O inusitado processo de desfragmentação da economia mundial
20 de maio de 2025
imagem: Daniel Torok - Flickr White House
texto: Maria Luiza Falcão Silva
O mundo que se descortina é: multipolar, pragmático, competitivo. Com alianças flexíveis, mas com polarizações latentes.
A desfragmentação da economia global refere-se ao processo de diminuição da integração, com as economias tendendo a se isolarem ou a se fragmentarem em blocos regionais. A diminuição da interdependência e cooperação econômica e tecnológica entre países, e a busca por novos parceiros e novos arranjos geopolíticos evolvem para uma ordem mundial cujos resultados são difíceis de antever.
Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), presidente do Brasil, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, tiveram durante a semana passada (11 a 17/05) uma agenda movimentada. Lula visitou a Rússia e a China. Trump circulou pelo Oriente Médio. Viajaram, cada um, em busca de melhor se posicionar num mundo que se desfragmenta e se reagrupa em bases novas, muitas vezes surpreendentes e inimagináveis.
A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China e à Rússia trouxe diversos resultados positivos para o Brasil, tanto no âmbito econômico quanto político e diplomático.
O Brasil procura diversificar as relações com a Rússia, explorando potencial de comércio em áreas como tecnologia, defesa, transição energética e exploração de minerais. O comércio bilateral entre os países tem crescido significativamente, com a Rússia sendo um dos principais fornecedores de fertilizantes para o Brasil.
O presidente Lula participou de eventos comemorativos, como as celebrações dos 80 anos do Dia da Vitória, que são importantes para a Rússia, demonstrando o respeito do Brasil pela história e cultura russa. A visita reforçou, também, o papel do Brasil como mediador global (em relação à guerra na Ucrânia) e consolidou a imagem do Brasil como um ator central no fortalecimento do BRICS+ – no qual China e Rússia são atores da maior importância – e defensor de uma nova ordem mundial baseada na cooperação e reorganização das relações internacionais entre vários países.
O presidente Lula chegou a Pequim, capital da China, no domingo (11/5) para a sua segunda visita oficial ao país desde que assumiu seu terceiro mandato. Foi uma visita de Estado ao presidente chinês, Xi Jinping, e participação como convidado de honra, da cúpula China-Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).
Brasil e China assinaram 20 acordos e adotaram outros 17 protocolos para fortalecer a cooperação pelos próximos 50 anos em diversas áreas, como comércio, tecnologia, agricultura, meio ambiente e infraestrutura.
Durante o fórum empresarial em Pequim, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) anunciou a captação de R$ 27 bilhões (US$ 4,8 bilhões) em investimentos chineses no Brasil.
Para o fortalecimento do comércio agrícola foram firmados acordos para ampliar as exportações brasileiras de produtos agrícolas para a China, incluindo grãos e carnes, aproveitando o espaço deixado por tarifas impostas pelos EUA Reuters . Brasil e China decidiram alinhar a Iniciativa do Cinturão e Rota chinesa (BRI, na sigla em inglês) com os objetivos de desenvolvimento brasileiro, promovendo projetos conjuntos em infraestrutura e logística. Reuters
Nesses encontros com líderes chineses e russos da segunda semana de maio, Lula defendeu uma ordem internacional mais justa e equitativa, promovendo o multilateralismo e o desenvolvimento sustentável. Foi recebido como grande estadista e importante “player” nesse novo desenho da economia global. A viagem reforçou o papel do Brasil como um mediador confiável em conflitos internacionais e como parceiro estratégico em iniciativas globais, como o BRICS+ e a BRI.
As visitas de Lula à Rússia e China acontecem em meio a um cenário de tensão internacional entre as duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e China), que tem respingado no Brasil. O protecionismo do governo MAGA de Trump, culminou com “o tarifaço” de dois de abril, afetando todo o mundo e de forma mais contundente a China. No momento, está em fase de desmoronamento pelos frequentes recuos do inusitado presidente estadunidense que se faz de ‘bobo’, mas é uma raposa-vermelha.
2.
Desde que assumiu seu segundo mandato, o presidente norte-americano, Donald Trump, fez ameaças e anunciou medidas que causaram reações negativas em diversas partes do mundo. A viagem de aproximação do ex-presidente Donald Trump com o Catar e a Arábia Saudita, na semana passada, reflete uma estratégia geopolítica e econômica, que vem acontecendo desde seu primeiro mandato, com implicações um tanto quanto controversas e inusitadas.
Em termos geopolíticos, a política externa de Trump 1.0 no Oriente Médio priorizou acintosamente o isolamento do Irã, visto como uma ameaça regional. Tanto a Arábia Saudita (principal rival do Irã) quanto o Catar (que mantém relações com o Irã e abriga a maior base militar dos EUA na região) foram aliados-chave nessa estratégia.
Entre 2017-2021 durante a “Crise do Golfo”, a Arábia Saudita e seus aliados impuseram um bloqueio ao Catar, acusando-o de apoiar grupos “extremistas” e se aproximar do Irã. Curiosamente, Trump, inicialmente apoiou o bloqueio, mas depois “atuou como mediador”, buscando preservar a cooperação militar e econômica com os dois países. À época, Trump destacou, repetidamente, os megacontratos de armas com a Arábia Saudita (como o acordo de US$ 110 bilhões em 2017) e com o Catar (US$ 12 bilhões em 2018), enfatizando a criação de empregos nos Estados Unidos (EUA). Ambos os países aumentaram investimentos em setores estratégicos norte-americanos durante o Trump 1.0, como energia e infraestrutura.
A relação próxima com a Arábia Saudita foi alvo de críticas, especialmente após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi (2018) e a guerra no Iêmen, onde a coalizão saudita foi acusada de crimes de guerra. Trump minimizou esses fatos, priorizando a aliança estratégica.
Os Acordos de Abrahão de certa forma levaram à normalização de relações entre Israel e países árabes (como Emirados Árabes e Bahrein) facilitada pelo alinhamento anti-Irã. Embora a Arábia Saudita não tenha aderido, sua aproximação com os EUA, sob Trump, ajudou a criar um ambiente favorável.
A aproximação de Donald Trump com Catar e Arábia Saudita foi funcional para seus objetivos imediatos (contenção do Irã, negócios e empregos), mas gerou debates sobre ética na política externa e riscos de longo prazo, ilustrando o dilema entre realpolitik e valores democráticos. Enquanto fortalecia laços econômicos/militares, o governo Trump deixou um vácuo em questões como direitos humanos e resolução de conflitos, afetando a imagem dos EUA. A política foi acusada de legitimar governos autoritários, sacrificando princípios democráticos em nome de interesses pragmáticos.
A semana de 11 a 15 de maio desse ano, foi surpreendente, surreal e controversa para o mundo. O presidente Donald Trump foi o centro das atenções ao realizar sua primeira viagem prolongada do segundo mandato ao Oriente Médio – Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos.
Os países escolhidos são um indicador das prioridades do presidente e mais um sinal de sua intenção de dar menos importância aos aliados tradicionais dos EUA.
Homenageado na terça-feira (12) na corte real em Riad com pompas e circunstâncias, presidiu a assinatura de uma série de acordos comerciais com a monarquia rica em petróleo. Durante um longo discurso proferido para líderes árabes, na capital saudita, Trump evitou tratar de desafios políticos arraigados da região. Mal mencionou Israel e a situação não resolvida dos palestinos, e falou sobre encontrar um novo status quo pacífico com o Irã. Trump mudou de tom em relação ao Irã . Sugeriu que poderia pôr fim ao conflito não declarado dos EUA com o Irã, que já dura 46 anos. Poucas semanas depois de ameaçar o país com “bombardeios como nunca antes vistos“, ele estendeu um ramo de oliveira aos aiatolás, observando que “Os Estados Unidos não têm inimigos permanentes”. Em jogo sustar o programa nuclear iraniano.
Ganhou os jornais do mundo com sua frase absolutista “Posso resolver qualquer coisa” na quinta-feira, no Catar, em alusão ao conflito entre a Índia e o Paquistão que assombrou o mundo também nessa semana histórica, embora a Índia tenha, veementemente, contestado essa intermediação de Trump, que ‘acalmou os ânimos’, pelo menos temporariamente.
De qualquer forma foi uma demonstração explícita da crença de Trump em sua capacidade de atuar como negociador em conflitos que passam pela guerra na Ucrânia, pelo conflito em Gaza e pela disputa dos Estados Unidos com o Irã sobre suas ambições nucleares, dentro do seu estilo já banalizado de ‘dono do mundo’, entenderam analistas da conjuntura política mundial.
O Conselho Editorial do The Washington Post, avaliou que nessa uma semana de diplomacia internacional, o presidente “fez bons progressos em relação ao Irã e à Síria e garantiu uma série de acordos comerciais e investimentos. Mas seu estilo pouco convencional não conseguiu aproximar Gaza ou a Ucrânia da paz”.
Trump anunciou que os Estados Unidos suspenderiam todas as sanções econômicas à Síria que vinham estrangulando a economia do país , dificultando a consolidação do poder do presidente interino Ahmed al-Sharaa após a deposição do ditador Bashar al-Assad em dezembro.
Trump chegou a se encontrar com Sharaa , um homem que já foi considerado um terrorista com ligações à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. Trump o chamou de “um rapaz jovem e atraente”.
A viagem de Trump ao Oriente Médio foi um momento de garantir acordos comerciais e investimentos, incluindo o compromisso do Catar de comprar 160 novos jatos Boeing, a promessa de países do Golfo de financiar data centers para inteligência artificial e a venda de chips semicondutores mais avançados para ajudar a tornar o Oriente Médio uma potência em IA.
Acenou com a paz na região à lá Trump, atacando os neoconservadores dos EUA por uma série de intervenções fracassadas no Oriente Médio. “No final, os chamados construtores de nações destruíram muito mais nações do que construíram, e os intervencionistas estavam intervindo em sociedades complexas que eles próprios nem sequer entendia”
Vozes discordantes avaliam que a viagem foi ofuscada pela oferta do governo do Catar de presentear Trump com um luxuoso Boeing 747 para usá-lo como Air Force One e sua intenção de aceitar o presente mesmo que em caráter pessoal. Seria “tolo”se não aceitasse, disse Trump.
Alertam que a semana passada revelou armadilhas e ameaças no estilo pouco ortodoxo de diplomacia de Trump — desejo por vitórias rápidas e midiáticas, impaciência com o longo e engenhoso trabalho por trás de negociações de acordos complexos, e sua preferência por relações pessoais na diplomacia.
Impaciente com o Irã, o presidente estadunidense alertou que os iranianos “sabem que precisam agir rápido ou algo ruim vai acontecer”.
Quando seu governo não conseguiu obter um avanço nas negociações para encerrar o conflito na Ucrânia — a primeira reunião entre autoridades ucranianas e russas em Istambul que fracassou em menos de duas horas — Trump, disse no Air Force One : “Nada vai acontecer até que Putin e eu nos encontremos”. Isso reverteria a política do governo Biden de não manter contato de alto nível com a Rússia e frustraria a pressão dos europeus por sanções mais severas, mas reflete a preferência de Trump por relações pessoais na diplomacia.
Nessa controversa viagem o presidente norte-americano, deliberadamente, ignorou o Estado judeu. Autoridades ligadas a Trump negociaram diretamente com o Hamas um acordo para libertar o refém israelense-americano Edan Alexander de Gaza, deixando Netanyahu à margem. Enquanto Trump viajava pelo Oriente Médio, Israel intensificava seus ataques aéreos, matando mais de 100 pessoas na quinta-feira (15). Conversaram também com os houthis no Iêmen sobre o fim dos ataques aéreos americanos em troca da suspensão dos ataques houthis contra navios no Mar Vermelho.
3.
A visita de Donald Trump ao Oriente Médio e a de Lula à China e à Rússia são movimentos que ilustram claramente o redesenho das alianças e da balança de poder geopolítica no mundo multipolar emergente. São atos simbólicos de reposicionamento estratégico. O mundo pode caminhar para uma configuração mais parecida com a da Guerra Fria, não ideologicamente, mas por zonas de influência distintas. A visita de Trump ao Oriente Médio, com possíveis promessas de segurança, pode ter como pano de fundo o bloqueio à expansão tecnológica e militar da China e da Rússia nesses países. A diplomacia de Lula busca o multilateralismo, mas enfrenta um cenário em que a cooperação global está em declínio, substituída por regionalismos e acordos bilaterais estratégicos.
O mundo que se descortina é: multipolar, pragmático, competitivo. Com alianças flexíveis, mas com polarizações latentes.
Lula joga com o xadrez da multipolaridade; Trump tenta restaurar uma ordem centrada nos EUA. O embate entre esses projetos moldará a geopolítica das próximas décadas.
publicação original:
https://jornalggn.com.br/geopolitica/a-desfragmentacao-da-economia-mundial-por-ma-luiza-falcao/


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