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MAGA: sonho de uma noite de verão?

19 de maio de 2025

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imagem: Mihai Cauli

texto: Marcos de Queiroz Grillo

   A estratégia dos EUA terá sucesso? Provavelmente em alguns pontos sim, como no aumento do fluxo de investimentos para o país. Mas os rentistas bilionários dos EUA serão atingidos negativamente. E, uma coisa é certa, o MAGA continuará sendo um sonho numa noite de verão.

  Scott Bessent, Secretário do Tesouro dos EUA, na sua apresentação no FMI deixou bem clara a estratégia de política comercial dos EUA. Fez um histórico desde as instituições fundadas por Breton Woods, o choque do dólar no governo Nixon em 1971 e esclareceu que da década dos 70 em diante, os EUA conquistaram um poder hegemônico no mundo, mesmo estando no vermelho, com permanentes déficits fiscal e comercial. Argumentou que essa situação não é mais sustentável, já que existe uma enorme desproporção entre a hegemonia do dólar e a situação real da economia dos EUA. Daí, então, a necessidade de reequilibrar o volume de dólares no mundo com o volume de produção de bens da economia americana. Nesse sentido, será necessário ocorrer uma desvalorização do dólar e o alongamento da dívida norte-americana.

  Lembremos que, em 1971, a administração Nixon desmontou o sistema monetário criado em Breton Woods. Nas décadas de ouro do pós-guerra, nos anos 50 e 60, os EUA garantiam a paridade de US$ 35 por cada onça de ouro depositada no Fort Knox, o que no fundo era um jogo de cena. Este foi um longo período de estabilidade tanto das taxas de juros como das taxas de câmbio, que eram fixas (pegging rates). Na década de 70, o dólar passou a ser a única referência, desvinculado de qualquer relação com o ouro. E tanto a Europa como o Japão tiveram de engolir essa nova imposição dos EUA e seu equilíbrio instável, tendo ocorrido uma desvalorização acentuada do dólar. Na época, também houve a imposição ao mundo pelos EUA de tarifas de importação de 10%, muito semelhante ao que está acontecendo nos dias atuais.

  Portanto, as medidas tomadas recentemente pelos EUA, chacoalhando o mundo, nada mais são do que uma tentativa de reequilibrar os Twin déficits norte-americanos que mostram que os EUA se financiam por disporem da moeda hegemônica do planeta, sem respaldo na sua economia real. Em março de 2025, o déficit fiscal atingiu a cifra de US$ 1,3 trilhão (em torno de 6% do PIB). Em 2024, o déficit comercial dos Estados Unidos — que inclui bens e serviços — totalizou US$ 918,4 bilhões (déficit de US$ 1,211 bilhão, em bens e superávit de US$ 293,3 bilhões, em serviços). Esse valor correspondia a aproximadamente 3,1% do PIB norte-americano em 2024.

  A pergunta é: como preservar a hegemonia do dólar como reserva de valor e moeda de referência internacional à luz da existência desses déficits? Aumentaram muito as preocupações sobre a sustentabilidade fiscal e a vulnerabilidade externa da economia dos EUA, especialmente em um contexto de políticas comerciais incertas e desequilíbrio comercial e fiscal. Nesse contexto, as tarifas cumprem um primeiro passo para buscar reestruturar as cadeias de comércio e suprimento, recalibrando o peso relativo do complexo industrial e militar norte-americano na economia mundial, o que precisa ser feito com a ajuda de um dólar desvalorizado. Tem-se notícia de que os capitais internacionais já começaram a ser mobilizados na direção dos EUA, incluídos aí capitais alemães, franceses, japoneses, coreanos, taiwaneses e americanos, dentre outros, que contarão com as prometidas benesses fiscais.

  Medidas de força dos EUA estão sendo adotadas em diversas frentes. A dissuasão de investimentos no exterior é uma delas. JP Morgan, Chase Manhattan e Bank of America, cumprindo instruções expressas do National Security Council (NSC) dos EUA se retiraram de uma Initial Public Offer (IPO) de US$ 5 bilhões na Bolsa de Hong Kong, de interesse da empresa chinesa CATL, produtora de baterias de lítio para veículos elétricos e armazenamento de energia. A empresa apresenta uma sólida posição no mercado e excelentes projeções de retorno, mas, segundo o NSC, poderia representar uma ameaça à segurança nacional já que suas baterias poderiam vir a ser utilizadas na frota de submarinos chinesa. Isso representou uma nova forma de interferência financeira no mercado de capitais em país estrangeiro, orientada por interesses geopolíticos dos EUA. Tais medidas prejudicam claramente os interesses econômico-financeiros legítimos das instituições americanas, misturando interesses políticos com as suas decisões de investimento. Wall Street deixa assim de operar livremente nos mercados globais, afetando o livre fluxo de capitais de risco. Hong Kong passa a ser um mercado suspeito de favorecer os interesses chineses. Foi traçada uma linha vermelha, típica de interferência da guerra fria no mercado internacional de capitais.

  A indução à repatriação de investimentos está em discussão no Senado dos EUA, onde avaliam medidas legais e fiscais de indução dos investidores americanos a repatriarem seus capitais, afetando 220 empresas chinesas consideradas tecnologicamente sensíveis e estratégicas, nas áreas de defesa, inteligência artificial, biotecnologia e telecomunicações. Trata-se de um verdadeiro controle de capitais que, segundo a Bloomberg Intelligence, se eleva a US$ 812 bilhões de investimentos em fundos de índices, fundos de pensão, capitais privados e investimentos em empresas estrangeiras (ADRs -American Depository Receipts).

  Essas discussões para indução à repatriação de investimentos estão inseridas no contexto da revisão de disposições fiscais que expiram no final de 2025, conforme estabelecido pela Lei de Cortes de Impostos e Empregos (Tax Cuts and Jobs Act – TCJA), de 2017. Se tais medidas forem aprovadas, grandes empresas americanas como Black Rock, Goldman Sachs, entre outras, teriam até 12 meses para se desfazerem de suas posições. É a política dominando as decisões empresariais de investimentos. Isso mudará a cara do mercado financeiro norte-americano em termos de liberdade de ação, confiabilidade, liquidez, etc. Se isso acontecer, ele nunca mais será o mesmo.

As reações chinesas

  Uma das primeiras foi a venda de reservas americanas. A China não fez estardalhaço, mas, horas depois do boicote ao IPO, os bancos e fundos soberanos chineses começaram a diminuir suas posições nas reservas norte-americanas. Segundo dados do TIC – Treasury Internacional Capital, no primeiro trimestre de 2025, houve uma redução de US$ 78,5 bilhões nos investimentos chineses em títulos norte-americanos, o que não acontecia desde 2016. A exposição chinesa na dívida norte-americana estava, no início de 2025, na casa de US$ 1,67 trilhão, e passou a experimentar uma queda livre em razão da decisão chinesa de diminuir sua dependência do dólar. Estão sendo priorizados ativos não denominados em dólar, como o ouro, bonds de infraestrutura emitidos pelos BRICS e dívidas denominadas em yuan. Definitivamente, a China começou a construir um ecossistema financeiro fora do dólar. Muitos recursos foram carreados para títulos soberanos do Japão, cujo volume aumentou 28% no primeiro trimestre de 2025. A gradativa diminuição das compras chinesas de dívida norte-americana, caso não seja contrabalançada por outros países, deverá impactar a taxa de juros do tesouro americano.

  Outra medida em curso é o desinvestimentos nos EUA das empresas chinesas listadas na bolsa de Nova Iorque, que já estão avaliando fechamentos de capital em virtude das incertezas que se acercam.

  O terceiro passo é o que se pode denominar florescimento de Xangai. Wall Street, gradativamente, será substituído pelo mercado de Xangai, que começa a ter uma grande relevância nos investimentos de capitais asiáticos e do Oriente Médio, que já utilizam novas empresas de rating em substituição à S&P, Moody’s e Fitch. O mercado asiático tem um porte da ordem de US$ 34 trilhões.

  Outra arma é o BRICS. No primeiro trimestre de 2025, foram processadas operações internacionais entre os países do BRICS que se elevaram a US$ 56,4 bilhões, todas efetuadas nas suas próprias moedas e fora do sistema de pagamentos SWIFT, lançando mão do Cross Interbank Payment System, que é o sistema de pagamentos criado pela China. Existem sinais claros de que haverá uma redução gradativa da dependência do dólar no mundo. Novos mercados e formas de comércio se abrem, sem sanções, sem tarifaços, sem intromissão geopolítica.

  A retenção de produtos nas alfândegas chinesas atinge bilhões de dólares em produtos que estão sendo objeto de “inspeções ambientais e controles mais rigorosos” por parte das autoridades chinesas, principalmente no Porto de Xangai, que manuseia 47 bilhões de containers por ano e responde por 30% das exportações chinesas para o mundo. No fundo, trata-se de embargo disfarçado; pressão e retaliação por parte da China, atrasando o embarque de mercadorias para os EUA, causando desabastecimento, inclusive de suprimentos hospitalares. São bilhões em mercadorias paradas nos portos, causando severos prejuízos para os importadores americanos e exportadores chineses. Essa é parte da resposta silenciosa da China aos boicotes do governo Trump à integridade da sua economia. Existe, claramente, uma vulnerabilidade estrutural, já que durante décadas a lógica do livre comércio e globalização ajudou a construir cadeias logísticas eficientes e concentradas. E a China é um dos principais elos dessa cadeia. Trata-se de uma guerra invisível que pode causar enormes prejuízos aos negócios nos EUA, além de sérios desgastes diplomáticos.

Comentários Finais

  Ninguém sabe ao certo se a estratégia dos EUA terá sucesso ou não. Muito provavelmente, o fluxo de investimentos para os EUA aumentará. Os setores prioritários das cadeias de suprimento e de produção serão beneficiados. A produção doméstica norte-americana aumentará e, assim, o déficit comercial será reduzido. É certo que o emprego aumentará, porém muito aquém do que seria necessário, em razão da automação. Tudo isso demorará alguns anos, até a reestruturação das cadeias de suprimentos. Os impostos também serão reduzidos. Mas, ainda assim, cabe a dúvida: o que acontecerá com os rentistas bilionários dos EUA?  Como eles reciclarão seus lucros sem a existência de déficits? Serão traídos pela administração Trump? Lógico que não. O déficit será reduzido até um determinado nível, rebalanceando o universo do dólar com o universo da produção e consumo – e a vida continuará. E os déficits remanescentes continuarão a ser reciclados pelos bilionários. Mas uma coisa é certa: o MAGA continuará sendo um sonho numa noite de verão; definitivamente não beneficiará as classes menos favorecidas dos EUA e, portanto, não se concretizará, permanecendo uma palavra de ordem vazia, no campo da demagogia eleitoral.

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