Nota Técnica – O jogo de influências no PIB em 2024

ABED
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imagem: ABED

Desde que o atual Presidente assumiu o seu terceiro mandato, a grande mídia financiada, em grande medida, pelo mercado financeiro e pelos setores rentistas (dos quais faz parte) não lhe tem dado trégua. Acusa seu governo de ser permissivo em termos de gastos, não respeitando a austeridade fiscal, propondo que faça cortes indiscriminados, para que se ajuste aos limites dados pelo arcabouço fiscal.
Não bastasse essa pressão nada desprezível, o atual governo brasileiro ainda enfrenta uma forte oposição por parte de seu próprio Banco Central, cujo presidente flerta acintosamente com políticos bolsonaristas, visando se cacifar para o Ministério da Fazenda, em um eventual governo conservador mais à frente. E não faz essa oposição apenas no campo ideológico, senão que exerce uma política monetária que impede, ou no mínimo inibe, a retomada de um crescimento econômico sustentável, ao manter a taxa Selic em 10,50% a.a., contrastando com uma inflação que vem se mantendo dentro do centro da meta, apesar da histeria das “carpideiras financeiras”, quando a taxa do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA oscila 0,01% em um mês. Esse mesmo alarmismo foi visto em 2023, quando o IPCA chegou a ser estimado em até 10%, no final acumulando no ano 4,62%, portanto dentro da meta fixada pelo próprio Banco Central, ou seja, entre 1,75% e 4,75%.
Em relação ao Produto Interno Bruto – PIB, no início de 2024, de R$ 2,714 trilhões (IBGE), as previsões mais otimistas estimavam seu crescimento em 0,5%. Ele cresceu 2,9%, em decorrência do aumento do emprego formal e da massa salarial, e dos programas do governo federal, como Bolsa Família, Bolsa Alimentação, Minha Casa Minha Vida, entre outros, que impactaram positivamente nos gastos das famílias e nos gastos do governo.
Apesar de um desempenho que frustrou as expectativas dos alarmistas mais pessimistas, ou talvez por isso mesmo, não há trégua. Fala-se, novamente, em cortes nos gastos governamentais, inclusive na Saúde e Educação (com revisão dos mínimos constitucionais), sob a justificativa de que é preciso austeridade. Mas se omite que mais de 50% das despesas governamentais estão atreladas à rolagem da dívida com juros pagos ao sistema financeiro que, por óbvio, não tem nenhum interesse na queda da taxa Selic. Também se omite que setores que exigem austeridade do governo são beneficiados com cerca de 500 bilhões em renúncias fiscais.
Não se tem a intenção de eximir o atual governo de erros de diagnósticos e, tampouco, de tomadas de decisão equivocadas, mas é nítido que por trás de aparentes “críticas técnicas”, está em curso um projeto político mirando, no curto prazo, as eleições municipais de 2024 e, no médio prazo, a própria eleição presidencial de 2026. A se confirmar essa afirmação, desgastar politicamente aquele que hoje pode bater de frente com os setores bolsonaristas, é a palavra da vez.
Voltando às perspectivas para o PIB em 2024, no curto prazo é imperativo a redução da taxa Selic. Provavelmente nenhum empresário tomará empréstimo a uma taxa de financiamento de, no mínimo, 10,5% ao ano, quando dificilmente seu negócio terá uma rentabilidade anual dessa grandeza. Ademais, taxas de juros descoladas da realidade econômica, não apenas inibem investimentos, como ampliam a dívida das famílias e das empresas, especialmente micro e pequenas, e por decorrência, reduzem sua capacidade de gasto, que foi crucial para que o PIB tenha crescido 2,9% em 2023.
Ressalte-se que apesar do discurso do “mercado”, não há pressão interna sobre a inflação, de modo que a mesma está controlada, não havendo identificação de alguma fonte que possa determinar seu crescimento – o que pode ser identificado como problema aqui, a tragédia do Rio Grande do Sul, longe de exigir ajuste, exige gasto para a reconstrução da economia e da infraestrutura. Ao contrário, o identificador mais evidente é a permanência do elevado grau de endividamento das famílias (de 78,8% em maio de 2024 conforme a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC), inibindo o consumo e a elevação dos preços.
Portanto, os riscos imputados pela grande mídia em termos de PIB e da saúde financeira do País, não são de natureza econômica, mas nitidamente política, o que se observa na falta de argumentos que deem sustentação às teses catastrofistas.
De outro lado, o que fazer para reverter esse quadro, de modo a criar um ambiente mais propício ao crescimento econômico sem afetar os programas sociais e sem reduzir verbas para a saúde e a educação?
De forma objetiva e imediata, é preciso manter os programas existentes, de modo a garantir o emprego e a ampliação da massa salarial, que resultam uma em melhoria da economia e das condições sociais no Brasil. Mas isso não basta. É imperativo a implantação de um planejamento mais consistente, que crie condições para a participação da inciativa privada, sem que isso implique na ampliação de subsídios, os quais devem entrar em processo de redução.
É igualmente necessário aumentar a eficiência da arrecadação por parte do fisco, sem que isso implique em corte de despesas necessárias e em ampliação da carga tributária. Essas medidas, em que pese a enorme dificuldade para sua implementação, implicariam em maior disponibilidade de recursos governamentais para investimentos em infraestrutura, impactando positivamente no mercado interno.
Ainda, é preciso estar atento às pressões externas, em especial à desvalorização da taxa de câmbio, que pode gerar aumento dos preços de produtos importados, inibindo o consumo e, por decorrência, afetando negativamente o crescimento do PIB. A pressão que provoca a desvalorização do Real, decorre de política de juros elevados pelo governo dos EUA. Não é mantendo ou elevando as altas taxa de juros internas no Brasil que se habilitará o País a enfrentar a valorização do dólar. Ocorrerá uma pressão inflacionária e a manutenção ou um aumento da transferência de recursos do Tesouro Nacional para o mercado financeiro especulativo, garantindo sua esperada rentabilidade.
Em que pese a persistências das guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia, não há indícios evidentes de que o mercado global de suprimentos e commodities está em crise, o que indica que suas economias não estão sendo afetadas de forma significativa. Essa é outra falácia adotada pelo presidente do Banco Central para justificar a manutenção da taxa Selic em absurdos 10,5%.
Em conclusão, o que se verifica no Brasil é que a inflação não é de demanda, mas de oferta, fortemente impactada por uma taxa de juros que inibe a produção e, em subsídios a setores que, se justificados na sua fase inicial de implantação, hoje em dia não mais são aceitáveis. Melhor seria que essa fantástica massa de recursos, fosse aplicada em políticas de desenvolvimento para que o PIB em 2024 não se transforme em mais um “voo de galinha”, como se viu tantas vezes.

Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Equipe Técnica: Adhemar Mineiro (Coordenação), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva, Eron José Maranho, Jaderson Goulart Junior, José Moraes Neto e Juarez Varallo Pont.

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