Ricardo Carneiro: A estabilização de preços dos combustíveis no Brasil

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O professor Ricardo Carneiro escreveu, com Bruno Moretti, artigo A estabilização de preços dos combustíveis no Brasil, para a revista Carta Capital.

A estabilização de preços dos combustíveis no Brasil

Há várias consequências deletérias da adoção do PPI para a economia. A primeira, direta, é o impacto nos orçamentos das famílias, em particular, as mais pobres

Introdução

A política de preços adotada pela Petrobras para combustíveis, formalmente, é a de preços de paridade de importação (PPI). Isto é, a Petrobras age como se todos os derivados do petróleo utilizados no Brasil fossem importados, de modo que seus preços de realização são o resultado das cotações internacionais adicionadas de custos de internalização, e convertidos à taxa de câmbio corrente. Há uma dupla consequência da adoção do PPI: de um lado, todos os derivados utilizados internamente pelas refinarias são vendidos a preços muito mais altos do que se fossem referidos aos custos domésticos de produção, situação esdrúxula, pois o Brasil é autossuficiente na produção de óleo cru e produz cerca de 80% dos derivados que utiliza. Por outro lado, além de mais elevados, esses preços são também mais voláteis, pois incorporam a flutuação recorrente dos preços internacionais, bem como aquelas relativas às variações da taxa de câmbio do real com o dólar.

A justificativa formal para que esta prática seja adotada, ou seja, a precificação do petróleo e dos derivados em valores substancialmente superiores aos dos custos de produção domésticos é a do custo de oportunidade. Ou seja, ao adotar o preço internacional como critério, a economia brasileira e seus cidadãos estariam pagando um valor realista que refletiria a escassez e custos de produção desse bem em nível global. Assim, a demanda e o consumo não se guiariam por preços artificiais e todas as decisões prospectivas relativas à utilização dos combustíveis fósseis seriam tomadas com os parâmetros corretos. Esta proposição esconde questões essenciais: primeiro, e mais importante, a natureza especulativa dos preços internacionais do petróleo. Segundo e por consequência, para países produtores de baixo custo de produção, como o Brasil, a apropriação da renda petroleira por vários agentes econômicos em detrimento da população.

Há várias consequências deletérias da adoção do PPI para a economia e sociedade brasileiras. A primeira, direta, é o impacto nos orçamentos das famílias, em particular, as mais pobres por meio do preço do GLP e do transporte coletivo. Ainda como consequência direta, temos a elevação dos custos de transporte, magnificada num país cujo transporte de cargas é essencialmente rodoviário. Ademais, nesse campo, a volatilidade é danosa, pois torna muito difícil a previsibilidade dos custos e negociação de fretes. Há fortes evidências de que a volatilidade dos preços de combustíveis chega a reduzir o crescimento do PIB do país como mostra o estudo econométrico de Oliveira, Schommer e Rosa (2021)[4]. Todos esses efeitos foram agravados, no ciclo recente, por conta da assimetria entre alta de preços dos combustíveis e desvalorização do real. Para alguns, este seria um efeito inesperado na medida em que ciclos de preços de commodities se associariam a variações simétricas nas taxas de câmbio dos países exportadores desses bens. Todavia, numa economia financeirizada, preços de petróleo e taxas de câmbio são ativos financeiros e sua determinação não segue os cânones produtivistas. Por fim, de uma maneira indireta, a alta dos preços de combustíveis ao impactar os índices de inflação, em particular aquele que serve de referência à política de metas, contribuiu decisivamente para a decisão do choque de juros em curso na economia brasileira. Por exemplo, em 2021, o IPCA ficou acima do teto da meta de inflação, com valor de 10,06%, sendo que o item com maior peso no índice foi a gasolina, com 2,34 p.p. Isto posto, cabe advertir sobre os interesses em jogo. O aumento dos preços de combustíveis tem vários sócios. Desde logo a Petrobrás, principal produtora e que se beneficia do diferencial entre preço internacional e custo doméstico. Não é por outra razão que tem apresentado lucratividade muito superior à das empresas congêneres, como mostra o trabalho de Pinto (2021)[5], que, com base nos dados da Economática, calcula uma taxa de retorno (return on equity) da Petrobrás de 36,2% contra uma média de 5,4% para sete petroleiras internacionais. Também são beneficiadas empresas internacionais produtoras e exportadoras de petróleo cru operando no Brasil, em razão do enorme diferencial de preços. Em segundo lugar, os acionistas da empresa – a União e os privados – que têm recebido dividendos muito acima do padrão do mercado, em detrimento da utilização dos lucros para investimentos, especialmente, em ampliação da capacidade de refino que aliviaria em restrições em caso de retomada do crescimento sustentável da economia. Ainda na cadeia de produção e distribuição, todos os tipos de distribuidores, atacadistas e varejistas, que trabalham com margem na comercialização. Cabe ainda acrescentar que os governos estaduais, que tributam os combustíveis por meio de impostos ad valorem, ou seja com uma margem fixa e consequentemente têm ampliado de modo substancial a arrecadação. Diante desses fatos, há uma pergunta central a responder: há alternativa ao PPI? Esse texto busca demonstrar que sim. Seu princípio geral é o de que num país autossuficiente em óleo cru, produzido a um custo muito inferior aos preços internacionais e com um parque de refino com capacidade de processar cerca de 80% das necessidades domésticas, este custo de produção local teria que ser incorporado na definição dos preços domésticos. Ou seja, preços mais baixos, com volatilidade reduzida, e sem subsídios, apenas apropriando a renda petroleira de forma equânime em benefício da economia brasileira e de seus cidadãos.

Isto posto, este texto se organiza em três partes, além desta introdução. Na parte 1, discute-se os mecanismos gerais de fixação dos preços internacionais do petróleo. Na parte 2, a evolução recente da indústria do petróleo no Brasil, com ênfase na produção, exportação e preços. Por fim, descreve-se o mecanismo proposto de redução e estabilização de preços por meio do fundo de estabilização.

A íntegra do artigo está disponível no link da Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/artigo/a-estabilizacao-de-precos-dos-combustiveis-no-brasil/

Ricardo de Medeiros Carneiro

Possui mestrado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1976) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1984). Obteve a Livre Docência nesta universidade em 2001 e cargo de Professor Titular em 2008.

Foi Visiting Fellow da London University (1997/98), da Université de Paris, XIII (2008) e da Universidad Complutense de Madrid (2009/2010).

Foi Diretor Executivo pelo Brasil e Suriname do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington (2012/2016).

Atualmente é professor Titular Colaborador da Universidade Estadual de Campinas.

Tem experiência na área de economia política, com ênfase em economia internacional e economia brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: financeirização; globalização; desenvolvimento econômico, política econômica, política macroeconômica, política setoriais, sistemas financeiros.

É membro do Conselho Editorial da  Revista de Economia Política e da revista  Economia e Sociedade, e Coordenador do Observatório da Economia Contemporânea

Na produção acadêmica, o professor Ricardo Carneiro tem um livro individual; organizou dez organizações de livros; escreveu trinta e sete capítulos de livros e quarenta artigos completos em periódicos.

É autor do livro Desenvolvimento em Crise, a economia brasileira no último quarto do século XX, de 2002. Foi o organizador do livro A supremacia dos mercados e a política econômica do Governo Lula, de 2006, do livro Desafios do Desenvolvimento Brasileiro, de 2011 e do livro Para Além da Política Econômica, de 2018. É colaborador regular da imprensa por meio de artigos de divulgação no Le Monde Diplomatique Brasil e na Carta Capital.

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