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O Sistema de Metas de Inflação não está dando conta do recado

14 de janeiro de 2025

Foto: Tony Winston/Agência Brasília

texto: Pedro Faria

O sistema de metas nunca foi um modelo pensado para um país como o Brasil, exposto ao preço de commodities e ao alto grau de dependência de importações.

O IPCA, medida de referência da inflação brasileira, fechou 2024 com alta de 4,83%, acima do limite de tolerância de 4,5% da meta de inflação. É a terceira vez que a inflação fica acima da meta desde 2021 e a sétima vez desde 1999.

A inflação de 4,83% não é um problema muito grave, caso não continue acelerando.  No entanto, temos um problema quando no Sistema de Metas de Inflação o teto da meta é tratado como o centro.

Como nota o economista Nelson Marconi, a inflação brasileira raramente se aproxima do centro da meta atual, hoje em 3%. Quando isso ocorre, normalmente está associado a uma desaceleração forte do crescimento e a um custo social elevado. De fato, a recessão de 2015-2016 foi utilizada pelo “time dos sonhos” do governo golpista de Michel Temer para dar início a um ciclo de queda da meta de inflação.

A consequência de uma meta de inflação irreal é a necessidade de juros excessivamente altos. Em 2023, o bolsonarista e presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que seria necessária uma taxa de juros de 26,5% para colocar a inflação no centro da meta (que era de 3,25%).

Por incrível que pareça, Campos Neto estava “correto”, no sentido de que, de fato, os modelos econômicos ortodoxos utilizados pelo Banco Central apontam para essa conclusão. A meta foi cumprida porque o ano contou com fatores internacionais e de oferta favoráveis, além dos efeitos atrasados da taxa de juros mantida excessivamente alta até o meio do ano.

No entanto, manter os juros excessivamente altos tem muitos efeitos colaterais: reduz excessivamente o crescimento econômico, principalmente o crescimento de boa qualidade baseado no aumento do investimento. E, no caso de um choque de oferta (aumento do custo de insumos), o risco é matar a economia brasileira com inflação alta e desemprego alto, como aconteceu em 2015-2016.

Para piorar, há ainda outro problema: o mundo atual é cada vez mais um mundo em policrise. Economistas e historiadores como Isabella Weber e Adam Tooze têm utilizado este conceito para caracterizar um mundo com diversas crises sobrepostas: guerras, pandemias, quebras das cadeias globais de suprimentos, emergência climática.

Crises sobrepostas exigem uma reação diferente. Nesse caso, o todo é maior que a soma das partes, pois as crises se retroalimentam. Enchentes e secas extremas ocorrem simultaneamente, como vimos no Brasil em 2024. Guerras limitam a oferta de trigo ou de petróleo enquanto o clima destrói ainda mais as safras.

O sistema de metas de inflação não é feito para lidar com choques de oferta individuais e muito menos com vários acontecendo ao mesmo tempo. Como o BC é obrigado a perseguir a meta, ele é obrigado a reagir a qualquer aumento de inflação com aumento de juros, mesmo que a inflação não seja sensível aos juros.

No contexto de policrise, os efeitos se acumulam e se multiplicam e os bancos centrais se veem obrigados a elevar cada vez mais a taxa de juros em resposta. O caso brasileiro de juros excessivos tem um histórico mais longo, mas estamos vivendo um momento global de juros altos.

Para quem só tem um martelo, tudo vira um prego. Estamos tentando resolver um problema complexo com uma ferramenta simples. Não vai funcionar.

Mas como podemos reagir? De maneira mais imediata, podemos adaptar o Sistema de metas de Inflação. Adotar uma meta de inflação mais flexível seria muito razoável. É difícil fazer isso em momentos de desconfiança excessiva dos mercados financeiros, mas, em minha leitura, o Conselho Monetário Nacional (CMN) teve uma oportunidade para fazer a mudança no segundo semestre de 2023. No próximo ciclo de tranquilidade, o governo deveria aproveitar para voltar a meta de inflação para 4 ou 4,5%, mantendo a banda de 1,5 p.p.

Ainda dentro do sistema de metas de inflação, o governo pode adotar uma medida de núcleo de inflação como referência para a política monetária. Os núcleos de inflação eliminam os efeitos mais voláteis e permitem que o Banco Central evite reações exageradas a mudanças bruscas, mas temporárias de preços.

No entanto, nenhuma dessas medidas nos prepara para lidar com a policrise. Aqui, é necessário ir além do sistema de metas de inflação e pensar na capacidade de reação física da economia. Diversificar a oferta de alimentos, promovendo a agricultura familiar contra o latifúndio, e a oferta de energia, com vários tipos de energias renováveis e o gás natural, pode reduzir a vulnerabilidade.

Estoques reguladores e controles limitados de preços também podem ser utilizados em produtos críticos da cadeia produtiva, como petróleo, combustíveis, minério de ferro, aço e os gêneros alimentícios mais essenciais. O governo também pode criar “fundos estabilizadores”, principalmente no caso do petróleo. Esses fundos taxam lucros excessivos causados por fenômenos não-econômicos (uma guerra no Oriente Médio aumentando o lucro das petroleiras no Brasil, por exemplo) e usam as receitas para amortecer o aumento de custos. 

Independente da solução a ser adotada, é importante observar que o Sistema de Metas de Inflação foi um produto da “grande moderação” dos países ricos na década de 1990-2000, quando governos de centro-esquerda e centro-direita governaram com tranquilidade por 20 anos, sem grandes crises. Nunca foi um sistema pensado para um país periférico como o Brasil, exposto ao preço de commodities internacionais no lado da exportação e ao alto grau de dependência de importações na nossa indústria e no consumo de bens de maior nível tecnológico.

 

publicação original:

https://operamundi.uol.com.br/opiniao/o-sistema-de-metas-de-inflacao-nao-esta-dando-conta-do-recado/

 

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