O Ano de 2023 Foi Melhor que o Esperado. E o que Esperar de 2024?

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No início de 2023, após o tumultuado ano eleitoral de 2022, o governo aproveitou a brecha fiscal concedida pela PEC da Transição para pôr em prática medidas que auxiliaram na recuperação parcial da economia, mas cujo alcance deve se esgotar em 2023, dadas as limitações impostas pelo Novo Arcabouço Fiscal (NAF).

Ademais, passados quase um ano, ainda persistem demandas sociais que precisam da atenção do governo federal, sob pena deste ficar à mercê das pressões do mercado financeiro e de segmentos políticos que não lhe darão trégua.

Todavia, e a despeito das previsões catastróficas do início de 2023, ao longo do ano as variáveis macroeconômicas tiveram um comportamento melhor que o esperado, como exposto a seguir.

Em relação ao PIB, ele fechou, até o 3º trimestre de 2023 acumulando uma alta de 3,2%. Embora o desempenho do último trimestre (julho, agosto, setembro) tenha sido de apenas 0,1%, o que para os “analistas” do mercado financeiro é indicativo de que a “bolha” de crescimento já estourou, é preciso se ter em conta que é no último trimestre que os segmentos do comércio e serviços apresentam seus melhores resultados. Por esta razão, é perfeitamente possível que o PIB feche 2023 com um crescimento de 3,5%, o que coloca o País acima da média de 0,6% de um grupo de 36 países pesquisados pela OCDE. Para além dessa real possibilidade estatística, o desempenho da economia põe por terra os “prognósticos” elaborados pelos críticos, quase sempre acompanhados por analistas da grande imprensa, de que, sob o atual governo, a economia entraria em recessão, sob o argumento de que os “fundamentos” econômicos seriam negligenciados e, em decorrência, os analistas mais “otimistas” projetavam para 2023 um crescimento do PIB de apenas 0,6%. 

O PIB cresceu, embora esse crescimento tenha sido puxado pelo Consumo das Famílias ao longo dos três primeiros trimestres, uma vez que o PIB, no que toca à Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) teve uma trajetória inversa, o que é preocupante. Esta taxa, segundo dados recentes do IBGE, vem decaindo nos últimos anos e estava, em setembro de 2023, 21,6% abaixo do ponto máximo da série ocorrido no mesmo período em 2013. O indicador mensal desta série mostra que a queda foi 9,1% em setembro passado em comparação ao mesmo mês do ano anterior e de 6,8% no trimestre móvel encerrado no mesmo período. Nos últimos nove meses da série o indicador foi de -2,5%. O desempenho da FBCF compromete a perspectiva de um crescimento sustentável da economia brasileira pois para a grande maioria dos investimentos, seus retornos ocorrem a médio e longo prazos.

Por outro lado, apesar do ceticismo dos analistas do mercado financeiro, a Bolsa atingiu seu maior patamar, com o Ibovespa chegando a mais de 133 mil pontos, ao mesmo tempo em que o dólar desceu ao seu menor valor em anos, sendo negociado a R$ 4,86. Por fim, se o governo conseguir executar as propostas do PAC e trazer a colaboração do setor privado, pode-se admitir, ainda que de forma cautelosa, que o PIB de 2024 poderá crescer mais consistentemente em relação aos últimos anos.

No que respeita à inflação, o acumulado do IPCA entre janeiro/novembro de 2023 é de 4,04%. No mesmo período de 2022 o acumulado estava em 5,14%, ou seja, uma queda 1,10%. No acumulado de 12 meses, enquanto em novembro/2022 era de 4,82%, em novembro/2023 atingiu 4,68%, representando uma queda de 0,14%. Caso as previsões para dezembro de 2023, que indicam estabilidade de preços, se concretizarem, após anos de estouro da meta, a inflação poderá chegar em 2023 dentro do teto, em torno de 4,5%, o que é algo a ser comemorado, haja vista as previsões catastróficas que indicavam um total descontrole dos preços, face a uma política econômica supostamente irresponsável. 

Quanto à taxa de juros, há anos que a política monetarista dominante no país, mesmo em governos de centro-esquerda, tem sido utilizada para desestimular o consumo, sob o argumento de que sem uma taxa de juros alta, haverá o descontrole da inflação. Essa foi a justificativa do Banco Central para manter a taxa Selic, na maior parte do ano de 2023, na casa de escandalosos 13,75%. Diante de uma inflação crescente, como a verificada no exercício passado, poderia haver defesa dessa posição. Contudo, após o novo governo ter assumido o comando do País, e diante da queda visível da inflação, a manutenção da taxa Selic naquele patamar beirava uma postura mais política do que técnica. De toda forma, mesmo com as críticas feitas pelo governo, no que foi acompanhado por setores produtivos, a taxa se manteve em 13,75% a.a. Somente na reunião do Copom de 20.09.2023 se verificou a primeira queda, com a taxa sendo reduzida para 12,75%, com nova redução em 01.11.2023 para 12,25% e, fechando 2023, com 11,75% (reunião do Copom de 13.12.2023). Este cenário aponta para uma tendência de queda em 2024. Isso se deve, entre outras variáveis, à queda da inflação no Brasil, à inflação fraca na China e à manutenção dos juros americanos e na zona do euro, com leve tendência de queda.

Portanto, diante de uma expectativa de inflação que deve ficar entre 4,50 e 4,70%%, não há argumentos que justifiquem uma taxa Selic nesse patamar. Ao contrário, o crédito continua caro e, isso deve limitar o consumo das famílias, os investimentos privados não decolam, pois há um alto risco em investir tendo que tomar empréstimo a uma taxa dessa magnitude, valendo mais a pena colocar os recursos em aplicações financeiras. Somente o mercado financeiro, que empresta ao governo, rolando a dívida pública, se beneficia desse processo perverso. É preciso continuar pressionando por uma taxa Selic mais compatível com a inflação presente, sob pena de que o necessário crescimento econômico não saia do papel.

Gasto público pode ser conceitualmente definido como despesas do governo que incluem todos os pagamentos de consumo, os investimentos, os pagamentos referentes à dívida pública e as transferências aos entes subnacionais (estados e municípios). Com a promulgação da Lei Complementar nº 200/2023, que institui o regime fiscal sustentável, o teto de gastos previsto na Emenda Constitucional nº 95/2016 foi revogado. Os limites individualizados para as despesas primárias e demais operações que afetam o resultado primário, bem como suas respectivas exceções, conforme definido no art. 12 da LC nº 200/2023, são exatamente os mesmos que aqueles vigentes para o teto de gastos antes da promulgação da referida LC.

Aqui importa destacar que, não obstante as regras de contabilidade pública acima descritas, o governo precisou efetuar gastos emergenciais para tentar amenizar, ainda que parcialmente, a calamitosa crise social (fome, desemprego e desmonte do “colchão social” estabelecido nos governos passados do PT) que assolava parcela expressiva da população brasileira. Mesmo com esses gastos emergenciais e contrariando as expectativas mais conservadoras, houve uma melhor eficiência do gasto público, demonstrado nos números acima, o que cria um ambiente mais favorável para o gasto público em programas sociais, imprescindíveis enquanto a economia não volta crescer como seria desejável. Portanto, o gasto público em 2024 tende ao crescimento, especialmente para atender as carências vivenciadas por grande parte da população, através dos vários programas assistenciais, em especial o Bolsa Família, se crescer a arrecadação, dados os limites previstos no Novo Arcabouço Fiscal – NAF.

Em relação ao investimento público que, conceitualmente, é a aplicação de capital, na expectativa de recolher benefícios no futuro, em se tratando de Brasil toma caráter imediatista porquanto, diante do insuficiente crescimento da economia, se o Estado, diante dos constrangimentos impostos pelo NAF não tiver condições de investir em infraestrutura (redes de transporte, geração de energia, abastecimento de água e saneamento), assim como em saúde e educação, a retomada do crescimento econômico se tornará muito mais difícil. Nesse sentido, o novo PAC adquire relevância. Contudo, é preciso definir melhor quais os investimentos públicos que serão realizados e as fontes de custeio desses investimentos, ações sine qua non para estimular a participação do setor privado nesse programa. Tal qual desenhado neste momento, e com os limites ao investimento público, o PAC fica extremamente dependente dos “humores” privados que, como sabemos, em geral dependem de sinalizações positivas do ponto de vista do gasto e do financiamento públicos.

As políticas de transferência de renda adotadas pelo governo, a valorização do salário mínimo e demais programas sociais, tais como Desenrola Brasil, quitação dos débitos do Minha Casa Minha Vida, devem permitir uma folga nos orçamentos familiares e, por certo, irá impulsionar as vendas. Mas é preciso ter um olhar cauteloso sobre o movimento inflacionário, porque o Brasil fecha o ano com alta nos alimentos e, além do componente climático, existe a variável especulação dos atravessadores, objetivando se apropriar da renda disponível das classes sociais de menor poder aquisitivo. O governo tem no PAC sua “válvula de escape” para fazer investimentos em obras como saneamento que demandará mão de obra e economizará em gastos futuros com a saúde. O PAC deve buscar a fusão entre Investimento Público e Privado para que possam contribuir para Formação Bruta de Capital Fixo, que não tem crescido como seria desejável. Para tanto, será importante o desempenho da arrecadação tributária, agora sob nova roupagem, e da aceleração na política monetária de redução da taxa de juros, mas que ainda não permitirá “voos” mais alvissareiros.

No que tange à dívida pública, há um longo e nada desinteressado debate sobre a necessidade do governo “zerar” a dívida pública. Essa necessidade atende aos interesses dos setores rentistas, uma vez que quando defendem o equilíbrio absoluto entre arrecadação e despesas, a parcela do orçamento destinada ao pagamento do serviço da dívida fica excluída desse debate. Os rentistas do mercado financeiro não têm interesse em “zerar” a dívida, querem é garantir que o Estado Nacional os remunere, pela taxa contratada, o custo de rolagem dessa dívida. Ao privilegiar esse pagamento, tendo em vista a finitude do orçamento, o governo fica privado dos recursos necessários para programas sociais, num violento processo de transferência de rendas.

Como o atendimento às carências básicas da população não se enquadra entre as preocupações do “mercado”, somente uma intensa e resiliente movimentação das forças progressistas pode alterar esse cenário. O primeiro passo, ao que tudo indica, foi o posicionamento do presidente da República, quando se manifestou no sentido de que a busca pelo déficit zero não deve se opor à necessidade de propiciar condições de vida mais dignas à população. Assim, ao admitir que o déficit pode chegar a 0,5% do PIB, o presidente está claramente se posicionando a favor das demandas sociais, sem implicar em irresponsabilidade fiscal. A busca pelo déficit zero deve ser encarada apenas como uma meta, que não pode se sobrepor à necessidade de atender as enormes carências de grande parte da população brasileira, inclusive a carência do crescimento econômico e da geração de emprego e renda.

Isto posto, cabe detalhar, ainda que simplificadamente, o perfil da dívida pública. Nesse momento, ela representa 74,36% do PIB, equivalendo a 7,8 trilhões de reais. Ao longo de 2023 seu crescimento foi da ordem de 1,5%. Portanto, mesmo que a referida meta não seja atingida, é nítida a preocupação com o crescimento da dívida por parte do governo, ao mesmo tempo em que mostra uma austeridade que não se viu em governos anteriores. De outro lado, crescendo menos a dívida do que o esperado crescimento do PIB, cairá a relação dívida/PIB, um indicador sempre usado para a sinalização do perigo do sobre-endividamento.

Por fim, dentre as variáveis macroeconômicas que nos propusemos analisar, a taxa de desemprego adquire especial relevância. Segundo dados do IBGE, no terceiro trimestre de 2023, o país tinha 1,8 milhão de pessoas que estavam procurando trabalho por dois anos ou mais. É o patamar mais baixo para o período desde 2015 (1,6 milhão de pessoas). Em relação ao terceiro trimestre do ano passado, houve uma queda de 28,2%. Neste mesmo período, a taxa de desemprego no Brasil ficou em 7,7%, segundo os dados da Pnad Contínua divulgados pelo IBGE. Esse indicador representa um recuo de 0,3 ponto percentual em relação ao 2º trimestre do ano (8%) e queda de 1,0 ponto percentual ante o mesmo período de 2022 (8,7%).

Paralelamente, observou-se um aumento do número de pessoas ocupadas no mercado de trabalho brasileiro que, no terceiro trimestre de 2023, atingiu o pico de 99,8 milhões de pessoa. Esta dinâmica do mercado resultou em um aumento da massa salarial, que chegou a R$ 296,1 bilhões, com tendência de que esse volume seja superado no último trimestre do ano. Mantidas as tendências observadas em 2023, é possível prever para 2024 uma melhora nos indicadores do mercado de trabalho brasileiro. O quadro econômico atual, longe de ser motivo de euforia, revela uma preocupação com o conjunto da população que não se verificava no governo anterior. Por outro lado, as teorias catastróficas que foram lançadas a partir do resultado do segundo turno das eleições presidenciais, foram substituídas por números bastante aceitáveis, haja vista o caos em que as contas públicas se encontravam no final do governo anterior. Contudo, há um longo, tortuoso e difícil caminho a ser trilhado para que o País chegue, ao final do atual governo, em condições muito melhores do que aquelas verificadas até 2022. Isso passa pela retomada do crescimento de forma sustentável, pela superação dos limites impostos pelo NAF, pelo deslanchar do PAC, e pelo financiamento, via BNDES, de atividades produtivas novas ou ampliação das existentes, jamais para financiamento de grupos econômicos que disputam empresas públicas em vias de privatização.


Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Equipe Técnica: Adhemar Mineiro (Coordenação), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva, Eron José Maranho, Jaderson Goulart Junior, José Moraes Neto e Juarez Varallo Pont.

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