A prioridade do combate à fome e à insegurança alimentar

ABED
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Um dos grandes desafios do novo governo brasileiro é combater a fome e a insegurança alimentar que grassam nos grotões do país. Para isso, necessário se faz implementar ações de curto prazo para combater os efeitos danosos dessa insegurança na população brasileira, em especial aquela de menor poder aquisitivo, ou ainda pior, aquela sem renda. Conforme o estudoMapa da Nova Pobreza” desenvolvido pelo FGV Social, em 2021 o número de pobres no Brasil atingiu o seu recorde de 29,6% do total da sua população.

Entretanto não se pode perder de vista o planejamento e execução de medidas de médio e longo prazo, que possibilitem ampliar a capacidade de produção de alimentos saudáveis, livre de agrotóxicos (e seus gravíssimos danos ecológicos e socioambientais, inclusive com a destruição da fauna).

O Brasil precisa criar oportunidades de trabalho, de emprego e geração de renda familiar, associativa e/ou cooperativa. Neste sentido, se faz mister a retomada dos investimentos em infraestrutura e em habitação; a reindustrialização nacional em bases ecotecnológicas e socioambientais inovadoras; a reforma agrária e o estímulo à economia solidária, à economia criativa e à eco economia verde inclusiva e circular, baseada na conservação, na restauração e na utilização socio ambientalmente sustentável da nossa biodiversidade.

Retomar a centralidade do enfrentamento e superação da fome e da pobreza passa, primeiramente, pelo debate amplo e irrestrito sobre as propostas advindas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), bem como pelo reavivamento e fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).

Também se faz necessário ampliar a participação popular, com a inserção dos protagonistas da sociedade civil no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), assim como fortalecer a assistência técnica socioambiental.  É preciso se ter a compreensão de que água é o bem natural que se pode captar e armazenar, em um poço ou cisterna, garantindo o direito de as pessoas poderem usá-la de diversas formas para a família. Também a água de chuvas, que pode ser captada e armazenada em uma cisterna de produção, pode servir para cultivar frutas, verduras, plantas medicinais, um pouco de forragem, e outros; ou para dessedentar aves, suínos e até cabras leiteira, como também para se tomar banho, lavar os utensílios da cozinha e até algumas roupas, passa a ser um bem de utilização, para fins produtivos, portanto, sendo um Recurso Hídrico.

Não se compreende como um país que produz alimentos de qualidade e quantitativamente capaz de alimentar toda sua população, exponha milhões de habitantes à fome e à insegurança alimentar. Se torna imperativo que se reconstruam e se fortaleçam as instituições que tem a responsabilidade de viabilizar ações de inclusão e diversificação socioprodutiva – familiar e coletiva – no campo, nas florestas, nas águas e nas cidades, priorizando-se as periferias urbanas e os aglomerados urbanos (como por exemplos as agrovilas de assentamentos da reforma agrária e as vilas e povoados rurais, de formações mais tradicionais), em todo o território brasileiro. Para tanto precisa-se estabelecer uma política nacional de abastecimento, que inclua a retomada dos estoques reguladores, descentralizando-os por regiões, e a ampliação de políticas de financiamento, complementadas por iniciativas de fomento e de diversificação de fundos não reembolsáveis.

Considerando que 33,1 milhões de brasileiros passam fome e 54,7% da população brasileira apresentam algum grau de insegurança alimentar e nutricional e, em muitos casos, também sofrem com a insegurança hídrica e energética renovável é necessário fortalecer a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), inclusive considerando a água como alimento, além de ser o insumo insubstituível para produção e ingrediente indispensável para a preparação da maioria dos alimentos.

O uso da água deve ser melhor regulado e fiscalizado, pois se tem indícios de uso inadequado por setores do agronegócio, fazendo com que cada vez mais tragédias hídricas ocorram em território nacional. Nunca é demais alertar para o fortalecimento da Agricultura Urbana e sua importância no abastecimento de alimentos por conta da redução de custos de transporte, contribuindo dessa forma no barateamento de frutas, hortaliças e legumes consumidos em larga escala nas cidades. Nesse momento combater a especulação imobiliária será de bom alvitre pois o uso produtivo de alimentos em áreas urbanas se impõe como redução de custos operacionais dos municípios que optem por este tipo de atividade.

Segundo o IBGE (2021) tínhamos 49 municípios nos Brasil com mais de 500 mil habitantes, equivalente a 31,9% da população (68 milhões de pessoas). Ainda é importante destacar que 326 municípios (5,8%) concentram mais de 123 milhões de habitantes (segundo o IBGE, em 2021). Nessas municipalidades, com população entre 100 mil e 500 mil, vivem 57,7%, mais da metade da população nacional, enquanto que há 3.770 municípios (67,7%), que têm menos de 20 mil, somando 31,6 milhões (14,8%) habitantes. Importante ressaltar também que nas comunidades pobres e periféricas das grandes cidades existem milhões de pessoas que foram “expulsas” de suas terras na zona rural por conta de fatores diversos tais como pressões do latifúndio e do agronegócio, inclusive com violência armada e a grilagem física e cartorial, ou por outros problemas não caracterizados como conflitos agrários, migraram do campo para as cidades, até de outras regiões, como do Norte e do Nordeste, principalmente para São Paulo e Rio de Janeiro “em busca de dias melhores”. Essas pessoas ainda mantém vivos os conhecimentos e os saberes da agricultura familiar, que bem podem ser adaptadas e aproveitadas para produção de alimentos.

Dentro desse contexto, impõe-se ampliar a construção de restaurantes populares e cozinhas comunitárias em municípios com mais de 50 mil habitantes, pelo motivo de que nestes lugares existe uma maior concentração da pobreza e da miséria. Conforme ainda os dados divulgados pelo IBGE em 2021 existiam no Brasil 680 municípios com população superior a 50 mil habitantes onde residiam 147,5 milhões de pessoas, representando pouco mais de dois terços (68,8%) do total da sua população.

Outra questão a ser debatida pela população é a tributária, em suas funções de alocação e distribuição dos recursos. Não se pode eternamente permitir incentivos fiscais tais como redução de cálculo da base tributária ao grande exportador de commodities, enquanto mais da metade dos habitantes deste país padecem de insegurança alimentar. Não se trata de eliminar as vantagens competitivas dos agroexportadores, mas viabilizar que parte dos alimentos fiquem sendo ofertados a preços acessíveis ao mercado interno, em especial o aumento da oferta de grãos, especialmente milho, no mercado interno e incentivo para retomada da produção de feijão em áreas tradicionais de plantio.

A política de crédito barato e acessível nas instituições financeiras precisa ser universais e não apenas para uso e benefício de uma parcela da sociedade que detenha o poder econômico, afinal de contas todos são produtores e precisam de condições análogas para produção de bens que garantam a perpetuidade do bom ambiente dos negócios.

Cuidar do desenvolvimento infantil tambem pode ser melhorado mediante a oferta alimentar e nutricional infantil, de adolescentes e juvenil objetivando a manutenção da frequência escolar e melhoria do rendimento e aprendizado no sistema nacional, estadual e municipal de educação pública, garantindo os nutrientes necessários durante o período letivo. O Brasil possui uma população infantil com baixa ingestão nutricional essencial para seu desenvolvimento biológico normal e, por conseguinte, o desempenho das habilidades físicas, cognitivas e intelectuais, além da redução da criatividade e sociabilidade. Do ponto de vista da disponibilidade de alimentos, é fundamental a entrega de cestas básicas e auxílios financeiros às famílias em isolamento e estudantes com escolas fechadas durante a pandemia do coronavírus. Este deve ser um dos objetivos, a partir de 2023, enquanto estratégia auxiliar no combate à fome, organizar, para além da merenda escolar, a entrega de cestas básicas (com complementação e diversificação de seus componentes alimentares, com produtos mais nutritivos e não ultra processados e inclusão de sabão em barra e álcool gel, para melhor higienização contra pandemia do COVID19), para a família dos estudantes matriculados nas escolas públicas de comunidades com alto índice de insegurança alimentar e nutricional, condicionando à frequência escolar regular e ao cumprimento do Calendário Nacional de Vacinação.

Tal ação pressupõe investimentos na melhoria da infraestrutura de pré-processamento e processamento mínimo, da logística – do transporte e armazenamento –, garantia e controle da qualidade e adequação das embalagens, da temperatura de estocagem dos perecíveis, controle rigoroso de pragas, roedores e agentes patógenos nos ambientes de estocagem e nas despensas e cozinhas. Associadamente aos cuidados e aplicação das Boas Práticas de Fabricação (BPFs), dos Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) e das Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCCs), prevenindo-se contaminações biológicas, químicas e físicas, na produção e processamentos de alimentos, vide o Programa de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (PAPPCCs) e o Programa Nacional de Controle de Patógenos (PNCP), para o controle da qualidade e higienização durante o processo de manuseio e preparação dos alimentos.

Neste ponto se torna importante, no curto prazo, que seja aumentada a quantidade e a diversidade de alimentos da Cesta Básica distribuída às famílias de baixa renda, como medida de resgate e fortalecimento do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), LEI nº 6.321/1976, Decreto nº 10.854/2021 e Portaria MTP/GM nº 672/2021, somando-se a outros recursos federais, estaduais e municipais, inclusive buscando-se também agregar gêneros alimentícios obtidos do Programa Mundial de Alimentos, com base no Marco Estratégico da FAO 2022-2031. Também é indispensável complementar a Cesta Básica, com máscaras descartáveis, álcool gel e sabão em barra.

Ressalte-se que neste desafio de combater a fome e a insegurança alimentar vivenciadas por grande parcela da população brasileira, em grande medida resultante do (des)governo que vivenciamos nos últimos seis anos, o recém empossado governo, além das inúmeras medidas técnicas de curto, médio e longo prazos a serem implementadas, também deverá ter que combater ações antidemocratas que procuram não melhorar as condições de sobrevivência da população brasileira, agravando esse quadro.

Conforme descrito, a tarefa não é simples, mas é possível. E se é possível, deve ser prioritária, e assumida politicamente pelo governo federal, níveis subnacionais e instituições governamentais e não-governamentais, pois se trata da vida da maioria da população nacional em risco.


Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Equipe Técnica: Adhemar Mineiro (Coordenação), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva, Eron José Maranho, Jaderson Goulart Junior, José Moraes Neto e Juarez Varallo Pont.

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