O BRICS segue sua construção

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Por Adhemar S. Mineiro*

Os líderes do BRICS se reuniram no último dia 23 de agosto, na Cúpula de Joanesburgo, África do Sul. A declaração final do encontro mostra que o BRICS segue sua construção. O agrupamento, criado em 2006 ao largo de uma assembleia da ONU em 2006, e que teve a sua primeira reunião formal na Rússia em 2009, já vai para a sua 15ª. Cúpula. Com quatro países (Brasil, Rússia, Índia e China) na primeira Cúpula em 2009, o grupo cresceu para cinco países já em 2011, com o acolhimento da África do Sul. Nessa cúpula de 2023 foi decidido pelo grupo convidar mais seis países para compor o BRICS a partir de 1º de janeiro de 2024: Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, na ordem em que aparecem na declaração.

O grupo cresce e reafirma sua vocação anti-hegemônica, em um ambiente marcado pela forte polarização entre os EUA e seus parceiros mais próximos, de um lado, e a China, de outro. Assim, mesmo sem declarações formais contra os EUA, e com todas as ambiguidades possíveis, o grupo vai seguindo: a Arábia Saudita é um importante parceiro dos EUA no Oriente Médio, e agora está convidada a fazer parte do BRICS; a Índia integra o chamado QUAD (sigla para o chamado “Diálogo Quadrilateral de Segurança, composto por EUA, Japão, Austrália e Índia, aliança militar informal para a garantia do transporte marítimo nas regiões do Índico e do Pacífico, mas de fato um contrapeso ao poder naval da China na região, turbinado por projetos da chamada Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota); e o Brasil também tem longo histórico de parcerias militares com os EUA.

A declaração começa por reafirmar os princípios do BRICS e seu compromisso com o “multilateralismo inclusivo”. No bojo desse desenvolvimento de princípios, um ponto objetivo, que atende uma velha reivindicação brasileira (e indiana): o apoio do BRICS (entre os quais dois membros do Conselho de Segurança da ONU, Rússia e China) a uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. Em uma tradução livre do ponto 7 da declaração:

  • “7. Apoiamos uma reforma abrangente da ONU, incluindo o seu Conselho de Segurança, com vista a torná-lo mais democrático, representativo, eficaz e eficiente, e aumentar a representação dos países em desenvolvimento como membros do Conselho para que possa responder adequadamente aos desafios globais prevalecentes e apoiar as aspirações legítimas dos países emergentes e em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina, incluindo o Brasil, a Índia e a África do Sul, a desempenhar um papel mais importante em assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo o seu Conselho de Segurança”.

Nos pontos que vão de 11 a 25 na declaração, sob o título “Promovendo um ambiente de paz e desenvolvimento”, em uma sequência bem longa, há o tratamento de várias questões de conflito pelo mundo (aí incluída a guerra na Ucrânia), apresentando visões diferenciadas e sobre regiões diversas, mas em uma defesa genérica da paz mundial e da resolução pacífica dos conflitos. Realmente é um conjunto de parágrafos aparentemente mais viável de colocar no papel em uma declaração do que virar realidade.

Em seguida, passa-se aos pontos econômicos da discussão, tema em que o BRICS avançou muito no passado, com a constituição do Acordo Contingente de Reservas (um mecanismo solidário entre os países membros para gerenciar crises de balanço de pagamentos com as reservas dos demais países do grupo) e o Novo Banco de Desenvolvimento (o Banco do BRICS), ambos anunciados na Cúpula de Fortaleza, em 2014, quando presidia o Brasil a presidente Dilma Rousseff, que hoje preside o Banco dos BRICS. Neste ponto, o documento aborda defesas da cooperação multilateral, críticas ao endividamento, aos juros altos e às restrições ao espaço fiscal dos países, que tolhe possibilidades de ampliação do crescimento econômico, a reafirmação do papel do G20 como principal fórum multilateral para discussões econômicas e financeiras, o papel do BRICS para o desenvolvimento regional (citado o caso da África nos pontos 34 e 35) e setorial (as possiblidades da indústria são referidas no ponto 36).

Entretanto, o tema que era mais fortemente aguardado, um mecanismo para movimentação financeira internacional do BRICS (que alguns inclusive trataram de uma “moeda comum”) foi postergado, apesar do incentivo às trocas em moedas nacionais aparecer (já era incentiva em declarações anteriores doo BRICS). Esse ponto ficou claramente desenhado para a frente no ponto a seguir:

  • “45. Encarregamos os nossos Ministros das Finanças e/ou Presidentes dos Bancos Centrais, conforme apropriado, de considerar a questão das moedas locais, instrumentos e plataformas de pagamento e relatar de volta para nós na próxima Cúpula”.

Ficou para a reunião seguinte, na Rússia, no ano que vem. Nos pontos 52 a 74 da declaração, há uma reafirmação de compromissos internacionais especialmente no campo do desenvolvimento sustentável. Entretanto, vale uma olhada atenta ao ponto 70, no qual consta o seguinte trecho:

  • “70. Partilhamos uma visão comum, tomando em consideração as prioridades e circunstâncias nacionais, na utilização eficiente de todas as fontes de energia, nomeadamente: energias renováveis, incluindo biocombustíveis, energia hidroelétrica, combustíveis fósseis, energia nuclear e hidrogénio produzido com base em tecnologias e processos de zero ou baixas emissões de carbono, que são cruciais para uma transição justa para sistemas energéticos flexíveis, resilientes e sustentáveis. Reconhecemos o papel dos combustíveis fósseis no apoio à segurança energética e à transição energética”.).

E outra olhada para a composição do BRICS a partir de 1º. de janeiro de 2024, em que aos já presentes grandes produtores de petróleo Rússia e Brasil se somam Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos – quase uma OPEP nova! O BRICS passa a ser um clube de grandes produtores de petróleo, mas também de gigantescos consumidores, contando neste segundo caso com China e Índia. É preciso observar como o bloco vai se posicionar nesta questão daqui para a frente.

No final, vão falar da ampliação do grupo, aqui citada no começo. Entretanto, sobre esse ponto, além dos seis que estão convidados a entrar a partir do mês de janeiro, vale atenção ao ponto 92, que diz: “Também incumbimos os nossos Ministros de Relações Exteriores de desenvolver ainda mais o modelo de países parceiros do BRICS e uma lista de possíveis países parceiros e relatar até a próxima Cúpula”. Parece que vem mais ampliação por aí.

Publicado anteriormente no Terapia Política.

*Economista, doutorando do PPGCTIA/UFRRJ, membro da Coordenação da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia-RJ e assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos.

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