O neoliberalismo, que avança sob diversas formas do centro para a periferia do mundo capitalista, não é apenas uma corrente da Economia em prol do livre mercado. Trata-se de um projeto global de pretensão hegemônica que se expande por meio da financeirização e da mercantilização dos bens e serviços essenciais para a vida humana, avançando através das fronteiras nacionais. Isso traz consigo a corrosão das bases do sistema democrático e do Estado de Bem-estar Social, juntamente com a concentração desmesurada da riqueza e da renda, o que leva ao aumento da desigualdade e da exclusão social.
A instabilidade econômica e os grandes desequilíbrios sociais e regionais do mundo contemporâneo refletem-se diretamente no ambiente político, ampliando os conflitos e configurando um cenário de disputas propício ao recrudescimento das forças da extrema-direita, à criminalização dos movimentos sociais e ao uso da força para conter ações reativas e mobilizações dos segmentos afetados.
O Brasil não está alheio a este cenário, e o ambiente político afigura-se conturbado, especialmente a partir das sucessivas crises econômicas que nos afetam desde 2008. O rejuvenescimento da democracia brasileira depois da Constituição de 1988 viu-se seriamente abalado pelo golpe branco de 2016, que derrubou o governo Dilma, pelo governo disfuncional e obscurantista que prevaleceu entre 2018 e 2022, pelo abuso de recursos privados e públicos na campanha eleitoral de 2022, carregada de fake news e discursos de ódio, culminando na tentativa frustrada de golpe em 08 de janeiro de 2023, contra o governo legitimamente eleito e recém-empossado.
Paralelamente à turbulência do ambiente econômico, ocorreram profundas transformações no cenário político-eleitoral, conforme se verifica pela composição partidária da Câmara Federal. O número de partidos com representação na Câmara passou de 15, nas eleições de 2002, para 30 nas de 2018 e 23 nas de 2022. Contudo, os 6 maiores partidos detiveram 78% das cadeiras em 2002, 48% em 2018 e 70% em 2022. Nas eleições de 2018, ocorreu uma fragmentação do eleitorado dos partidos tradicionais fora do campo da centro-direita (MDB, PSDB, DEM e PTB) em direção a outras siglas, que se agruparam no bloco parlamentar denominado ‘Centrão’.
As eleições de 2022 foram caracterizadas por forte disputa político-ideológica, com a apresentação de partidos identificados como de extrema-direita, um fato inédito no Brasil. Em decorrência, houve um esvaziamento do ‘Centrão’ em direção a partidos reconhecidamente de direita, especialmente o PL, União e PP (juntos com uma bancada de 205 deputados, 40% do total), que passaram a participar do grupo dos 6 maiores, junto com o PT, MDB e PSD.
A intensificação da polarização em 2022 tornou mais claro o quadro partidário em razão da maior explicitação da identidade programática e ideológica das legendas, tornando mais fácil para o eleitorado vislumbrar os caminhos alternativos das políticas públicas e da relação entre governo e sociedade, no que tange ao tratamento da dicotomia público-privado nas questões econômicas e sociais e, especialmente, ao conteúdo e os limites da democracia.
A ABED não poderia ficar alheia a esses fatos políticos e tem adotado, junto com outras entidades da sociedade civil, uma postura firme em defesa da democracia, dos direitos humanos e sociais, do desenvolvimento econômico-social inclusivo e sustentável, e a favor dos segmentos vítimas dos desmandos e das políticas públicas antipopulares que afetam a preservação do patrimônio público, o meio ambiente e, especialmente, as condições de vida dos trabalhadores e da população excluída e vulnerável.
As eleições municipais no Brasil ocorrerão em 6 de outubro de 2024, com segundo turno marcado para 27 de outubro. Os eleitores escolherão os prefeitos, vice-prefeitos e vereadores dos 5.568 municípios do país. Não podemos permitir que sejam uma oportunidade de enraizamento da extrema-direita na política brasileira e, para evitar que isso aconteça, é necessária uma oposição democrática, consistente e combativa. É preciso informar a população acerca das suas melhores opções. Informação é a melhor forma de evitar manipulações. O desafio adicional que se coloca é disputar um cenário eleitoral cada vez mais digital, com deepfake e memes, no qual o debate de ideias está secundarizado.
A ABED conclama as forças progressistas a se articularem no sentido de esclarecer a população para eleger candidatos que tenham compromisso com a população mais carente e com projetos de estímulo ao desenvolvimento econômico, social e ambiental; cidadãos e cidadãs que protagonizem os atores locais, seja na formulação de estratégias, na tomada de decisões ou na implementação de formas de participação democráticas.
Estamos enfrentando uma polarização que não deixa você chegar e falar sobre assuntos relacionados à política, as pessoas estão sempre na defensiva e não quer ouvir. É triste, mas tá difícil falar sobre.