A agenda progressista do Papa Francisco
23 de abril de 2025
Foto: Mídia do Vaticano via REUTERS
texto: Maria Luiza Falcão Silva
Embora haja resistência dentro da Igreja a mudanças mais radicais, o Papa Francisco promoveu uma reavaliação de várias doutrinas tradicionais.
Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, morreu nesta segunda-feira (21 de abril) aos 88 anos, às 2h35 pelo horário de Brasília e 7h35 pelo horário de Roma. Não foi surpresa, o Papa estava há mais de um mês internado, acometido de uma pneumonia grave nos dois pulmões. Durante a manhã de domingo (20 de abril), o Papa fez um esforço enorme para se encontrar com milhares de fiéis que compareceram à Praça de São Pedro, no Vaticano, e desejar uma Feliz Páscoa e conceder sua última benção "Urbi et Orbi".
A notícia da morte do Pontífice abalou o mundo cristão e nos faz revisitar a sua trajetória como líder da Igreja Católica por doze anos (2013 a 2025).
Foi um Papa inesquecível. Primeiro Papa latino-americano, Francisco era argentino, um homem simples, afetivo, agregador, acolhedor, misericordioso, magnífico. Ele era jesuíta, pertencente à Companhia de Jesus. Embora a sua escolha do nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, e a sua visão pastoral sejam frequentemente associadas à espiritualidade franciscana, ele nunca foi membro da Ordem Franciscana.
Desde sua eleição em 2013, o Papa Francisco foi uma figura de destaque no cenário religioso e social global. Identificado por muitos como um líder progressista, o Papa argentino desafiou as normas tradicionais da Igreja Católica, promovendo uma abordagem mais inclusiva e humanista. Nesse momento, convém reviver os principais aspectos do seu pontificado que dão suporte à agenda progressista que implementou, analisando suas posições sobre questões sociais, econômicas e ambientais, bem como seu impacto na Igreja e na sociedade contemporânea.
Um dos aspectos mais notáveis do pontificado de Francisco foi seu compromisso com a inclusão. Desde o início, ele enfatizou a importância do diálogo inter-religioso e da aceitação das diferenças. A visita ao Egito em 2017, onde se encontrou com líderes muçulmanos e promoveu uma mensagem de paz e coexistência, exemplifica essa abordagem. O Papa também se mostrou solidário com grupos marginalizados, incluindo pessoas LGBT e migrantes, ressaltando a necessidade de acolhimento e compreensão em um mundo frequentemente dividido. Empenhou-se de forma implacável na punição à pedofilia dentro e fora de Igreja. Tema sensível e negligenciado nos papados anteriores.
O Papa Francisco foi um crítico fervoroso das injustiças sociais e das desigualdades econômicas.
Seu primeiro documento, a exortação apostólica "Evangelii Gaudium" (Alegria do Evangelho), publicada em 24 de novembro de 2013, aborda a importância do anúncio do Evangelho no mundo atual, com foco na alegria e na necessidade de uma Igreja voltada para as periferias.
Esse documento traz um forte apelo à justiça social, alertando contra os perigos do "capitalismo selvagem", que, segundo ele, provocava a exclusão e a pobreza. Papa Francisco defendeu um modelo econômico que priorizasse o bem comum em vez do lucro individual, propondo alternativas que promovessem a solidariedade e a dignidade humana. Em suas próprias palavras “o paradigma tecnocrático tende a dominar a economia e a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem se preocupar com eventuais consequências negativas para o ser humano.” A ênfase do Papa na importância de proteger os mais vulneráveis se alinha com uma visão de esquerda que busca transformar as estruturas sociais.
Francisco também foi um defensor ardente do meio ambiente, evidenciado pela encíclica "Laudato Si’" de 14 de maio de 2015. Nesse documento, ele convoca todos a cuidar da Terra, enfatizando a interconexão entre a degradação ambiental e a pobreza. Sua abordagem não se limita a apelos morais, apresenta uma visão crítica aos modelos econômico e industrial que contribuem para a crise climática. A liderança do Papa nesse assunto reafirmou uma preocupação com as questões ambientais, reconhecendo que a proteção do planeta é essencial para garantir um futuro sustentável para as próximas gerações.
A cena do Papa Francisco rezando sozinho na Praça de São Pedro, em 27 de março de 2020, durante o auge da primeira onda da COVID-19, tornou-se um dos símbolos mais marcantes da pandemia. A imagem do líder religioso isolado, sob a chuva, em uma praça vazia — normalmente repleta de fiéis —, carregava uma profundidade simbólica e emocional que ressoou globalmente. A imagem do Papa na praça deserta refletia o isolamento vivido por bilhões de pessoas. Sua figura solitária, carregando um crucifixo associado a epidemias históricas (o “Cristo de São Marcelo”), evocava uma mensagem de solidariedade no sofrimento. A chuva intensa acrescentava um tom de luto coletivo, mas também de renovação.
Em seu discurso, Francisco falou sobre a pandemia como uma "tempestade" que expôs a fragilidade humana, mas também a interdependência global. Ele enfatizou: a importância de cuidar uns dos outros, especialmente dos vulneráveis; a necessidade de união além de fronteiras, credos e ideologias; e a crítica ao egoísmo social e econômico, defendendo que a crise deveria inspirar um mundo mais justo e fraterno.
Embora haja resistência dentro da Igreja a mudanças mais radicais, o Papa Francisco promoveu uma reavaliação de várias doutrinas tradicionais. Sua postura mais aberta em relação ao divórcio e à convivência antes do casamento, bem como sua disposição para discutir a possibilidade de um maior papel para as mulheres na Igreja, são indicadores de uma mudança de paradigma. Para Francisco a Igreja devia ser mais pastoral e menos dogmática, priorizando a compaixão e o cuidado ao invés da repressão.
O pontificado do Papa Francisco foi, sem dúvida, um dos mais progressistas que a Igreja Católica já viu. Seu compromisso com a inclusão, a justiça social, a proteção do meio ambiente e a reavaliação de doutrinas tradicionais marcou uma nova era para a Igreja. Embora enfrentando desafios internos e externos, sua mensagem ressoará para muitos que buscam uma Igreja mais humana e comprometida com os valores fundamentais do amor e da justiça.
Ao promover essas questões, Francisco não apenas transformou a sua Igreja, mas também reafirmou a importância de uma liderança moral em um mundo que enfrenta guerras, disputas geopolíticas e crises profundas e complexas. Ele pedia a paz entre israelitas e palestinos e denunciava o genocídio em Gaza. Pedia pelo término da guerra na Ucrânia. Com sua visão revolucionária, ele nos convidou a refletir sobre o papel da religião na promoção do bem-estar humano e da dignidade em tempos de mudança.
O principal desafio que o Papa Francisco apontava era a promoção do diálogo tanto dentro da Igreja, como com a Sociedade. Ele se mostrava preocupado com o crescimento da extrema direita no mundo. Sua agenda progressista de defesa dos imigrantes e acolhimento aos homossexuais foi alvo de ataques dos conservadores e seguidores do falecido filósofo fake, Olavo de Carvalho, e de Steve Bannon, estrategista da extrema direita e ex-diretor de campanha do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Um novo Conclave se aproxima. A sucessão do Papa Francisco será fortemente influenciada por sua visão de mundo e do papel da Igreja Católica, já que 109 dos 137 cardeais eleitores foram por ele nomeados - 80% do Colégio dos Cardeais. No entanto, a ala conservadora ainda possui influência significativa especialmente entre cardeais nomeados por Papas anteriores como Bento XVI e João Paulo II. A correlação de forças entre progressistas e conservadores dependerá de como esses grupo se articularem. O Conclave é um processo secreto e complexo. Que prevaleça um projeto de continuidade do legado do revolucionário Papa Francisco para o bem da civilização e do planeta.
publicação original:
https://www.brasil247.com/blog/a-agenda-progressista-do-papa-francisco

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