O Ano Amanhece Nublado

ABED
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Crédito da foto: Henryk Niestrój

O ano amanhece nublado. Um teatro de operações onde a esperança vai rompendo nuvens de chumbo, mas a miséria encharca o terreno onde irá se desencadear a batalha eleitoral que se anuncia.

No pano de fundo geopolítico a tensão se faz crescente. O preço de petróleo ascende. O desmantelamento da Petrobras e a privatização do refino e comercialização dos combustíveis impulsiona preços que se irradiam por toda a cadeia produtiva e por todo o transporte de suprimentos e mercadorias em geral. Inclusive sobre a venda de alimentos e demais itens de primeira necessidade, anabolizados pela desvalorização cambial e pela política de paridade com os preços internacionais.

O próximo governo irá se deparar com o binômio inflação e desemprego, em meio a um quadro de pobreza que só tem feito avançar. O destroçamento das regras que regulavam as relações de trabalho e o retrocesso dos investimentos públicos causaram um quadro depressivo que perdura desde 2016. A política das âncoras fiscais foi a antessala do precipício que a pandemia acelerou abertamente. A expansão do agronegócio é a contrapartida da redução das áreas cultivadas para o abastecimento doméstico de gêneros alimentícios. Ao mesmo tempo, ao assegurar o superávit da balança comercial, a exportação de grãos e o extrativismo de petróleo e ferro compõe o quadro de crescente desindustrialização, posto que a irresponsável abertura do mercado doméstico, iniciada por Collor de Mello e mantida desde então, acarreta o desfazimento da malha industrial doméstica.

Desde o golpe de 2016 este quadro se aprofunda, e impede que políticas de injeção de renda para populações mais pobres constituam impulsos multiplicadores de maior consistência. Dada a ausência de estruturas industriais domésticas, grande parte dos influxos de renda dos programas de atenuação da pobreza vazam para o exterior. Mesmo quando se trata de políticas imediatas de saúde pública patrocinadas pelo Estado, a demanda por fármacos, insumos e equipamentos é substantivamente orientada para importações.

Perante a gravidade da situação com que nos deparamos, não há como tergiversar perante o

óbvio. O capital externo abandona o país e a perspectiva de subida da taxa de juros norte-

americana só irá agravar esta retirada. A total falta de expectativas quanto à obtenção de fluxos

de caixa positivos retrai, da mesma forma, os eventuais investidores privados internos. A

demanda doméstica se esboroa e o grau de endividamento das famílias alerta sobre um tsunami

de inadimplências em andamento.

A única variável autônoma possível – e imprescindível – é a retomada dos investimentos públicos. O que significa retirar a canga das políticas de âncoras fiscais, a começar pelo absurdo teto de gastos. A questão central que se coloca é a urgente recomposição do Estado Nacional e seu poder de intervenção no domínio econômico e social, por mais que isso se choque com interesses muito poderosos das diferentes frações do capital mercantil, a começar pelo sistema financeiro e por aqueles que hoje obtém elevada rentabilidade na importação de determinados produtos, com ênfase em combustíveis e na exportação de produtos primários. Estes, como se sabe, com elevados índices e mecanismos de isenção tributária.

Variáveis políticas sinalizam possibilidades reais de forte instabilidade interna, sendo que problemas de abastecimento poderão vir a ocorrer, agravando a já previsível trajetória de carestia generalizada. A favor da manutenção inclusive da estabilidade política e social é necessário o anuncio de possíveis iniciativas de drástica reversão das expectativas de agravamento do quadro econômico.

As sucessivas notas técnicas do Grupo de Análise dos Impactos da Crise da ABED, ao longo de 2021, vieram alertando quanto a configuração de um quadro de aumento nas taxas de desocupação, queda acentuada da participação das rendas do trabalho no conjunto da renda nacional, piora generalizada nas condições socioeconômicas, queda da participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto e retração de investimentos. Todos estes fatores sob a égide e patrocínio de políticas governamentais direcionadas para a contínua retração de todos os gastos públicos, exceto, evidentemente, daqueles com a dívida pública.

Perante a gravidade do contexto em que nos encontramos, o Grupo de Análise dos Impactos da Crise propõe:

1) Extinção do teto de gastos e de todas as medidas correlatas;

2) Medidas imediatas de combate à fome e a pobreza, com a adoção de programas de injeção de renda a todos que hoje se situam em condições de forte insegurança alimentar;

3) Revogação da reforma trabalhista e ágil reformulação da legislação respectiva;

4) Reforma tributária com maior incidência sobre os rendimentos do capital, fim das desonerações e das isenções sobre exportações de produtos agrícolas e das atividades extrativas;

5) Correção dos mecanismos que acarretam a indexação de preços ao dólar norte-americano, em particular os preços de combustíveis. Reerguimento da Petrobras e de seu papel na matriz energética;

6) Implementação de estímulos a oferta interna de alimentos, mediante linhas de crédito direcionadas a pequenos e médios produtores agrícolas, formação de estoques reguladores e garantia de compras governamentais em diferentes esferas do poder público;

7) Recomposição das condições da infraestrutura nacional, mediante um conjunto de obras públicas, em particular aqueles referentes a saneamento;

8) Construção de uma política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico e de retomada da produção industrial interna, com foco em prioridades concernentes à saúde da população e à constituição de oferta interna de itens essenciais a políticas de saneamento e habitação popular. Sem a recomposição dos sistemas de desenvolvimento tecnológico e das estruturas industriais, a geração de empregos de melhor remuneração se faz fortemente dificultada, e o combate às desigualdades não terá como avançar significativamente;

9) Utilização dos bancos públicos para linhas de crédito adequadas ao reerguimento de micro, pequenas e médias empresas. Em uma economia de livre mercado cada instituição financeira pode arbitrar seus níveis de spread e as taxas de juros que quiser cobrar. O sistema financeiro público é que não pode se alinhar a taxas que inviabilizam o giro das empresas brasileiras. Taxas de 383% cobradas em cartões de crédito, por exemplo, são absolutamente inaceitáveis para as necessidades de normalização da economia nacional;

10) Todas essas medidas, perfazendo missões essenciais para a ação governamental, demandam coesão política e ordenamento institucional para o caráter convergente das ações. A recomposição de instancias governamentais que contribuam para o atingimento dessas convergências é, portanto, fortemente necessária.

Estas são as linhas centrais quanto às políticas públicas que deverão ser adotadas para que o Brasil supere a desastrosa situação em que nos encontramos e que a luz do sol se faça presente e ilumine e abrilhante uma retomada do bem estar da população brasileira.

Janeiro de 2022

Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Equipe Técnica: Nelson Le Cocq (coordenação), Adhemar Mineiro (RJ), Adroaldo Quintela

(DF), Larissa Chermont (PA), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva (BA), Eron José Maranho (PR).

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