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A economia política no Banco Central

4 de dezembro de 2024

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imagem: Mihai Cauli

texto: Marcos de Queiroz Grillo

 

A economia política de Excelência no Banco Central do Brasil

Fiquei negativamente impactado pelo editorial de O Globo do dia 30/11/24 intitulado “Galípolo precisará resistir à pressão política sobre o BC”. O editorial afirma enfaticamente que “depois de implodir o programa de cortes, a ala política do governo quer intervir na autoridade monetária.”

Segundo o editorial, o pacote, além de populista, foi tímido, confuso e aumentou a incerteza política. Resumidamente, o eixo de argumentação é que …

  • “o desequilíbrio fiscal alimenta a inflação por duas vias. Primeiro, ao gastar mais que arrecada, o governo aumenta a circulação de dinheiro, fomentando a demanda por produtos e serviços. Ao mesmo tempo, as incertezas causadas pelo crescimento da dívida pública fazem o real perder valor, pressionando produtos dependentes do dólar. Diante da alta de preços, o BC não tem alternativa senão elevar juros. Fica mais caro para o governo tomar dinheiro emprestado no mercado. O juro alto tira o ímpeto da economia, e esse problema a ala política não quer. Daí a tentativa de fazer Galípolo ter um olhar para os interesses políticos”.

É frustrante ver um jornal da importância de O Globo propagar sandices que só mostram falta de preparo em economia política e um nefasto alinhamento com o processo de financeirização que vem há tempos subjugando o Estado brasileiro e prejudicando nossa industrialização e investimentos produtivos.

O texto deixa patente o viés ideológico neoliberal e o claro objetivo de boicote, a priori, a qualquer medida progressista que venha do presidente Lula.

É pura cegueira acreditar que o Banco Central tem que ser um órgão autônomo   eminentemente técnico. Ao contrário, o BC deve ter como guia sólidos conceitos e excelência na compreensão da economia política. Política fiscal e monetária estão umbilicalmente conectadas. O jornal se esqueceu de que é com políticas públicas que se promove o crescimento e desenvolvimento de uma sociedade? Não existe Banco Central puramente técnico, dissociado da economia política! Isso é balela!

Tudo indica que ainda não caiu a ficha para o editorialista de que a teoria quantitativa da moeda já levou seu tiro de misericórdia e foi para a lata do lixo na crise de 2008. Aumento da circulação de dinheiro não gera inflação. Fica patente que falta teoria econômica e sem teoria não se chega a lugar nenhum.

O editorial segue à risca os modismos, dogmas e obsessões do mercado financeiro em relação à dívida pública. Como se existisse um limite dívida/PIB que, uma vez ultrapassado, implicaria em caos fiscal. Isso é puro dogmatismo, da pior espécie.  Não há nada de anormal na nossa dívida pública que, inclusive, está superestimada na sua fórmula de cálculo já que ela registra, por excesso de zelo, R$ 2 trilhões de operações compromissadas do Banco Central como dívida. E isso é tudo, menos dívida pública.

O jornal passa ao largo da questão da meta de inflação. É muito importante e urgente que o Conselho Monetário Nacional reveja a dogmática meta de inflação de 3% a.a., que tem se mostrado totalmente inadequada. Será mesmo essa a meta a ser perseguida? O BC, de forma mecanicista e pretensamente técnica, aumenta desnecessariamente a taxa básica de juros para atingir uma meta irreal de inflação, sem nunca conseguir. E isso é feito, para deleite do mercado financeiro e dos rentistas, que aprisionam o orçamento público, causando significativos déficits nominais e comprometendo políticas sociais e investimentos públicos e privados. Já é da ordem de 30% o sequestro do nosso PIB pela financeirização.

A desvalorização do real frente ao dólar, que já chega neste ano ao redor dos 20%, não advém de “incertezas causadas pelo aumento da dívida pública”. Muito ao contrário, é um fenômeno que está ocorrendo em vários países do mundo em virtude das expectativas em relação às políticas protecionistas que serão adotadas pelo futuro governo Trump, que terminarão aumentando a inflação e, com ela, as taxas de juros dos EUA. Trata-se, portanto, de um movimento claramente especulativo de mercado (capital golondrina e carry trade, sempre na busca de ganhos fáceis). E tal movimento não será também político, de boicote/chantagem contra a política econômica do governo Lula?

A desvalorização do real encarece as importações e favorece as exportações. E não prejudica, nem de longe, as entradas de Investimentos Diretos Estrangeiros no país, que têm se mantido consistentemente na casa dos USD 66 bilhões anuais, equilibrando o déficit em conta corrente do Balanço de Pagamentos do país. Tanto é assim, que o Banco Central nem se deu ao trabalho de intervir no mercado de câmbio através da realização de operações de swaps cambiais (foram feitas 122 intervenções durante o governo Bolsonaro e, até o momento, apenas duas no governo Lula).

As recentes entrevistas de Mendonça de Barros ao portal de notícias Metrópoles e de Francisco Meirelles para a UOL falam dos exageros do mercado financeiro em relação às medidas de ajuste fiscal lançadas recentemente pelo governo Lula. Não há, segundo eles, num horizonte de ao menos dois anos, nenhum risco de calamidade ou “incúria fiscal” no país. Mendonça de Barros, em tom jocoso, comentou que a “Faria Lima só faz biquinho, o que é ridículo”.

Só um cego não enxerga a solidez dos indicadores econômicos do governo Lula. Ela é corroborada pela Agência Moodys que, recentemente, elevou o rating do Brasil levando-o para um nível abaixo do grau de investimento. Estamos muito próximos de alcançar o nível de investment grade que já tivemos no passado. E isso por força das expectativas favoráveis de crescimento do PIB, da queda do nível desemprego, da sólida posição de nossas reservas internacionais e da diminuição do nosso déficit primário.  O CDS (credit defaut swap) – que mede o nível de risco de um país – atingiu, em novembro/24, 157,98 pontos básicos refletindo que qualquer investidor pode segurar seus investimentos no Brasil pagando um prêmio de 1,58%. É fácil captar recursos no Japão a, digamos, 1% a.a. e investir em bonds brasileiros que remuneram, digamos, 8 % a.a. e comprar um seguro por 1,58%, auferindo ganho fácil e sem risco de 5,42% anual. Que tal?

Caso aprovado, o aperto fiscal lançado pelo governo representará uma economia da ordem de R$ 70 bilhões em 2025 e 2026, consistindo basicamente de:

  • Mudança no arcabouço fiscal com moderação do reajuste do salário mínimo e das aposentadorias (inflação + até 2,5%), sendo que dos 39 milhões de beneficiários do INSS, cerca de 26 milhões recebem o SM;
  • Estancamento da renovação automática das desonerações fiscais sempre e quando houver expectativa de déficit sem cobertura na arrecadação;
  • Aposentadoria dos militares, penduricalhos do judiciário, pente fino no BPC, dentre várias outras medidas.

Para cumprir uma promessa de campanha aprovada nas urnas, Lula anunciou isenção de IR para todos os que ganham até R$ 5 mil o que, se aprovado, valerá a partir de 1 de janeiro de 2026. Para compensar essa perda de receita tributária, anunciou a taxação de 10% sobre quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. Note-se que a isenção anunciada equivale à correção pela inflação da tabela do IR, tão prometida por Paulo Guedes e Bolsonaro e que nunca foi cumprida. Tão simples assim. Não é justo corrigir a tabela do IR pela inflação?

Então, qual a razão de tanto reboliço no mercado financeiro e na mídia dos poderosos sobre as medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo Lula, ainda dependentes de aprovação do Congresso e que só entrarão em vigor em 2026? Qual a razão do estouro da boiada? As razões são claras: motivações políticas e ideológicas. Tanto a extrema direita, o mercado financeiro e a mídia dos poderosos não querem nem ouvir falar de medidas que protejam a renda das classes sociais mais pobres pois isso significaria mais votos a favor da esquerda nas eleições de 2026. Aprovar a medida seria aceitar que o governo Lula beneficie integralmente 20 milhões de brasileiros que ganham até cinco salários mínimos e, parcialmente, 16 milhões de brasileiros que ganham até 7,5 salários mínimos. E isso sem falar dos 39 milhões de beneficiários do INSS, dentre os quais 26 milhões que recebem o salário mínimo e que continuariam tendo ganhos reais, ainda que um pouco arrefecidos.

Para finalizar, faço votos para que o futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, não ceda às pressões e chantagens da elite financeira e da mídia dos poderosos de evitar ter “um olhar para os interesses políticos”. Espero que Galípolo nunca deixe sua ideologia de lado pois quem faz isso não tem caráter, é um frouxo. Sua função, além de técnica (apesar da clara inadequação dos modelos matemáticos que você bem conhece) é, também, política pois, afinal, pelo que sei, ele foi bom aluno de Economia Política e, com esse cabedal, poderá fazer uma boa gestão em política monetária e fiscal. Todo sucesso é pouco para sua gestão. Vamos em frente, Banco Central.

 

publicação origginal:

https://terapiapolitica.com.br/a-economia-politica-no-banco-central/

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