar papel relevante na economia e no PIB nacionais. Será preciso adquirir tecnologia atualizada para aumentar a sua competividade internacional e, em conjunto com as universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento, inovar e aprimorar a tecnologia adquirida. Um exemplo positivo desta afirmação é o apoio da Petrobrás às universidades – particularmente à COPPE-UFRJ – que possibilitou à empresa ser líder mundial em novas tecnologias de exploração de petróleo em águas profundas.

Uma Nação que se deseja econômica, social e politicamente respeitada no concerto das nações requer que ela possua uma indústria tecnologicamente moderna e competitiva internacionalmente. É um processo de construção que supera períodos governamentais e até gerações. Deve ser construído com o apoio de toda a sociedade para que esse desejo se torne realidade. Talvez as ideias da inclusão social e da transição energética possam servir de mote para essa nova reindustrialização.


Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Equipe Técnica: Adhemar Mineiro (Coordenação), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva, Eron José Maranho, Jaderson Goulart Junior, José Moraes Neto e Juarez Varallo Pont.

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