A desastrosa privatização da segurança colombiana
16 de abril de 2025
imagem: Kurt Hollander / Jacobin
texto: Kurt Hollander
tradução: Pedro Silva
Em resposta às violentas facções do tráfico de drogas, os colombianos passaram a empregar seguranças particulares treinados para matar, superando em número a polícia e o Exército. Mas seus laços com a extrema direita e os cartéis mostram que eles muitas vezes só aumentam a insegurança no país.
Há quase meio milhão de civis na Colômbia — mais do que todos os soldados e policiais do país juntos — que portam armas legalmente e têm licença para matar. Os homens e mulheres armados que guardam a entrada de condomínios fechados e shoppings de luxo, que deixam os filhos dos ricos e poderosos em escolas particulares caras e que dirigem ou portam espingardas nos veículos blindados que transportam dinheiro e objetos de valor são todos funcionários de empresas de segurança privada.
Durante a administração do ex-presidente Iván Duque, as empresas de segurança privada se expandiram muito, especialmente durante a pandemia da COVID. O governo adicionou várias de suas instituições, incluindo educação, comunicação, esportes e cultura como clientes e abriu a possibilidade de privatização de prisões com empresas de segurança contratadas para administrá-las. A indústria de segurança privada agora representa mais de 1% do PIB do país. Além disso, Duque tornou mais fácil o estabelecimento de empresas de segurança privada reduzindo o número de requisitos e inspeções, concedendo licenças que são quase impossíveis de revogar porque só precisam ser renovadas uma vez a cada dez anos.
Na década de 1990, no auge da influência dos cartéis de drogas colombianos, as oficinas de cobro (agências de cobrança), administradas principalmente por líderes paramilitares ou policiais e militares aposentados, ofereciam segurança para aqueles que mais precisavam. Narcos e outros criminosos eram os principais beneficiários desse acordo em que as oficinas transportavam dinheiro, produtos e armas por todo o país. Eles também forneciam guarda-costas para seus trabalhadores de alto escalão e pagavam sicários (assassinos contratados) para matar a concorrência e executar qualquer um dentro de sua própria organização que roubasse ou quebrasse as regras.
A expansão da segurança privada
Quando os cartéis de drogas se desfizeram e novas organizações criminosas e de drogas surgiram do processo, as oficinas frequentemente ofereciam seus serviços para gangues rivais em guerra ao mesmo tempo, capitalizando assim com o alto nível de insegurança e violência que surgia nas principais cidades. Desde o estabelecimento das oficinas, metade de todos os assassinatos na Colômbia foram cometidos por sicários. Hoje em dia, os sicários ainda podem ser contratados para resolver diferenças comerciais, mas também servem para resolver vinganças pessoais ou para se vingar de cônjuges infiéis. Levando em consideração que o preço de um assassino contratado pode ser tão baixo quanto US$ 100, os assassinatos na Colômbia não são mais ferramentas exclusivas de narcotraficantes de alto escalão e chefes do crime. Eles foram democratizados.
As empresas de segurança privada floresceram graças à ascensão dos sicários e aos homicídios que eles perpetraram. Existem agora cerca de oito mil empresas de segurança privada diferentes no país. Muitos líderes paramilitares e gerentes de oficinas estabeleceram suas próprias empresas de segurança privada legais ou se tornaram associados de empresas já existentes. Isso permitiu que expandissem sua clientela para incluir empresas formais e indivíduos.
foto: Caminhão da empresa de segurança privada Atlas Grupo na Colômbia, 2025. (Kurt Hollander / Jacobin)
O cliente mais cobiçado das empresas de segurança privada colombianas é o governo, especialmente a Unidade de Proteção Nacional (UNP). A UNP é uma grande instituição estabelecida a pedido da comunidade internacional. Ela fornece proteção a funcionários do governo, jornalistas, indivíduos e comunidades em risco de serem assassinados por qualquer um dos muitos grupos guerrilheiros ou organizações criminosas que operam em todas as partes do país.
O governo não só oferece contratos muito lucrativos para empresas de segurança privadas, como também dá a essas empresas privadas tratamento especial. Isso inclui pagar pelos benefícios que policiais e militares aposentados recebem se forem contratados por essas empresas.
À medida que o orçamento da UNP aumentou exponencialmente na última década, ela foi acusada de cometer cada vez mais abusos. Membros de alto escalão da UNP, incluindo um ex-diretor, foram presos por suas conexões com narcos e organizações criminosas. A UNP também foi acusada de contratar guarda-costas para seus serviços de proteção a testemunhas de criminosos conhecidos sob o pretexto de que eles correm risco de serem assassinados.
O novo diretor da UNP, Augusto Rodríguez, escolhido a dedo pelo presidente Gustavo Petro para separar a instituição da influência criminosa, quase foi morto em uma tentativa de assassinato pouco antes de assumir o cargo. Onde quer que vá, ele é acompanhado por guarda-costas, mesmo (ou especialmente) na instituição que dirige. Isso é menos surpreendente pelo fato de que jornalistas recentemente ligaram Rodríguez a uma figura criminosa bem conhecida, Papa Pitufo — um dos muitos envolvimentos entre o Estado colombiano e organizações criminosas.
Jornalistas também descobriram evidências de cartéis usando veículos blindados da UNP, cujo propósito é proteger servidores públicos, jornalistas e líderes comunitários que receberam ameaças de morte, para o transporte de drogas. Cento e cinquenta quilos de cocaína foram encontrados recentemente escondidos em um desses veículos, que não são imunes a buscas por policiais e militares sem mandados emitidos por um juiz.
Dos dez mil guarda-costas que a UNP emprega, a instituição contrata apenas 10% diretamente. O restante vem de empresas de segurança privada. A maioria das pessoas empregadas pela indústria de segurança e vigilância na Colômbia são ex-militares ou recrutadas da polícia, mas muitas também são paramilitares desmobilizados ou mesmo guerrilheiros. As empresas de segurança privada, e as pessoas que elas contratam, não são oficialmente verificadas quanto a laços com organizações criminosas e, portanto, muitos funcionários trabalham nos dois lados da lei (vários sicários foram pegos recentemente em flagrante com credenciais de uma empresa de segurança privada).
Controle expandido
Quando o Departamento Administrativo de Segurança (DAS), a polícia secreta da Colômbia, responsável pelos assassinatos seletivos de centenas de civis, foi pego grampeando e vendendo informações sigilosas para organizações criminosas e unidades paramilitares, ele acabou desmantelado pelo governo. Mais de oitocentos desses policiais secretos, no entanto, foram eventualmente incorporados à UNP, seja diretamente ou por meio de empresas de segurança privadas.
foto: Segurança privado posicionado do lado de fora de uma loja na Colômbia, 2025. (Kurt Hollander / Jacobin)
Calcula-se que mais de um terço dos guarda-costas contratados pela UNP são contratados de uma ou mais das sete empresas de segurança privada (incluindo a Guardianes, a maior empresa desse tipo na Colômbia) de propriedade do chamado czar da segurança, Jorge Arturo Moreno. Condenado por práticas comerciais desleais, pelas quais foi sentenciado a sete anos de prisão, Moreno vive em Miami como um fugitivo da lei. No entanto, as empresas de segurança privada de Moreno continuam a receber contratos suculentos da UNP.
À medida que as empresas de segurança privada crescem em número e poder, elas assumem cada vez mais controle. As empresas de segurança privada recentemente receberam acesso a todos os canais de TV de circuito fechado em condomínios na Colômbia e agora podem controlar o processamento de dados dos cidadãos para seu próprio uso. Essas empresas também têm acesso à avaliação de risco para processos administrativos, recrutamento e avaliação de mão de obra, previsões de risco e perigo em processos de contratação, análise de dados, reconhecimento facial e inteligência preditiva também. Muitas empresas de segurança agora usam robótica, inteligência artificial, drones e softwares para oferecer soluções alternativas.
Além de lidar com a segurança de moradias urbanas e shoppings, autoridades governamentais concederam a grandes conglomerados licenças para operar seus próprios exércitos privados na Colômbia e forneceram armas a eles. Grupos empresariais, especialmente empresas de mineração, agroindústrias e pecuaristas, também contratam grupos paramilitares para se protegerem de guerrilhas de esquerda e organizações criminosas.
Sob o pretexto de se proteger de ataques de guerrilha em seus oleodutos, a Ecopetrol, a enorme indústria petrolífera e petroquímica de propriedade do governo, contratou as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), a maior organização criminosa paramilitar da Colômbia na época, para proteger seus interesses comerciais, o que incluía matar líderes sindicais e comunitários que protestavam contra os abusos da empresa.
As corporações dos EUA há muito tempo contratam organizações paramilitares para cuidar de sua segurança e fazer seu trabalho sujo. A Chiquita Brands International, empresa que importa a maior parte da produção de bananas da Colômbia para os Estados Unidos, deu quase dois milhões de dólares para a AUC de 1997 a 2004, e enviou a eles 3.400 rifles AK-47 e quatro milhões de cartuchos de munição, mesmo a AUC tendo sido listada pelo Departamento de Estado dos EUA como uma organização terrorista desde 2001.
“Centenas de mercenários colombianos lutam atualmente contra tropas russas na Ucrânia.”
As gigantes da mineração de carvão Drummond Company e Glencore International também foram acusadas de contratar forças paramilitares da AUC entre as décadas de 1990 e 2010 para atuar como força de segurança privada para suas operações de mineração na Colômbia (vários líderes e membros sindicais locais foram assassinados durante esse período).
Em 2001, um tribunal de Miami acusou a Coca-Cola de ter “contratado ou de outra forma dirigido forças de segurança paramilitares que utilizaram violência extrema e assassinaram, torturaram, detiveram ilegalmente ou de outra forma silenciaram líderes sindicais”. A empresa negou essas acusações.
Presença estrangeira
A Colômbia tem a maior força militar da América Latina, treinada em batalha ao longo de décadas de guerra civil. Quando se aposentam ou são desmobilizados, soldados militares ou paramilitares de elite geralmente encontram emprego em empresas de segurança privada ou no mercado global como mercenários. Ex-soldados de elite colombianos são procurados no mercado internacional de segurança privada por sua experiência em conflitos armados, treinamento dos EUA (anticomunista) e porque são muito mais baratos do que seus equivalentes dos EUA ou da Europa.
Para serem contratados por empresas de segurança privada, especialmente para atividades no exterior, militares colombianos altamente treinados se aposentam o mais rápido possível, ou até mesmo desertam mais cedo do exército. Como resultado, a indústria de segurança privada está constantemente desviando pessoal qualificado das forças militares do governo, deixando-as com falta de pessoal e fazendo com que sejam forçadas a treinar constantemente novos funcionários. Como seus soldados começaram a se aposentar mais cedo, o exército colombiano modificou seu contrato para que os soldados tivessem que cumprir um período mínimo de serviço antes de irem para o setor privado.
foto: Pessoal de segurança privada na Colômbia, 2025. (Kurt Hollander / Jacobin)
De 2000 a 2017, como parte do Plano Colômbia, projetado para combater grupos guerrilheiros de esquerda, o governo dos EUA enviou mais de US$ 10 bilhões em ajuda à Colômbia, com mais de 70% indo diretamente para os militares e a polícia do país. Grande parte desse dinheiro, no entanto, foi redirecionado de volta para contratantes militares privados estadunidenses, incluindo Blackwater, Defense Systems Limited, Military Professional Resources Inc., DynCorp e Global CST, que cobraram quantias exorbitantes de dinheiro para treinar ou equipar unidades especiais e paramilitares colombianos.
Com seus laços com o Pentágono e o Departamento de Estado, contratantes militares privados frequentemente recrutam oficiais militares de elite colombianos aposentados ou paramilitares. Em 2009, a Blackwater (atualmente chamada de Academi), uma das maiores contratantes militares privadas do mundo, fundou a primeira empresa de recrutamento de mercenários na Colômbia. Desde então, mercenários colombianos têm sido enviados por contratantes militares privados para lutar guerras sujas ao redor do globo.
Em 2006, trinta e cinco veteranos militares colombianos foram contratados para defender bases do exército dos EUA no Iraque, e centenas de mercenários colombianos lutaram no Afeganistão em 2010. Em 2011, mercenários colombianos foram enviados para Abu Dhabi, ostensivamente para fornecer segurança aos ativos de petróleo dos Emirados, mas, em vez disso, serviram como parte da coalizão de mercenários liderada pela Arábia Saudita, implantada no Iêmen. A empresa Global Security Services Group também tem enviado mercenários colombianos ao Iêmen para escoltar navios europeus e estadunidenses que cruzam o Golfo de Áden e são frequentemente atacados por piratas.
Centenas de mercenários colombianos lutam atualmente contra tropas russas na Ucrânia. O embaixador russo na Colômbia, reconhecendo os danos causados ??por essas unidades, acusou os mercenários colombianos que lutam ao lado dos ucranianos de “não saberem nada além da realização de ataques terroristas”. O governo colombiano estima que sessenta e quatro mercenários colombianos já foram mortos lá e mais de 120 desapareceram em ação.
“Os mesmos contratantes de segurança privada que enviam mercenários para assassinar líderes estrangeiros também estão ativamente fornecendo assassinos para ações dentro da Colômbia.”
Além dos contratados militares privados internacionais e empresas de segurança, há várias empresas de segurança privadas na Colômbia que contratam mercenários em todo o mundo. A A4SI, uma contratante militar privada fundada em 2017 e administrada por oficiais militares colombianos aposentados, enviou mais de trezentos mercenários colombianos para lutar na guerra civil do Sudão. Pelo menos vinte e dois morreram lá. A maioria dos homens que as contratantes militares enviam para a batalha acreditavam que seriam empregados como guardas de segurança privados. Mercenários colombianos também são enviados para lutar por cartéis de drogas mexicanos, uma especialidade deles.
Mercenários colombianos têm sido frequentemente contratados para realizar assassinatos seletivos e derrubar regimes. Em 2004, autoridades venezuelanas detiveram 153 paramilitares colombianos acusados ??de participar de um plano para assassinar o então presidente Hugo Chávez. Os vinte e seis mercenários colombianos envolvidos no assassinato do presidente do Haiti, contratados pela empresa CTU Security, sediada em Miami (de propriedade do venezuelano Antonio Intriago, atualmente cumprindo pena de prisão nos Estados Unidos), eram reservas ativas do exército colombiano e vários tinham sido treinados por unidades militares dos EUA, como os Boinas Verdes.
Os mesmos contratantes de segurança privada que enviam mercenários para assassinar líderes estrangeiros também estão ativamente fornecendo assassinos para ações dentro da Colômbia. O presidente Petro sobreviveu a várias tentativas de assassinato. Quando ele faz discursos públicos, Petro deve ser constantemente cercado por guarda-costas que seguram escudos grossos equipados com pequenas janelas para que ele seja visto pelas multidões. Recentemente, um plano para disparar dois mísseis no jato presidencial de Petro foi descoberto. Embora muitos líderes da oposição zombem afirmando que suas preocupações são pura paranoia, vários dos políticos de esquerda mais importantes foram assassinados na Colômbia ao longo das últimas décadas.
Democratização dos serviços
Nem os Estados Unidos nem a Colômbia assinaram a Convenção Internacional da ONU contra o Recrutamento, Uso, Financiamento e Treinamento de Mercenários. Assim, quando mercenários são pegos com as mãos na massa (e nas armas), os Estados Unidos e seus contratados privados são capazes de negar qualquer conhecimento de suas ações. Crimes e violações de direitos humanos cometidos por mercenários são considerados responsabilidade legal dos perpetradores materiais, ou seja, os próprios soldados contratados.
foto: Caminhão da empresa de segurança privada Prosegur estacionado na rua na Colômbia, 2025. (Kurt Hollander / Jacobin)
A ONU aprovou centenas de resoluções nos últimos vinte anos para coibir a indústria privada de mercenários, mas sem o apoio dos Estados Unidos. Com os lucros que gera, a indústria de segurança privada provavelmente continuará crescendo.
Quando mercenários retornam à Colômbia após verem combates no exterior, eles não recebem atenção médica para TEPT ou outros transtornos mentais antes de encontrarem emprego. Mercenários que retornam são frequentemente contratados como executores ou assassinos a serviço de organizações criminosas ou exércitos paramilitares, mas eles também podem facilmente encontrar emprego em qualquer uma das milhares de empresas de segurança privada.
Assim como o uso de sicários foi popularizado e democratizado na Colômbia, qualquer um pode agora acessar facilmente os serviços de empresas de segurança privada. Um desses negócios na cidade de Cali, chamado Tu Escolta Ya (Seu Próprio Guarda-Costas Agora), torna a contratação de proteção armada, com uma motocicleta ou carro blindado, de acordo com o gosto e necessidade do cliente, tão fácil quanto chamar um Uber.
No entanto, sem conhecer a experiência anterior do homem ou da mulher que está com o dedo no gatilho de uma arma de fogo ou espingarda protegendo a propriedade privada, sem saber completamente quais são os laços entre os proprietários e funcionários de empresas de segurança privada e organizações criminosas na Colômbia, e sem saber o quanto as organizações criminosas penetraram em instituições governamentais encarregadas da proteção de pessoas em situações vulneráveis, a sensação de insegurança no país é ainda mais real do que o medo do crime e da violência nas ruas da cidade.
publicação original:
https://jacobin.com.br/2025/04/a-desastrosa-privatizacao-da-seguranca-colombiana/

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