Cuidados no Brasil: Conquistas, legislação e políticas públicas

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por Hildete Pereira de Melo e Lucilene Morandi

A análise sobre os cuidados no Brasil é o tema central deste estudo, num esforço de tirar da invisibilidade o trabalho das pessoas que prestam e recebem cuidados, listar e destacar as políticas públicas –ou a falta delas– além de pontuar a necessidade de atuação do Estado, onde este não está presente.

As políticas públicas sobre cuidados têm impacto maior sobre as mulheres, que são as principais responsáveis pelos cuidados, seja na forma remunerada ou não. As tarefas de cuidados fazem parte da existência humana e como tal são dever e direito de todas as pessoas. É imprescindível propiciar o melhor cuidado a quem necessita, com um custo socialmente mais justo distribuído entre família, Estado e sociedade.

Apresentação

Em 2020 vivemos uma crise sanitária sem precedentes, que rapidamente espalhou-se por todos os continentes, com efeitos severos sobre a economia e o mercado de trabalho. A pandemia de Covid- 9 e a necessidade de isolamento social deixaram mais evidente a crescente pauperização da população mundial, produto sobretudo da adoção de políticas públicas de austeridade, de cunho neoliberal, adotadas na maioria das economias desde meados dos anos 1980. Desde então, a política econômica predominante destaca a necessidade de se buscar o equilíbrio fiscal, supondo-se que o controle da taxa de inflação pela política monetária será suficiente para gerar as condições necessárias para o crescimento e o pleno emprego. Como consequência, desde então há um paulatino, mas contínuo, desmonte do Estado no seu papel de promotor do crescimento e da melhoria do bem-estar social, próprio das políticas públicas e sociais desde o pós-II Guerra Mundial. No caso do Brasil, o maior espaço para a adoção de políticas de bem-estar social ocorreu com a aprovação do novo texto da Constituição Federal, em 1988, que garantia educação e saúde para toda a população. Apesar da Constituição, a política econômica seguiu as diretrizes defendidas em todo o mundo, tais como Estado mínimo e ajuste fiscal, que impulsionaram as reformas econômicas e as privatizações desde 1991.

Mais recentemente, as maiores transformações no sentido de maior liberalização da economia foram as reformas relativas ao trabalho e aos direitos trabalhistas, com a aprovação da Reforma Trabalhista (em julho e entrada em vigor em novembro de 2017, no governo de Michel Temer) e da Reforma da Previdência Social (em 2019, no governo de Jair Bolsonaro). Nestes tempos de pandemia, a estrutura de saúde pública nacional deixou clara a importância de o Brasil, no passado, ter aprovado e estruturado uma política universal de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), definida na Constituição Federal de 1988. Apesar de ter sofrido cortes financeiros nos últimos anos, com as chamadas políticas de austeridade, ele segue sendo uma parte de fundamental importância da estrutura de saúde brasileira(1).

A análise sobre os cuidados no Brasil, apresentada neste texto e formulada em plena pandemia durante a implementação das medidas de isolamento social, revelou-se um grande desafio. Enfrentar a pandemia, tanto no plano individual como no coletivo, é cuidar das pessoas. Este é o tema central deste estudo, num esforço de tirar da invisibilidade o trabalho das pessoas que prestam e recebem cuidados, listar e destacar as políticas públicas –ou a falta delas– e analisar seus efeitos além de pontuar a necessidade de atuação do Estado, onde este não está presente. As políticas públicas sobre cuidados têm impacto maior sobre a vida das mulheres, por serem estas as principais responsáveis pelos cuidados, seja na forma não remunerada –quando realizam estas tarefas para a sua família–, seja na forma remunerada, quando prestam estes serviços para outras famílias em troca de remuneração. E este tempo que as pessoas responsáveis pelas tarefas de cuidado na família, em sua grande maioria mulheres e meninas, dedicam a essas atividades tem impacto negativo na qualidade e possibilidade de sua participação no mercado de trabalho. Com efeito, estas pessoas têm menor ou nenhuma independência econômica, realização profissional, ou renda de salário e de aposentadoria.

Esse quadro de desigualdade, que tende a se perpetrar, precisa de intervenções externas que o modifiquem. Em parte depende das necessárias mudanças culturais, por exemplo, em que a mulher deixa de ser vista como a responsável natural pelos cuidados na família. Além disso, requer a atuação através de políticas públicas para assegurar adequados serviços públicos de cuidados. É imperioso que a sociedade como um todo e todos os seus organismos percebam que as tarefas de cuidados fazem parte da existência humana e como tal são dever e direito de todas as pessoas. É imprescindível pensar caminhos que propiciem o melhor cuidado a quem necessita, com um custo socialmente mais justo distribuído entre família, Estado e sociedade (2).

1 O SUS é o único sistema público universal para mais de 100 milhões de pessoas e, segundo Angélica Fonseca, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz, é “ingênuo a gente acreditar que o enfrentamento dessa epidemia no Brasil poderia se dar fora de um sistema público, fora de um Sistema Único de Saúde como é o SUS” (Guimarães, 2020, p. 6).

2 Neste texto, devido às dificuldades com as informações sobre organizações comunitárias e trabalho voluntário nas estatísticas nacionais, optou-se por analisar o tema dos cuidados sob a ótica das políticas públicas efetivamente prescritas nas leis brasileiras.

As autoras

Hildete Pereira de Melo é Professora Associada, Faculdade de Economia, Programa de Pós- graduação em Políticas Sociais da Universidade Federal Fluminense UFF, fundadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia (NPGE).

Lucilene Morandi é Professora Associada, Faculdade de Economia, Universidade Federal Fluminense UFF, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia (NPGE).

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