E os efeitos sobre o Brasil?

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Por Adhemar S. Mineiro

A vida para o Brasil em 2022 já não era tranquila. Ao lado de um processo eleitoral absolutamente decisivo para o futuro do país, vínhamos acumulando uma série de problemas. Para ficar só na economia, vale destacar o quadro do final de 2021, com queda no investimento, inflação se acelerando, desvalorização do real (realimentando a inflação), problemas na safra agrícola por vários motivos (o principal deles tendo relação com os extremos climáticos de falta de chuvas e excesso de chuvas, sempre na época em que não deveriam estar acontecendo com a intensidade que aconteceram), desemprego em alta e renda em queda.

O quadro internacional também não era dos mais tranquilos. Os excessos das políticas dos países capitalistas hegemônicos, EUA à frente, de expansão quantitativa, haviam levado à sanção das demandas dos adictos da liquidez no sistema, inflando uma bolha especulativa. Quando se começou a discutir sobre o aumento das taxas básicas de juros nos EUA, como reação a um aumento acentuado da inflação nesse país, o sinal de alarme ligou: qual seria a reação dos adictos, grandes agentes financeiros, à abstinência da liquidez, dada sua dependência? Isso tinha obviamente relação com as possibilidades de estouro da bolha financeira nos mercados. Outro ponto importante aqui é a própria questão da inflação mundial, já acelerada a partir do momento em que começou a recuperação econômica que se seguiu à pandemia da Covid-19. Finalmente, relacionadas com a inflação e a pandemia, foram aparecendo desconexões nas cadeias globais de suprimentos a partir também da própria recuperação, impedindo um crescimento mais uniforme da produção dos diversos setores econômicos.

A crise ucraniana e a guerra na Ucrânia acirram esse quadro, já longe do que se poderia rotular como confortável. Com a invasão russa, disparam alguns preços internacionais (desde petróleo e gás, passando por alguns produtos específicos como gás neon, até commodities agrícolas como trigo e milho), contribuindo ainda mais para o aumento da inflação em vários países do mundo, inflação esta que já era um problema.

A crise ucraniana, e em especial as sanções adotadas pelos países da OCDE contra a Rússia, em especial os EUA, levam a dúvidas e turbulências no sistema financeiro internacional. A principal destas se refere à utilização como instrumento de sanção do sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), um sistema internacional de operações interbancárias, com sede formal na Bélgica, que permite a efetivação de transações financeiras internacionais entre mais de 10 mil bancos em todo o mundo. Com as sanções dos EUA, importantes bancos russos foram banidos do sistema, passando a não poder se comunicar com o restante dos bancos e, portanto, estão impedidos de operar transações financeiras internacionais. Muitos analistas, inclusive com visões liberais, condenaram a medida, que cria uma desconfiança em relação a um sistema que deveria ser técnico, e amplia o desejo de alguns países (como a China) de criar um sistema alternativo, o que poderia restringir a importância do SWIFT.

De todo modo, por trás do debate sobre esse instrumento está um debate mais fundo sobre o próprio padrão-dólar, estruturado a partir do final da Segunda Guerra Mundial, e sobre a hegemonia financeira dos EUA. Finalmente, muitos analistas passam a citar mudanças importantes na geopolítica internacional, com um reposicionamento dos países em torno da disputa hegemônica cada vez mais explícita entre EUA e China, um significativo movimento de “placas tectônicas” da geopolítica internacional, processo acelerado com a guerra na Ucrânia. Esse processo, somado a um movimento que alguns analistas desde o acirramento da pandemia vinham chamando de “desglobalização”, deve afetar não apenas as grandes parcerias no comércio internacional, mas trazer instabilidade e mudanças às cadeias globais de produção até aqui estabelecidas.

Qualquer que seja o desfecho da invasão russa e da guerra na Ucrânia, esses acontecimentos catalisaram um processo internacional que estava em curso, mas que poderia ser mais lento e matizado. O jogo de xadrez em vários tabuleiros simultâneos que estava em curso virou um conflito aberto de consequências no curto, médio e longo prazo que serão discutidas por muito tempo a partir daqui.

Para o Brasil, vamos ainda ver vários efeitos, e ter muita discussão sobre como esses eventos impactam o país. Mas de cara temos ao menos três impactos a serem considerados. O primeiro é a subida dos preços das commodities verificada até aqui. Se, de um lado, enriquece alguns setores produtivos no país, de outro coloca combustível na fogueira da inflação, que já estava em patamares elevados para o período recente no país. A ruptura das cadeias globais de produção poderá também significar, dependendo de como avance, desabastecimento de produtos manufaturados no país, e dificuldades com financiamentos nas operações de comércio exterior. O que está acontecendo deve exigir também definições políticas importantes por aqui, diante de um cenário internacional que se redesenha, acirrando os debates em um ano eleitoral que já prometia ser especialmente empolgante. Mas, também, as grandes modificações no cenário internacional abrem um espaço mais pragmático para a discussão de novas políticas de industrialização, com o objetivo de garantir o abastecimento/suprimento do mercado nacional, e dentro deste escopo de possibilidades, a retomada da discussão da integração regional latino-americana.

Temos muitos riscos associados a esse novo cenário internacional, inclusive o da guerra deixar de ser localizada e fugir ao controle dos principais atores. No entanto, e é importante perceber e debater isso, podem surgir algumas possibilidades para a implementação de novas estratégias de desenvolvimento.

***

Publicado originalmente por Terapia Política

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

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