Ventos frios na economia vindos de fora

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Por Adhemar S. Mineiro

O cenário dos últimos anos já não era nada animador. As turbulências na economia internacional já vêm de um longo período, a partir da crise econômico/financeira de 2007-2008. A resposta a esse processo de crise foram políticas de expansão monetária, que se de um lado recolocaram o “cassino financeiro” para funcionar e, via crédito, tiraram da UTI empresas e consumidores atingidos pela crise, de outro apenas adiaram a resolução do problema, uma vez que agora sentimos alguns dos efeitos, ou seja, a recolocação da instabilidade financeira e a inflação internacional. Também temos um pano de fundo estrutural do problema, a disputa hegemônica entre EUA e China.

No período mais recente, primeiro a pandemia, depois a guerra na Ucrânia contribuíram para agravar o problema. A crise agora, além de sua componente financeira, tem claramente relação com a desconexão das cadeias globais de suprimentos que tinham se formado desde o final do Século XX, nas quais a China e os países asiáticos assumiram papéis de protagonistas. Fala-se agora em um redesenho dessas cadeias, tomando em consideração aspectos geopolíticos (ou seja, o encadeamento se deve dar entre aliados políticos) e ambientais (vale dizer, as cadeias de suprimentos devem ser encurtadas em distâncias, para reduzir o consumo de energias, e impactar menos o meio ambiente).

No Brasil, já dito não apenas aqui, e não apenas desta vez, a esses acontecimentos que têm como efeito a subida internacional dos preços, se soma a má administração federal e a desvalorização do real, agravando o impacto desse processo nos preços internos no país, fazendo a inflação vir à tona como problema grave.

A extensão da guerra entre Rússia e Ucrânia, as tensões entre OTAN e Rússia, o reforço da aliança estratégica entre Rússia e China, e todas as consequências geopolíticas desse processo agravam o problema. Mais recentemente, se fala em uma desaceleração do crescimento chinês, o que pode complicar ainda mais a situação internacional. Vale lembrar que as altas taxas de crescimento da China contribuíram no geral para a retomada da economia internacional pós-2008, e em particular alavancaram o desempenho econômico e a balança comercial de países exportadores de commodities agrícolas, minerais e energéticas, como o Brasil.

Vale lembrar ainda que esse processo de desaceleração não se restringe à China. A União Europeia, bloco que representa o maior mercado internacional em tamanho, deverá ser atingido pela inflação (a desconexão com as cadeias de suprimento de minerais e energia da Rússia deve funcionar como combustível para esse problema), assim como vários de seus países-membros deverão ser atingidos pela recessão. Estagflação, uma combinação de estagnação econômica com inflação, deve ser a tônica do próximo período na economia mundial, uma espécie de “muda” do que se teve até a primeira década desse século – a hiperglobalização, para o que está vindo – essa recomposição das cadeias internacionais de suprimentos.

Ou seja, é importante perceber nesse momento: do mundo lá fora, só vai vir vento frio para a economia brasileira no próximo período. Não há muito o que se esperar de lá, e de onde menos se espera é daí mesmo que não sai nada, como diria o Barão de Itararé.

Então, cabem ser colocadas duas discussões que parecem importantes, como possibilidades. Uma foi a que coloquei aqui no Terapia Política, em artigo de cerca de um mês atrás (“E a integração regional com isso?”), ou seja, a possibilidade de uma economia grande como a brasileira desenvolver regionalmente encadeamentos produtivos, no mesmo sentido que outras grandes economias regionais pelo globo. Temos o Mercosul, temos experiências anteriores de processos de integração regional, provavelmente nessa conjuntura internacional teríamos também interesse por parte dos nossos vizinhos. Por que não avançar nesse sentido? É sempre uma possibilidade, e nos daria um pouco mais de conforto em um mundo turbulento, abrindo perspectivas econômicas e também possibilitando fortalecer a musculatura geopolítica para enfrentar as turbulências que virão mais à frente. Essa é a primeira possibilidade.

O outro ponto importante é não ver a deterioração do cenário externo como um problema, mas tratar essa situação como uma possibilidade. No processo de desenvolvimento brasileiro, vários passos importantes foram dados em momentos de crise internacional, quando o caminho fácil de fornecedor de commodities ao exterior foi quebrado pelas rupturas externas que aconteceram, na maioria das vezes com o Brasil se apresentando como um impactado pelo processo. A partir daí, a resposta interna foi buscar os próprios caminhos. Talvez seja o momento de percebermos que a mudança de cenário está nos empurrando para um desses momentos de buscar nossos próprios caminhos. Os impasses da política interna não ajudam muito a fazer essas definições, mas é importante perceber que essa possibilidade – a de estarmos em um daqueles momentos de desenharmos nosso próprio caminho futuro – está colocada.

Adhemar S. Mineiro é Economista, doutorando do PPGCTIA/UFRRJ, membro da Coordenação da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia-RJ e assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos.

Publicado originalmente em Terapia Política (https://terapiapolitica.com.br/ventos-frios-na-economia-vindos-de-fora/)

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