Política de Trabalho, Emprego e Renda numa democracia sob ataque

ABED
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Tiago Oliveira
Clovis Roberto Scherer

O processo de ataques à democracia iniciado com o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff foi acompanhado de uma radical mudança no sentido e nos objetivos da política pública de trabalho, emprego e renda (PPTER) do governo federal. No lugar de uma política que tentava acomodar os interesses conflitantes de empregadores e trabalhadores e que buscava assegurar um certo nível de proteção social, colocou-se outra, orientada exclusivamente pelo interesse empresarial e visando remover direitos e dispositivos legais que limitavam a mercantilização do trabalho.

O grupo que tomou o poder com o impeachment de Dilma Rousseff adotou as teses da segurança jurídica e da primazia do negociado sobre o legislado, defendidas pelos empresários, e impôs a reforma trabalhista que retirou direitos, flexibilizou as normas do trabalho, criou e estimulou contratos de trabalho precários, deu primazia à “negociação” individual, estrangulou os sindicatos, dificultou o acesso à Justiça do Trabalho e liberou a terceirização ilimitada. Enquanto isso, a aprovação do Teto de Gastos tolheu os recursos financeiros para qualificação, intermediação de mão de obra e fomento à geração de empregos.

Essas reformas não foram implementadas com o necessário diálogo e negociação, mas sim com repressão às manifestações populares, intensa propaganda midiática, rolo compressor da maioria de direita e toma-lá-dá-cá de emendas no Congresso, concessão de benesses a grupos de interesse e colaboração de parte do judiciário. O governo da extrema direita deu continuidade a esses projetos, com a extinção do Ministério do Trabalho, a reforma da previdência e a proposição do contrato de trabalho verde e amarelo, ainda não implementado.

Mas as medidas não surtiram os efeitos prometidos no crescimento econômico, no investimento privado, na geração de emprego, na redução da informalidade e nem mesmo nas contas públicas. Esse período deixa como legados um mercado de trabalho precarizado, desemprego elevado, pobreza e desigualdades regionais, de gênero e raça acentuadas.

Com o evidente fracasso dessa estratégia, a resistência da sociedade acabou levando à rejeição de diversos pontos da proposta de reforma da previdência e das MPs da carteira de trabalho verde e amarela, bem como ao abandono de uma nova rodada de reforma trabalhista. E, diante da pandemia, a sociedade exigiu ações concretas de proteção da renda e dos empregos, o que levou à criação do Benefício Emergencial e do Auxílio Emergencial. A reação da sociedade e de algumas instituições conseguiu conter a supressão dos direitos do trabalho e preservar uma base para a retomada do caminho em direção do trabalho digno para todos. Em relação às PPTER, continuam existindo a rede SINE em sistema de convênio fundo a fundo, o FAT e o FGTS, a CLT e a inspeção do trabalho, entre outros.

Mas, uma série de questões complexas continuam em aberto e a próxima eleição irá definir o futuro das PPTER em uma disputa entre o projeto neoliberal que dá primazia do capital frente ao trabalho e uma alternativa de resgate de um modelo de bem-estar social e de superação das desigualdades.

É fácil pensar no que virá se o atual presidente for reeleito. Mas, a candidatura democrática e progressista, caso vença, enfrentará dilemas e desafios enormes na área do trabalho e emprego que vão além do crescimento econômico com geração de empregos de qualidade para todos. As restrições fiscais, por exemplo, impedem os investimentos em qualificação profissional, enquanto os recursos para o Sistema S são aplicados conforme interesses exclusivamente empresariais. Essas restrições recaem sobre as políticas ativas, em especial as ações de fomento econômico. A intermediação de mão de obra, por sua vez, é limitada e a incapacidade de expandir os serviços abre espaço para propostas de sua privatização.

No próximo período de governo estarão na pauta ao menos cinco temas complexos na área do trabalho. Primeiro, a reforma trabalhista que deverá sofrer uma revisão, cuja extensão dependerá em grande medida da composição de forças no congresso e da capacidade de pressão da sociedade. Segundo, relacionado ao anterior, será preciso definir uma forma de financiamento sindical que possibilite aos trabalhadores manterem suas organizações representativas. Terceiro, a sociedade espera uma reforma tributária que seja justa com a renda do trabalho e estimule o emprego, além de financiar as políticas públicas e seus fundos (ex. o FAT e o FGTS). Quarto, há espaço para aperfeiçoar a integração das instituições e políticas de proteção do trabalho que incluem o abono salarial, o seguro desemprego, a multa rescisória e o Fundo de Garantia, bem como para melhorar a articulação federativa na execução dos programas. Quinto, é necessário adequar a regulação do trabalho e a proteção social às mudanças tecnológicas, abrangendo o trabalho em plataforma, o teletrabalho, o trabalho em casa, entre outras. Apenas com um alto grau de democracia, participação e capacidade de negociação é que se poderá dar a estas questões respostas que incorporem os legítimos interesses presentes na sociedade. 

Tiago Oliveira – Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e pesquisador do CIDEEFF (Centro de Investigação em Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal). Entre 2019 e 2021 foi pesquisador de pós-doutorado no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

Clovis Roberto Scherer – Economista, mestre em Estudos do Desenvolvimento pelo International Institute of Social Studies (Holanda), e pesquisador do DIEESE.

“Os autores agradecem a colaboração dos membros da ABED-DF”

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