NOTA SOBRE A PEC KAMIKAZE

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NOTA SOBRE A PEC KAMIKAZE

2 de julho de 2022

Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

A PEC Kamikaze (Proposta de Emenda Constitucional nº 01 de 2022) aprovada no Senado Federal não é apenas um suicídio fiscal, é mais um processo de autodestruição da democracia brasileira.

O Governo Bolsonaro depois de dois anos de pandemia fazendo vista grossa ao crescente número de óbitos (que já somam mais de 671 mil vítimas) e após a crise econômica decorrente do caos sanitário, caminhando na contramão global e relutando em aderir ao estado de emergência e calamidade pública, de repente, decidiu, às vésperas da eleição, jogar fora vários de seus ícones neoliberais, dentre outros:  o ajuste a austeridade fiscal, o teto de gastos e as metas de inflação como desculpas para não socorrer à população durante a pandemia –  que exigiram inúmeros embates no congresso para conseguir garantir auxílios mínimos à população e aos entes subnacionais. Agora, corre para aprovar uma medida que distribui R$ 41,2 bilhões remanescendo apenas três meses para eleição presidencial e com duração apenas até o final do ano.

Medidas como essas que caracterizam políticas anticíclicas são importantes no contexto de agravamento da crise econômica, elevado desemprego e crescimento da miséria e pobreza. Entretanto, eram para ser estabelecidas no início da pandemia da Covid-19. Há pouco menos de três meses das eleições e com prazo de validade de até dezembro desse ano, trata-se de uma iniciativa casuística, de profundo interesse eleitoreiro e com clara intensão de interferir no resultado eleitoral.

Já não bastassem as estratégias fraudulentas do Orçamento Secreto, em relação ao qual devemos perguntar: onde estão os Tribunais de Contas? A PEC não é só mais um mecanismo para burlar o teto estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, é um plano político-eleitoreiro que deveria ser averiguado pelo Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal.

A PEC defende a necessidade de distribuição e ampliação do Auxílio Brasil e do vale-gás de cozinha; a criação de auxílios aos caminhoneiros e taxistas; financiamento da gratuidade de transporte coletivo para idosos; compensar os estados que concederem créditos tributários para o etanol; e reforçar o programa Alimenta Brasil, alegando estado de emergência no Brasil – após 85,6% da população vacinada com a primeira dose e 78% com ciclo vacinal completo.

Eu suma, o governo quer ganhar as eleições de qualquer maneira. Reescrevendo ou reinterpretando as leis do país. Qualquer que seja a política anticíclica, ela deve ser acompanhada com as melhores técnicas de previsibilidade de seus efeitos e consequências. O que está posto com a PEC Kamikaze é o total desleixo com os recursos públicos, seu desrespeito às regras orçamentárias, sem a devida governança e controle das contas públicas. Entramos na Era do Vale Tudo. Para além do nítido esforço eleitoral, seu prazo de vigência até o final do ano entregará ao novo presidente eleito um conjunto de pressões desestabilizadoras: caminhoneiros e taxistas demandando a continuidade do benefício, assim como a ausência da compensação aos estados e municípios, um rol de descontentes.

O motivo é, ao declarar o reconhecimento de estado de emergência, o Governo Federal poder executar pagamentos sem violar a legislação eleitoral e passar por cima da Lei 9.504 de 1997, que veda a criação de benefícios em ano de eleição.

Não fosse suficiente o uso de falsos argumentos orçamentários para dar assistência nos comentos críticos, os hipócritas neoliberais que comandam o país de hoje reforçam o estado de emergência devido à alta inflacionária – destacadamente a partir da subida dos preços dos combustíveis, que decorre de uma postura política federal de não intervir nos mecanismos de preços da Petrobras. O atual governo se recusou a subsidiar os custos de produção, nem se dispôs a tornar híbrido o ajuste dos preços a partir de uma média ponderada da produção nacional, com a importação, e nem se dispôs a impor à Petrobras assumir parte desse aumento de custos, tampouco aumentar a tributação sobre o lucro das empresas do setor para financiar os benefícios à população, como, por exemplo, fez a Grã-Bretanha. Lembremos que a Petrobras faturou R$ 106,6 bilhões em 2021 e nem sequer teve compromisso de realizar investimentos para reverter o deficiente quadro de refino brasileiro no longo prazo.

Em resumo, a PEC kamikaze é uma medida eleitoreira-populista, que burla a Lei de Responsabilidade Fiscal e a lei 9.504 e se justifica, hipocritamente, em cima de problemas ignorados ou criados pelo próprio Governo Bolsonaro.

A PEC Kamikaze foi aprovada a toque de caixa, sem discussão e embate crítico da oposição – pois o golpe político foi um xeque-mate nas diretrizes sociais e democráticas brasileiras ao atribuir mecanismos de auxílio à população – causa que defendemos pois sabemos das reais necessidades do povo que foram ampliadas no estágio atual da economia brasileira. A grande maioria da população está sofrendo com o baixo crescimento econômico, desemprego a elevação da extrema pobreza e com as pressões inflacionárias.

Evidentemente, esta PEC poderá trazer algum alívio para uma parcela da população, entretanto há inúmeras alternativas possíveis e mais adequadas para fazê-lo. Na forma atual, a PEC coloca na ordem do dia a naturalização e banalização da noção de estado de emergência. Num país em que os princípios constitucionais têm sido crescentemente distorcidos, nada impede que determinados setores se apoiem no reconhecimento do estado de emergência, conferido pelo Congresso, para justificar ações que ferem de morte os princípios do Estado Democrático de Direito em caso de derrota eleitoral. Ademais, posto que esta PEC atenta contra princípios constitucionais fundamentais, a questão será judicializada, jogando no colo do STF a difícil missão política, não jurídica, de questionar sua constitucionalidade. Ao aprovar a medida, a oposição fornece munição adicional ao governo num momento em que o STF vem sofrendo ataques diretos da base do governo.

Contudo, é primoroso reiterar que o maior golpe não foi na classe política progressista ou nas contas públicas, mas, sim, ao burlar claramente as importantes regras para manutenção das instituições democráticas. Um estado de emergência infundado, incoerente e hipócrita não pode ser justificativa para distribuir recursos assistenciais em ano de eleição e colocar em elevado risco institucional o Estado Democrático brasileiro.

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2 thoughts on “NOTA SOBRE A PEC KAMIKAZE

  1. Excelente! ASBED mais uma vez assume a defesa intransigente da Democracia e denuncia o movimento que tudo distorce na busca de sua continuidade no poder. Não passarão!

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