Nota Técnica ABED – A falácia da PEC dos Auxílios e o oportunismo da MP 1106

ABED
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Com o voto contrário de apenas um senador e de 17 deputados federais, ou seja, com o apoio da maior parte da Oposição, o Congresso aprovou, no dia 13 de junho último, a PEC 16/2022, chamada pelo governo de PEC dos Auxílios.

A PEC, que é uma verdadeira bomba fiscal, cujos efeitos serão sentidos a partir de 2023, tem objetivo manifestamente eleitoreiro, pois o valor aprovado é claramente insuficiente para amenizar a situação dos milhões de brasileiros inscritos no NIS CadÚnico (Número de Identificação Social do Cadastro Único). Segundo a reportagem de  Maria Lígia Barros (publicada por Brasil de Fato, em 14/07/2022), até abril de 2022, cerca de 5,3 milhões de pessoas e de 2,8 milhões de famílias estavam na fila de espera para receber o Auxílio Brasil. E esse número vem tendo um aumento vertiginoso nos últimos meses, em decorrência da disparada do desemprego e inflação generalizada de preços de praticamente todos os bens de consumo. Se a esse número for adicionado os já inscritos, a conta não fecha.

Com custo estimado de R$ 41,25 bilhões, a proposta é a aposta do governo para tentar turbinar a popularidade do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição este ano. Atrás do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro tenta recuperar sua popularidade por meio de benefícios a grupos específicos da população, tipicamente através da famigerada “compra de votos”.

Pela legislação eleitoral em vigor, o Poder Executivo estaria impedido de injetar recursos em programas sociais até o final de 2022, período, aliás, de vigência da proposta aprovada. É sintomático que o atual governo, que se elegeu defendendo as bandeiras do neoliberalismo e da austeridade fiscal, não se constranja em “furar” o teto de gastos que, em tese, ele defendia.  O atual ministro da Economia, quando estiver fora do governo, possivelmente será o primeiro a empunhar a bandeira da austeridade fiscal, que ele solenemente desconsiderou, quando no exercício do cargo. A medida exclui do teto de gastos e das metas fiscais para 2022 as despesas com os programas incluídos na proposta. Na prática, com a PEC, o governo poderá realizar gastos extraordinários para bancar o reajuste dos benefícios e pagar o auxílio-caminhoneiro e o benefício para taxistas.

Entre as “bondades concedidas” está a elevação do piso do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família), que subirá de R$ 400,00 para R$ 600,00 a um custo da ordem de R$ 26 bilhões. No entanto, a Confederação Nacional de Municípios – CNM afirma que existiam 2,7 milhões de famílias na fila de espera do Auxílio Brasil até abril deste ano. A fila se refere a famílias que preenchem os requisitos e estavam cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único), mas não foram incluídas no Programa. A política de transferência de renda, que é onde se enquadra o Programa Auxílio Brasil (PAB), não é suficiente para sanar a pobreza que o Brasil enfrenta. Estão na pobreza trabalhadores empregados, trabalhadores informais e desempregados, enfatiza Pedro Lapa (economista pesquisador da UFPE publicado em entrevista pela Revista IHU, on-line, em 18.07.2022). Nessas condições, o trabalhador fatalmente é empurrado para a pobreza e o aumento do valor do Auxílio Brasil e outros benefícios concedidos via PEC 16/2022 é enganoso, ademais de abrir espaço para outras investidas inconstitucionais altamente perigosas, em especial no momento político atual.

Também aumenta o “vale-gás”, dos atuais R$ 53,00 para R$ 120,00 a cada dois meses, com custo de R$ 1,05 bilhão. A crítica ao benefício é que o novo valor cobre o preço médio do botijão de 13 quilos em 17 estados e no Distrito Federal, mas está abaixo da média cobrada em 9 estados, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP. Cria o “auxílio-caminhoneiro”, no valor de R$ 1.000,00 a ser pago mensalmente a cerca de 872 mil motoristas autônomos que constam no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC, com dispêndio de R$ 5,4 bilhões. Segundo fontes do setor, o valor do benefício não paga o custo de uma viagem de um caminhão padrão, o que reforça o caráter meramente eleitoreiro da medida.

Em relação ao “auxílio para taxistas”, cujo custo será de R$ 2 bilhões, as críticas recaem sobre a imprecisão na forma de aplicação do benefício, uma vez que não foi especificado se o valor será mesmo de R$ 300,00 até o final do ano. Ademais, motoristas de aplicativo não serão beneficiados.

Ainda foi aprovado subsídio para transporte gratuito de pessoas com mais de 65 anos, com impacto de R$ 2,5 bilhões; e subsídio para a produção do etanol, ao custo de R$ 3,8 bilhões; e repasse de R$ 500 milhões para reforçar o programa Alimenta Brasil, do governo federal, voltado para a aquisição de alimentos produzidos por pequenos agricultores.

Ao reforçar os caixas das prefeituras com subsídios para o transporte de idosos, o governo tenta evitar que ocorram reajustes de preços no transporte coletivo nos próximos meses (quando ocorre a campanha presidencial). Em relação ao reforço de 500 milhões de reais ao programa do governo federal, Alimenta Brasil, voltado para a aquisição de alimentos produzidos por pequenos agricultores, o valor chega a ser irrisório, quando comparados com os mais de 200 bilhões de reais destinados à safra de 2022/2023, e que favorece primordialmente os grandes produtores rurais de grãos, cuja produção é majoritariamente destinada à exportação,pouco contribuindo para a alimentar a população, em especial a de baixa renda.

Como a legislação em vigor impede que o governo possa distribuir bilhões de reais a três meses das eleições, teria que ser encontrada uma “saída”. E a “saída” foi instituir o “Estado de Emergência”, justificado pelo aumento do preço dos combustíveis.

A propósito, para juristas, esse estado de emergência pode abrir espaço para outras medidas eleitoreiras e até autoritárias num ano turbulento politicamente. Por ser uma figura jurídica inédita, não se sabe exatamente que direitos ele concede ao governo e ao presidente. De acordo com a PEC, o governo federal autoriza o pagamento de benefícios em ano eleitoral. Incluído na Constituição, no entanto, existe a chance que ele seja evocado para justificar outras medidas. E aí é que reside grande parte do perigo.

Mas quais seriam os reais objetivos que estão por trás da PEC dos Auxílios? Existem algumas possibilidades a serem exploradas. Ao levar benefícios à população mais carente, o governo Bolsonaro não apenas descumpre norma constitucional, como usa o Congresso  (com seu consentimento, a bem da verdade) para lançar uma medida manifestamente eleitoreira e inócua, do ponto de vista de atacar o grande problema nacional: a fome. Por outro lado, se havia alguma justificativa para instaurar um “Estado de Emergência”, o momento seria quando da votação do Auxílio Brasil, meses atrás, para enfrentar a real emergência da fome, que assola já 33 milhões de pessoas em todo o país, sem falar nas outras mais de 90 milhões em estado de insegurança alimentar em graus variados de gravidade.

Diferentemente desse instrumento eleitoreiro, no início dos anos 2000, o Programa Bolsa Família (PBF), conseguiu responder à crise instalada na década de 1990 pelo modelo “neoliberal”, porque foi adotado em conjunto com outras políticas públicas de Proteção Social, como as políticas de Segurança Alimentar, Assistência Social e Proteção Previdenciária, além de se articular com as políticas de Educação. Naquele momento, como deveria ser agora, o combate à pobreza foi prioridade e estava associado a políticas de geração de emprego, formalização de emprego e aumento real do salário-mínimo.

Portanto, fica demonstrada a ineficácia dos benefícios e o risco que resultam da aprovação da PEC 16/2022, diante da crise social que grassa pelo país, e do caráter altamente belicoso que pode ser assumido pelo governo federal, diante da brecha constitucional concedida pelo “Estado de Emergência”, como assinalado por juristas.

Não bastasse toda essa ineficácia, outra medida sinistra está em curso, a aprovação pelo Senado da Medida Provisória 1106, que segue para sanção presidencial. Embora haja justificativas de que, finalmente, os cerca de 18,5 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social que recebem o Auxílio Brasil, passarão a ter acesso à linha de empréstimo consignado, a realidade é bem mais dura. Primeiramente, porque aumenta a margem de comprometimento de programas sociais por crédito consignado, passando dos atuais 35% para 40%. Em relação ao PAB, isso significa que R$ 240,00 do auxílio agora majorado para R$ 600,00 poderão ser comprometidos para pagamento de crédito consignado eventualmente contratado. O segundo aspecto cruel dessa nova “vantagem” reside no fato de que, apesar de ser uma operação de baixo risco, o texto da MP não prevê um teto para a taxa de juros a ser praticada. Segundo o Banco Central, o consignado para pessoa física na atualidade, chega até 5,7% ao mês. Esta é a razão pela qual especialistas alertam para que as pessoas com orçamento apertado e com dívidas que se avolumam (a maioria da população brasileira), devem pensar seriamente antes de aceitar as propostas feitas pelos bancos. Afinal, essa deve ser uma operação altamente lucrativa, pois o sistema financeiro tem reservado um montante de 77 bilhões de reais para aplicação somente para esse público beneficiário de programas sociais.


Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED / Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Equipe Técnica: Nelson Le Cocq (coordenação), Adhemar Mineiro (RJ), Adroaldo Quintela (DF), Larissa Chermont (PA), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva (BA), Eron José Maranho (PR) em conjunto com os economistas Jaderson Goulart Junior (PR), José Moraes Neto (PR), Juarez Varallo Pont (PR) e Mariano de Matos Macedo (PR).

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