Recuperando a soberania digital
28 de maio de 2025
imagem: ABED
texto: Cecilia Rikap, Cédric Durand, Edemilson Paraná,Paolo Gerbaudo e Paris Marx
Um roteiro para construir um ecossistema digital 2 para as pessoas e o planeta.
Resumo
Este documento descreve uma agenda progressista de reforma para aumentar a soberania digital para as pessoas e o planeta. As tecnologias digitais são cruciais para o bom funcionamento das sociedades modernas, mas a maneira como atualmente organizamos seu desenvolvimento e implantação promove a centralização econômica e a dinâmica do “vencedor leva tudo”, que acaba operando contra o bem público. Dados os altos custos para desenvolver essas tecnologias, sua relevância e seu impacto ecológico, um plano para um modelo alternativo exige que os Estados intervenham e designem instituições públicas multilaterais com autonomia em relação a governos específicos, que possam disponibilizar infraestruturas e serviços digitais essenciais como serviços públicos ou bens comuns construídos por meio da cooperação internacional. Para esse fim, oferecemos quatro propostas principais:
1. Oferecer um “ecossistema digital” (digital stack) democrática e liderada pelo público, que deve incluir: 1) Infraestruturas digitais como serviços (para treinamento, processamento e desenvolvimento de soluções digitais) fornecidos por consórcios internacionais democráticos e sem fins lucrativos; 2) plataformas universais, como mecanismos de busca e modelos fundamentais de inteligência artificial (IA), que devem ser um bem comum governado por novas instituições públicas com representação do Estado e da sociedade civil; e 3) um mercado público onde as empresas podem oferecer seus serviços de computação sem bloqueios. Para garantir a demanda, os estados devem adquirir neste mercado e encerrar os contratos com grandes conglomerados digitais (nomeados como “Big Tech”, no termo em inglês).
2. Elaborar uma agenda de pesquisa focada em desenvolvimento de tecnologias e serviços digitais não impulsionados pelo hype ou pressões do solucionismo tecnológico, mas com o potencial de resolver problemas coletivos e aprimorar as capacidades humanas. Essa agenda levaria em consideração os impactos éticos, econômicos, ecológicos e políticos do desenvolvimento e adoção de tecnologias digitais, incluindo as aplicações de IA. Essa agenda também deve ser inspirada
1 Esta é uma proposta coletiva da Coalizão Soberania Digital Democrática e Ecológica. Informações sobre autores e apoiadores estão disponíveis no fim deste documento.
2 A versão original em inglês utiliza a expressão “digital stack”, mas a palavra stack, em tal contexto, não tem tradução para o espanhol e para o português. Em tais línguas, optamos por utilizar “ecossistema digital”.
pela necessidade de abordar os principais desafios do mundo de forma holística, interdisciplinar e sem fins lucrativos. Para esse fim, redes públicas de conhecimento lideradas por uma nova agência pública internacional de pesquisa (ou agências regionais) poderiam contrabalançar a concentração ampliada da ciência privada e proprietária.
3. Basear a soberania digital em um internacionalismo ecológico que rejeita ver a soberania como um campo de batalha entre os países, que negligencia a percepção de que os governantes de hoje não são apenas Estados poderosos, mas também corporações líderes de mercado. Isso poderia ser promovido como um “Movimento Digital Não-Alinhado”, que reconhece como as agendas tecnológicas nacionalistas piorarão o colapso ecológico e exacerbarão o subdesenvolvimento. O internacionalismo também é um antídoto para a vigilância governamental individual e os abusos de poder, e é essencial para minimizar os recursos necessários para construir um “ecossistema digital” democrático e público
4. Estabelecer mecanismos rígidos em todas as etapas para desmantelar possíveis formas de vigilância estatal existentes e prevenir novas, ou que evite a apropriação indevida de soluções coletivas por governos específicos. Os acordos multilaterais sobre princípios e regras para a Internet são salvaguardas indispensáveis para a construção de instituições e soluções autônomas e democraticamente governadas.
Para complementar e facilitar essas diretrizes e ações, trazemos ainda uma estratégia para modernizar as autoridades dos mercados para a era digital e implementar medidas para regular e tributar adequadamente os grandes conglomerados digitais. Como tal, propomos o seguinte:
1. Evitar a instituição de gargalos e “poderes de panóptico” no espaço digital, regulamentando formas de controle além da propriedade, incluindo a proibição de fusões e aquisições, capital de risco corporativo e alianças estratégicas entre empresas complementares que expandem o controle de um punhado de conglomerados às custas do resto do ecossistema digital.
2. Restringir a monopolização por alguns conglomerados digitais líderes de mercado de ativos intelectuais, como dados, conhecimento e conteúdos que permitam o controle de narrativas. Os reguladores devem limitar a concentração indiscriminada de conhecimento social dessas empresas, obtendo acesso aos ativos intangíveis que capturaram e promovendo o uso público de dados e conhecimentos criados coletivamente.
3. Tributar grandes conglomerados digitais para regular simultaneamente suas ações e financiar uma alternativa que expanda a soberania digital democrática. Cobrar impostos efetivos, reconhecendo suas posições de liderança em setores-chave, o que lhes permite capturar rendas extraordinárias. Os impostos também serão cobrados com base na captura de conhecimento e dados sociais.
4. Reconhecer que nem toda tecnologia é desejável. Tecnologias que substituem o trabalho sem oferecer alternativas significativas e aquelas que expandem o controle ou a vigilância do trabalho devem ser proibidas. O nosso novo quadro político visa proteger o trabalho e reforçar a sua autonomia criativa, contribuindo simultaneamente para o reforço dos direitos humanos e civis. Um aspecto disso poderia ser uma rede de segurança na qual os Estados ofereçam treinamento e emprego para o desenvolvimento e operação do “ecossistema digital” liderada pelo público.
Introdução
Vivemos em um mundo digital dominado por um punhado de conglomerados digitais baseados nos Estados Unidos, com gigantes chineses emergentes buscando disputar esses mercados. Amazon, Microsoft, Google e seus pares adquiriram enorme poder sobre nossos sistemas sociais, econômicos e políticos, ao assumir o controle monopolista das principais tecnologias digitais. Essas três empresas sozinhas controlam quase 70% do mercado de nuvem e mais da metade dos cabos submarinos do mundo, quando considerada tambem a empresa Meta. A adoção acelerada da inteligência artificial (IA) só tornou a situação mais aguda. Em todo o mundo, muitas comunidades não têm capacidade de traçar seus próprios caminhos em relação ao desenvolvimento e uso de tecnologias digitais. Sociedades inteiras e suas instituições são forçadas a depender dos grandes conglomerados digitais, negando aos países o direito de definir seu próprio desenvolvimento. Essa realidade deve mudar.
As demandas por soberania digital estão crescendo, mas exigem um plano de ação político convincente e estruturado. A Coalizão Soberania Digital Democrática e Ecológica (DEDS, na sigla em inglês) visa preencher essa lacuna.
A soberania classicamente se refere à autoridade suprema dentro de um território, mas também pode aludir ao empoderamento de uma comunidade e sua capacidade de controlar seu destino. A soberania digital destaca como nenhuma comunidade pode aspirar a qualquer forma de soberania sem reivindicar alguma forma de domínio sobre a produção e implantação das tecnologias digitais das quais depende.
Em nosso mundo globalizado, não existe soberania pura; trata-se mais de uma questão de graus de soberania. Ainda assim, essa é uma questão vital para o destino dos países e de seus povos, especialmente quando se trata de tecnologia digital. À luz dessas realidades, a soberania digital pode ser definida como “o direito e a capacidade das entidades políticas de usar e controlar de forma autônoma (independente e/ou autodeterminada) ativos tangíveis e intangíveis e serviços digitais que impactam significativamente a democracia, a economia e a sociedade”.3
Essa abordagem reconhece que, ao contrário das narrativas usuais que temos sobre a tecnologia digital e a internet, o governo realmente tem um papel importante a desempenhar para garantir resultados positivos para todos, em vez de apenas altos retornos para alguns.
Devemos lidar então com a questão central: como podemos aumentar a soberania digital para as pessoas e o planeta, ao mesmo tempo em que contribuímos para
3 BENHAMOU, Yaniv, BERNARD, Frédéric, DURAND, Cédric. Soberania digital na Suíça: o laboratório do federalismo. In: Risiko & Recht, 2023, n° 1, p. 65–101. https://eizpublishing.ch/artikel/risikorecht/01-2023-risiko-recht/digital-sovereignty-in-switzerland-the-laboratory-of-federalism/. Tradução própria do original em inglês
um mundo mais democrático? Nas seções a seguir, esclarecemos os dilemas que os países podem enfrentar para recuperar sua soberania digital. Também identificamos os principais princípios estratégicos e um conjunto abrangente e inter-relacionado de recomendações de políticas para expandir a soberania digital das pessoas e dos países em que vivem.
Neste documento, nos referimos ao que chamamos de "ecossistema digital" como as camadas e nós sobrepostos de tecnologia e mecanismos de governança necessários para a entrega de serviços digitais. Isso inclui os meios materiais, imateriais e políticos que garantem a robustez da coevolução de tudo, desde a infraestrutura de cabos submarinos, centros de dados e o hardware informático que possuem até o software e bibliotecas de código necessários para fornecer plataformas públicas e serviços digitais.
Nossa proposta está estruturada em 7 áreas. As áreas 1 a 4 começam a traçar uma visão com recomendações concretas sobre como construir um “ecossistema digital” democrático e coletivo para as pessoas e o planeta, enquanto as áreas 5 a 7 estabelecem maneiras de começar a recuperar o poder das principais empresas de tecnologia para aprimorar nossa visão proposta. Terminamos com um convite aberto e pontos de partida concretos.
1. Um “ecossistema digital” liderada pelo público
A soberania tem a ver com o controle democrático dos Estados e de seus povos. A soberania digital democrática exige que desenvolvamos suas capacidades para orientar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, para que os cidadãos possam acessar, entender e produzir tecnologias que realmente melhorem suas vidas. Conseguir isso será um esforço difícil.
Em alguns casos, pode ser suficiente restringir o poder corporativo para que outras empresas possam desenvolver alternativas competitivas. Mas nem sempre é esse o caso. Com muita frequência, os Estados cederam poder a grandes conglomerados digitais que não prestam contas e não têm em mente o interesse público. Os governos muitas vezes lutam para construir alterantivas, especialmente quando a ideia do desenvolvimento de tecnologias pelo próprio setor público foi desencorajada, em favor da contratação de empresas privadas e do fomento de um setor tecnológico privado na esperança de dar origem a uma empresa "unicórnio" de grande sucesso.
Para criar uma alternativa eficaz, recomendamos o seguinte:
1. Recuperar o controle da infraestrutura do “ecossistema digital”. A criação de uma nuvem verdadeiramente pública4 e liderada pelo Estado, composta por centros de dados públicos interconectados por meio de infraestrutura pública, deve ser uma oportunidade para colaboração internacional. Uma agência das Nações Unidas poderia ser criada para reunir as competências científicas e técnicas necessárias para lançar um projeto de cooperação desse tipo, semelhante ao que foi feito com os serviços postais e as telecomunicações (ver Seção 3). Mas, enquanto isso, soluções regionais podem ser exploradas, reconhecendo as complexidades das coalizões globais.
2. Uma nuvem verdadeiramente pública possibilitaria expandir a soberania digital desenvolvendo plataformas públicas universais, como mecanismos de busca públicos ou mercados públicos de comércio eletrônico, que priorizem o bem público em vez dos lucros e ganhos aos acionistas. Embora uma infraestrutura de nuvem internacional seja ideal, as plataformas podem ser desenvolvidas em muitas escalas diferentes – internacional, nacional ou local – dependendo de uma ampla gama de fatores: o tipo de serviço, sensibilidades à coleta de dados e aos abusos governamentais, os impactos ecológicos e muitos outros (ver Seções 3 e 4). Por exemplo, as plataformas de comércio eletrônico podem operar localmente, promovendo economias regionais e mitigando os impactos ecológicos do comércio, enquanto outras plataformas podem operar nacional ou regionalmente, como plataformas de compartilhamento de dados entre hospitais e outras instalações dentro dos sistemas públicos de saúde, garantindo que esses dados não sejam acessados para promover mais privatização.
3. Criar um mercado público para o desenvolvimento de serviços digitais que serão executados sobre as camadas de infraestruturas e plataformas fornecidas publicamente. Isso ofereceria às startups e outras organizações um espaço para oferecer soluções além dos mercados de nuvem dos grandes conglomerados digitais.
4. Aquisição direta e canalização de subsídios estatais para desenvolver e adotar aplicativos que serão executados sobre a nuvem liderada pelos Estados, com o objetivo de rescindir, o mais rápido legalmente possível, acordos com os grandes conglomerados digitais. Para garantir a demanda e, portanto, que aplicativos suficientes sejam desenvolvidos e oferecidos na nuvem pública, os estados devem fazer as suas compras públicas nessa camada de serviços. Isso será complementado com a utilização estatal de software livre, com protocolos abertos e o fomento da interoperabilidade. Os Estados também devem subsidiar
4 Enfatizamos o "verdadeiramente" em nossa formulação porque a Big Tech chama sua nuvem de nuvem "pública", mas este é um negócio fechado e com fins lucrativos.
o desenvolvimento e a manutenção de soluções de software livre onde não existem atualmente, que devem ser executadas na nuvem pública.
Também recomendamos o seguinte para reforçar um “ecossistema digital” liderado de forma pública:
5. Garantir a soberania estatística, abrangendo a proteção legal e política das estatísticas oficiais gratuitas, públicas e estatais controladas por sistemas estatísticos nacionais compostos por instituições estatais e órgãos consultivos dos usuários. Esse modelo deve incluir a proteção jurídica da natureza pública dos dados para estatísticas oficiais, incluindo o acesso a dados privados para fins estatísticos pelos sistemas estatísticos nacionais, e uma revisão dos acordos internacionais para o desenvolvimento de estatísticas que envolvam a participação de grandes conglomerdos digitais.
6. Promover a implementação de tecnologias digitais que exijam menos consumo de recursos sempre que possível, em vez de aceitar a pressão da indústria para sempre adotar as soluções mais intensivas em recursos.
7. Promover a economia solidária digital por meio de financiamento privilegiado e acesso a plataformas e ferramentas digitais públicas e abertas para cooperativas que fornecem produtos digitais. Devem também ser tomadas iniciativas para promover a colaboração entre universidades e organizações sem fins lucrativos.
8. Aumentar a capacidade dos Estados de planejar e governar democraticamente o “ecossistema digital” por meio de habilidades estratégicas de detecção, previsão, análise e planejamento. Isso deve implicar um investimento direcionado e sustentável em conhecimentos e recursos nas instituições públicas.
2. Uma estratégia soberana de pesquisa e desenvolvimento
A rápida disseminação da IA (incluindo, mas não se limitando à IA generativa) intensificou a já esmagadora pressão para adotar todos os tipos de tecnologias digitais sem a avaliação adequada de seus potenciais benefícios e desvantagens. As grandes corporações e seus aliados estão pressionando para tornar a IA o método geral de invenção, o que apresenta uma preocupação clara para os pesquisadores, mas que também tem sérias implicações sociais. Do jeito que está, isso significaria que apenas alguns gigantes controlariam a pesquisa relevante, como e quais problemas podem ser questionados e resolvidos e até mesmo como a criatividade deve ser definida. Mas temos muitas escolhas entre a adoção indiscriminada, na qual até mesmo os estados se tornam súditos digitais de grandes empresas de tecnologia, por um lado, e a rejeição total das tecnologias digitais, por outro.
Concretamente, propomos o que segue:
1. Definir uma agenda de pesquisa independente que não seja impulsionada pelo hype ou pressões do solucionismo tecnológico, mas que exija foco em resultados relevantes para as pessoas e o planeta, afastando-se de uma abordagem orientada para o mercado. Isso é especialmente grave diante do colapso ecológico e das quantidades incríveis de energia, água e hardware de computador necessários para treinar e executar modelos de IA.
2. Promover redes de conhecimento público lideradas por uma nova agência pública internacional de pesquisa (ou agências regionais) que possam contrabalançar a extensa concentração de ciência privada e fechada. Tal agência deve trabalhar independente de fundos privados e colaborações com atores específicos com fins lucrativos devem ser desencorajadas para manter as soluções focadas nas pessoas e nas prioridades planetárias no espaço público.
3. Trazer talentos de volta de grandes empresas de tecnologia para trabalhar em tal agência, alavancando o acesso a recursos suficientes (veja Seção 1), acesso adequado a dados (veja Seção 7) e o propósito geral de construir um ecossistema digital democrático para as pessoas e o planeta.
4. Adotar uma visão sistêmica na qual os impactos éticos, econômicos, ecológicos e políticos da IA e de outras tecnologias digitais sejam plenamente considerados e que ela só seja adotada quando seus impactos positivos forem comprovados e as soluções alternativas forem consideradas impraticáveis.
5. Expandir a educação dos cidadãos sobre os riscos, limitações e efeitos das tecnologias digitais.
3. Internacionalismo ecológico
Uma nova onda de nacionalismos tecnológicos só vai atiçar os violentos tempos geopolíticos em que cada vez mais vivemos — e eles estariam fadados ao fracasso. Enquanto a soberania é vista principalmente como um esforço envolvendo Estados individuais, a soberania digital está fora do alcance da maioria dos Estados se eles operarem por conta própria. Os investimentos massivos necessários para enfrentar gigantes digitais entrincheirados são grandes demais para a maioria dos países do mundo enfrentarem sozinhos. Também é tarde demais para construir ilhas livres de seu poder.
Os Estados devem agir juntos e construir uma alternativa democrática global enquanto estabelecem as bases para uma gestão mais consciente e responsável de nossos futuros sociais e ecológicos. A soberania digital democrática deve construir um escudo contra a captura de dados e tecnologias públicas por empresas digitais, ao mesmo tempo em que expande o conhecimento coletivo. A cooperação internacional deve avaliar o desenvolvimento de tecnologias digitais (especialmente novas ferramentas de IA) em contraste com as pressões ambientais, como seu consumo de energia e água, bem como extração de minerais e poluição. Também deve dar o passo ousado de reconhecer que qualquer tecnologia que coloque as pessoas, o planeta e a democracia em primeiro lugar exige que os ganhos econômicos privados fiquem em segundo plano.
O Pacto Digital Global adotado pela Cúpula das Nações Unidas para o Futuro em setembro de 2024 declara explicitamente que “As Nações Unidas fornecem uma plataforma crítica para a cooperação digital global de que precisamos” e estabelece uma agenda ampla, ambiciosa e nominalmente progressiva em infraestruturas digitais, dados e governança de IA, reconhecendo a importância de promover a diversidade cultural e linguística, inclusão e direitos humanos.
No entanto, se as Nações Unidas seriam um lugar natural para reunir as competências científicas e técnicas para promover tal cooperação, inspirando-se nas conquistas históricas de agências da ONU como a União Postal Universal e a União Internacional de Telecomunicações, é preciso também estar ciente de suas fraquezas e divisões atuais. O lobby das grandes corporações e seus patrocinadores estatais priva o Pacto Digital de qualquer espaço para lidar adequadamente com a forma como os países e seus povos são mantidos reféns por monopolistas intelectuais.
Uma agenda digital que seja simultaneamente ecológica e internacionalista deve avançar juntamente com quaisquer esforços no âmbito das Nações Unidas. Saudamos os esforços em direção a um Movimento Digital Não Alinhado (TNAM, na sigla em inglês) com capítulos regionais e da sociedade civil dedicados ao fornecimento de uma opção pública universal de serviços digitais (veja Seção 1). O fornecimento público não alinhado e não comercial desses serviços digitais básicos permitirá que os estados compartilhem capacidades que eles não podem desenvolver por conta própria, ao mesmo tempo em que permite o florescimento de um ecossistema de comunidades muito mais rico do que aqueles curados pelas corporações dos EUA e da China. O TNAM também pode promover uma avaliação e redefinição de padrões de tecnologia digital a serem conduzidos no nível da ONU, com o objetivo de reverter o uso de definição de padrões por grandes empresas de tecnologia para impor suas tecnologias.
A dimensão ecológica do internacionalismo digital não deve se limitar a simplesmente avaliar a pegada ambiental das tecnologias digitais. Esperamos que nossa visão de serviços digitais públicos universais executando em centros de dados públicos (veja a Seção 1) ajude a aliviar o fardo da dívida dos países em desenvolvimento, o que reduzirá a pressão para fechar sua lacuna de desenvolvimento por meio da extração de recursos. Além disso, um ecossistema público e a agência internacional de conhecimento forneceriam os recursos e habilidades para atualizar continuamente um inventário da natureza, que é um pré-requisito para a formulação de políticas ecológicas constantes e efetivas.
4. Um ecossistema digital democrático: expandindo direitos humanos e civis
Construir a soberania digital não deve ser um pretexto para vigilância ou restrições aos direitos das pessoas; em vez disso, deve ser uma maneira de expandir valores democráticos, pois não há democracia real se as sociedades não têm controle efetivo sobre as tecnologias que usam. A proteção dos direitos humanos e civis e da justiça social não pode ser deixada de lado.
Nossa visão de soberania digital democrática se apresenta como uma terceira opção entre aceitar o domínio das empresas de tecnologia dos EUA, de um lado, ou abraçar seus concorrentes chineses, do outro. Não queremos um mundo onde corporações multinacionais de superpotências globais dominem os horizontes tecnológicos de países do mundo todo, restringindo suas capacidades domésticas e dando-lhes pouca autoridade para fazer escolhas sobre seus próprios futuros. Também desejamos promover uma forma de soberania digital que evite medidas severas que violem os direitos fundamentais dos cidadãos, seja online ou offline.
No entanto, também não achamos que os governos ocidentais tenham o direito de escolher quais estados têm permissão para buscar a soberania digital e quais não, enquanto o domínio de grandes empresas de tecnologia permite que os governos vigiem pessoas ao redor do mundo, violem seus direitos e decidam unilateralmente quando cortá-los. Incentivamos os estados a negociar um acordo aplicável declarando que o uso de tecnologias digitais para vigilância, direcionamento e extermínio contra seus cidadãos e aqueles além de suas fronteiras é estritamente proibido.
Propomos o seguinte:
1. Desenvolver novos espaços de participação cidadã — tanto online quanto offline — para permitir que as comunidades tenham participação no desenvolvimento e uso de ferramentas digitais. Isso também deve incluir o desenvolvimento de iniciativas de educação pública para permitir que os cidadãos desenvolvam o conhecimento, as habilidades e o senso de empoderamento necessários para defender seus direitos digitais e participar da governança da tecnologia pública.
2. Criar princípios de design centrados no ser humano que se aplicarão aos serviços digitais públicos e permitirão que as pessoas escolham quando seus dados serão transferidos entre serviços — privados ou públicos.
3. Estabelecer medidas para defender e expandir os direitos humanos e a liberdade de expressão, que estão atualmente sendo restringidos por corporações digitais. Isso pode envolver negociações na ONU para elaborar diretrizes claras para impedir formas ilegítimas de censura ou a criação de instituições independentes para estabelecer regras claras de moderação de conteúdo online em redes sociais de acordo com valores democráticos, respeitando as diferenças culturais e os direitos humanos e civis, com multas aplicadas com base nas receitas globais das empresas.
4. Abordar as preocupações com a segurança cibernética e o risco de que atores estrangeiros e criminosos possam interferir na política nacional e buscar medidas disruptivas.
5. Proibir certos usos de IA, inclusive para avaliação de elegibilidade para apoios sociais, processamento de imigração, gestão de força de trabalho, vigilância e armamento.
5. Regulamentação e tributação
Enfrentar grandes empresas de tecnologia pode parecer um desafio intransponível, mas isso não é motivo para não tentarmos recuperar nosso poder sobre elas. Uma combinação de regulamentações, incluindo medidas comerciais e fiscais, proporciona outro conjunto de ferramentas para atingir esse objectivo. Essas políticas podem garantir que as plataformas existentes estejam mais em sintonia com as sociedades em que operam e que as empresas paguem sua parte justa aos tesouros nacionais. Esse conjunto de propostas pode ser visto como uma contribuição para a política industrial nacional e continental (veja as Seções 1 e 2), ao corroer o domínio econômico de corporações gigantes e criar o espaço de respiração necessário para que outras plataformas surjam.
Para atingir essas metas, propomos buscar o seguinte:
1. Implementar um imposto sobre grandes empresas digitais, visando suas receitas totais em cada jurisdição onde operam. Muitas empresas digitais utilizam brechas fiscais e colocam sua residência fiscal em jurisdições que garantem baixa tributação. Sempre que possível, esse imposto poderia ser cobrado em nível continental, a fim de permitir uma redistribuição justa.
2. Forçar as empresas a pagarem país por país impostos retidos na fonte por sua monetização de dados coletados livremente, com considerações sobre a porcentagem da população com conectividade à Internet e o número de horas gastas na Internet.
3. Pressionar a Organização Mundial do Comércio a rescindir sua moratória sobre tarifas digitais, que proíbe os países de tributar importações digitais. Tarifas voltadas para dar espaço para o desenvolvimento das capacidades nacionais são preferíveis a medidas mais rigorosas, como a exclusão das big tech da Internet nacional.
4. Evitar que as funções estatais se tornem dependentes de nuvens corporativas e outras formas de aprisionamento de tecnologias digitais. Os acordos estatais com gigantes digitais devem ser tornados públicos e abertos à consulta.
5. Criar regras rígidas de planejamento para a construção de novos data centers para garantir que não sobrecarregam o abastecimento de água local nem ameaçam a disponibilidade de energia. Uma taxa específica sobre novas instalações destinadas à construção de infraestruturas hídricas ou de energias renováveis também pode ser considerada. As instalações devem ser proibidas nas proximidades de parques naturais ou outros territórios com flora e fauna protegidas.
6. Implementar medidas rigorosas de proteção da privacidade digital, incluindo um requisito de aprovação explícita para o tratamento de dados pessoais, criação de perfis personalizados com dados sintéticos e contra a reutilização ou venda de dados pessoais.
7. Aprovar legislação que proíba formas de injustiça social e discriminação possibilitadas por tecnologias digitais, a exemplo de sistemas algorítmicos que manipulam as decisões das pessoas ou exploram as suas vulnerabilidades, sistemas que avaliam ou classificam as pessoas com base no seu comportamento social ou características pessoais e sistemas que afirmam prever o risco de cometer um crime.
8. Proibir o uso de táticas de marketing e design de plataforma que acionem intencionalmente as respostas das pessoas para aumentar o envolvimento ou incentivar uma compra. Isto pode resultar em comportamento viciante e em resultados prejudiciais para o indivíduo e para a sociedade em geral.
9. Forçar as empresas tecnológicas a permitir que os governos revejam as suas práticas de transparência, políticas de gênero, raciais e religiosas para garantir a responsabilização e o cumprimento ético.
5.1 Política trabalhista
Os serviços digitais e, particularmente, a IA são desenvolvidos por trabalhadores altamente qualificados, programadores experientes e mediante a mobilização massiva de trabalhadores que atuam em cliques e anotação de dados. Para tornar o papel dos trabalhadores mais visível, para melhor recompensar e expandir os direitos dos trabalhadores a nível global, e para contribuir para uma agenda de desenvolvimento, ao mesmo tempo, abordando os impactos da tecnologia no trabalho, propomos o seguinte:
1. Responsabilizar as empresas líderes pelas condições de trabalho suportadas pelos trabalhadores neste sistema e tornar obrigatória a negociação coletiva internacional para a prestação de serviços digitais e de IA, sob os auspícios da Organização Internacional do Trabalho.
2. Proibir os empregadores de implementar ferramentas algorítmicas de gestão que violem os direitos fundamentais dos trabalhadores.
3. Reforçar as capacidades digitais públicas, financiando a formação de trabalhadores especializados em processos digitais complexos, sob a condição de assumirem compromisso a longo prazo de trabalhar ou contribuir para o setor público. Estes trabalhadores poderiam trabalhar na agência pública e internacional de pesquisa e desenvolvimento e na construção do conglomerado digital liderada pelo público (ver Seções 1 e 2).
4. Avaliar regularmente como a adoção de tecnologias digitais impacta o trabalho para mitigar os danos e colaborar com os trabalhadores em soluções potenciais, estando atento aos impactos sobre minorias de gênero, raça e outras.
5.2 Política monetária e financeira
O nosso sistema financeiro atual trabalha contra objetivos coletivos de construção da tecnologia e de uma sociedade que proporcione benefícios tangíveis para as pessoas e para o planeta. A nível interno, mantém as pessoas endividadas e nega a demasiadas pessoas o acesso aos serviços financeiros necessários, enquanto, a nível global, mantém a maioria dos países à mercê de uma ordem econômica que garante que continuem subdesenvolvidos e encurralados por encargos de dívida paralisantes.
As tecnologias digitais já estão transformando o processamento de pagamentos, enquanto a análise de dados e a IA estão sendo utilizadas para detecção de fraudes e possuem aplicações promissoras para melhorar ainda mais a identificação de transações suspeitas. Existem oportunidades significativas para apoiar uma governança mais justa das transferências internacionais e para abordar questões globais como a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal. Mas tudo isto requer a utilização de tecnologias digitais soberanas (consulte a Seção 1) em vez de implantar soluções nas nuvens ou terceirizá-las diretamente para grandes empresas de tecnologia.
Para democratizar as tecnologias financeiras digitais e construir um sistema financeiro global mais justo e estável, propomos o seguinte:
1. Estabelecer bancos públicos nacionais - e instruir os existentes - a fornecer serviços bancários (digitais) inclusivos ao público, com foco específico nas comunidades minoritárias e nas pessoas sem conta bancária. Em algumas regiões, isto poderia se beneficiar de sistemas postais públicos e da sua vasta rede de lojas físicas e poderia explorar soluções digitais adicionais. Uma relação direta com o público permitiria mais facilmente a prestação de auxílios sociais e ajuda financeira.
2. Desenvolver sistemas nacionais de pagamentos digitais seguros, controlados pelo governo, democraticamente responsáveis e que sejam apoiados e alojados em centros de dados públicos e sem fins lucrativos (ver Secção 1).
3. Considerar a criação de moedas digitais de banco centrais e carteiras eletrônicas de bancos centrais, mas garantir que qualquer implementação seja pública e centrada no cidadão para reduzir a dependência sistémica dos bancos privados.
4. Utilizar tecnologia financeira avançada para estabelecer um sistema alternativo de transferências internacionais governado por organizações multilaterais, reduzindo a dependência de sistemas como o SWIFT, que são controlados e transformados em uma arma por alguns países desenvolvidos.
6. Reformar as autoridades de mercado para a era digital
Temos de reavivar o objetivo original da política antitruste – o seu papel como ferramenta para evitar a acumulação de poder econômico que prejudica as democracias – mas também adaptá-lo à natureza de uma sociedade em rede.
As grandes empresas tecnológicas posicionaram-se em panópticos e pontos de estrangulamento econômico, concedendo a elas próprias uma janela para todo o conglomerado digital de onde podem transformar a interdependência em uma arma e exercer uma forma de poder de mercado em rede. A estratégia delas nem sempre é restringir a concorrência. Eles jogam um jogo muito mais sofisticado que combina encurralar e imitar alguns rivais enquanto subordina outros, capturando valor deles e mantendo-os afastados.
A expansão do âmbito da política antitruste deve considerar a influência sobre produtos complementares como forma de poder de mercado, incluindo o escrutínio de:
1. Investimentos e aquisições de capital de risco corporativo por empresas
incumbentes.
2. Acordos colusivos que contribuem para a concentração e perpetuam o poder
de empresas incumbentes, por vezes descritas como “parcerias estratégicas” ou
“alianças estratégicas”.
3. Acumulação indiscriminada de dados e utilização da concentração de dados
para obter valor apropriado.
Para concretizar esta agenda, algumas fusões anteriores terão de ser desfeitas, como o caso das aquisições do Instagram e do WhatsApp pela Meta, com regras firmes contra o compartilhamento de dados entre empresas alienadas.
Embora a promoção da concorrência seja preferida em algumas áreas, outros serviços oferecidos por grandes empresas tecnológicas são propensos à monopolização natural. Num monopólio natural, uma única empresa é mais eficiente do que vários concorrentes, geralmente devido a economias de escala provenientes de elevados custos fixos. Consideremos a eficácia com que o motor de pesquisa da Google domina o seu mercado e como a escala da sua utilização e os dados que processa lhe permitem melhorar os seus algoritmos mais rapidamente do que os concorrentes. Nessas áreas, tentar aumentar a concorrência poderá prejudicar a eficiência e piorar a qualidade dos serviços.
Em vez disso, a empresa que oferece o serviço poderia ser regulamentada como uma concessionária, com regras rígidas sobre preços e posicionamento de anúncios, ou mesmo um mandato para licenciar seus algoritmos proprietários, como foi feito com empresas como a IBM no passado. Outra opção preferida, dada a centralidade destes serviços digitais, seria oferecer uma alternativa pública (ver Secção 1).
7. Desmontar monopólios intelectuais
As grandes corporações tecnológicas capturam dados sobre tudo o que fazemos, desde nossas vidas privadas e hábitos de consumo até tendências culturais mais amplas e como nos movimentamos pela cidade. De uma forma ou de outra, as nossas atividades repercutem na maquinaria digital que controlam – e agora que o fizeram, outras empresas querem fazer o mesmo.
O monopólio intelectual não envolve apenas dados; trata-se de conhecimento. É uma capacidade de estruturar e controlar informações para agir em nosso mundo. Tais monopólios capturam ciência financiada publicamente, capacidades de codificação sofisticadas e concentram a infraestrutura da qual tudo depende, incluindo cabos submarinos, satélites, servidores e processadores.
Esse processo tem consequências substanciais. Muitas regiões do mundo, especialmente aquelas fora dos polos de superioridade tecnológica, ficam subordinadas a grandes empresas tecnológicas, que captam o conhecimento que essas sociedades produzem para uso exclusivo nos seus produtos e serviços. Enquanto isso, as grandes corporações tecnológicas mantêm o poder de moldar as normas sociais, estruturar a esfera pública em seu benefício e até mesmo influenciar a sociedade em grande escala por meio do controle dos dados e das plataformas digitais das quais dependemos.
A postura mais dura dos reguladores contra a indústria tecnológica é um desenvolvimento bem-vindo, mas muitas vezes as soluções tradicionais saem pela culatra. Na maioria das vezes, os dados são gerados através da interação social, de modo que os dados individuais geralmente só têm significado quando combinados com dados de todas as outras pessoas. Isso significa que a simples proteção do direito fundamental dos indivíduos de controlarem os seus dados pessoais não resolve a maior parte do problema.
Sugerimos os seguintes princípios para combater o monopólio intelectual das empresas de tecnologia:
Exigir que os dados extraídos em um país específico – que devem ser sempre obtidos de forma anônima e sem traçar perfis de indivíduos – sejam colocados a serviço da melhoria da vida dos cidadãos desse país. Uma instituição pública poderia ser criada como sua administradora. Estes dados devem ser utilizados apenas para pesquisas e políticas públicas, num princípio de solidariedade de dados, no qual os cidadãos são claramente solicitados a conceder permissão para a utilização dos seus dados.
1. Regular as atividades das corporações digitais de acordo com objetivos de desenvolvimento socioecológico e implementar um princípio de responsabilidade algorítmica, tornando as empresas legalmente solidárias pelas consequências das características específicas dos seus serviços digitais.
2. Proibir o uso não autorizado de conteúdo da Internet para treinar modelos de IA e exigir que as empresas solicitem ativamente essa permissão, usando formulários fáceis de entender e com um clique.
3. Garantir que a adoção de pesquisas com financiamento público por empresas de tecnologia estabeleça condições fiscais, sociais e ecológicas, incluindo acesso público aos resultados, modelos e dados utilizados.
4. Criar uma obrigação de partilha de dados em caso de contratação pública, onde cada empresa com um contrato de aquisição, licitação ou licenciamento deve compartilhar com o setor público todos os dados coletados como parte da prestação do serviço em formato editável.
5. Fornecer ao estado uma golden share5 em importantes corporações digitais. Fora dos países de origem das empresas, uma golden share em afiliadas locais
6. Exigir que grandes corporações digitais divulguem seus acordos com outras organizações e um resumo do seu conteúdo, incluindo os seus investimentos em think tanks, universidades e organizações de consumidores.
Um primeiro passo, mas decisivo
Outra realidade digital é possível. Contudo, não resultará de pequenos ajustes ou de grandes investimentos nas mesmas velhas políticas que reforçam o status quo. Um ecossistema digital para as pessoas e para o planeta exige o compromisso das comunidades e dos seus governos para trabalharem juntos e de forma coordenada para retomar o poder das empresas tecnológicas irresponsáveis, recuperar o acesso ao conhecimento e aos dados criados coletivamente e redistribuir os lucros tecnológicos concentrados. A atual abordagem sobre a tecnologia permite que poucos se beneficiem do trabalho coletivo de muitos e sustenta um vasto aparelho de vigilância utilizado para controlar as pessoas em todas as áreas das suas vidas.
O sucesso final das nossas propostas depende de um esforço internacional concertado. Mas acreditamos que países individuais em todo o mundo e a União Europeia podem aumentar os seus graus de soberania digital através da implementação de regulamentos fundamentais e da promoção dos primeiros passos de um ecossistema digital verdadeiramente liderado pelo público.
Cada jurisdição pode avançar os alicerces que serão necessários para concretizar a nossa estratégia proposta a nível local, nacional e regional. Acima de tudo trata-se de: i) um ecossistema liderado pelo público verdadeiramente público, internacional e ecológico (com infraestrutura material pública, plataformas universais e um mercado público para serviços de computação que os Estados deverão adquirir), e ii) uma expansão da educação dos cidadãos sobre os riscos, limitações e efeitos das tecnologias digitais, particularmente do ecossistema atual controlado pelas grandes corporações. Enquanto a primeira é uma pré-condição para a construção de uma alternativa, a segunda é essencial para fazê-la democrática e para construir um novo senso comum sobre a razão pela qual as grandes empresas tecnológicas não podem fazer parte da solução.
Estas medidas são apenas o começo. Por exemplo, a nuvem pública exige talento e é preenchida com serviços digitais, o que nos liga a outras propostas descritas neste
5 Um tipo de ação que permite que seu proprietário supere todos os outros acionistas em determinadas circunstâncias.
documento. Nossas recomendações fazem parte de um plano inter-relacionado, não um menu para escolher alguns itens. Este é particularmente o caso das infraestruturas públicas digitais (DPI, na sigla em inglês), incluindo serviços como pagamentos eletrônicos e troca de dados. Isoladamente, os DPIs se tornam outro serviço que será executado nas nuvens das grandes corporações – outra maneira de fazer com que cada indivíduo e organização na Terra se juntem às suas plataformas.
Somente com uma infraestrutura digital material verdadeiramente pública e ecologicamente sustentável seria possível expandir o software livre e construir DPIs que não sejam uma via para consolidar o controlo antidemocrático das corporações sobre as nossas sociedades.
Como nota final, gostaríamos de destacar que este documento é o resultado de um exercício deliberativo que nasceu de uma carta de apoio contra as reações autoritárias das grandes corporações tecnológicas e as tentativas de impor suas tecnologias ao setor público no Brasil. A maioria de nós tem trabalhado durante anos para examinar minuciosamente o capitalismo digital de hoje e descobrir os mecanismos concretos utilizados pelas Big Tech e outras empresas para extrair sistematicamente dados, conhecimento, valor e natureza para os seus próprios fins. Como se tratavam de esforços descoordenados, não foram suficientes. Então, decidimos trabalhar em uma alternativa concreta. Fizemos isso o mais rápido que pudemos, reunindo e sistematizando contribuições de mais de 40 pessoas e organizações em menos de dois meses.
Longe de encerrar o diálogo democrático que abrimos entre nós, este documento pretende expandi-lo. Aqui, oferecemos um primeiro passo ao tentar delinear um conjunto abrangente de recomendações para um conglomerado digital para as pessoas e para o planeta. O resultado é um ponto de partida, mas também uma provocação, que resulta de um exercício criativo contínuo para imaginar mudanças ousadas, mas urgentes e necessárias para construir um mundo melhor para todas as pessoas.
À medida que as grandes corporações tecnológicas continuam a expandir-se, a entrar em novos setores e geografias e a desenvolver novas estratégias, a nossa contraofensiva deve ser igualmente ágil – mas sempre democrática. Nós te convidamos a se envolver conosco no que consideramos um passo a frente obrigatório e, coletivamente, a colocar a nossa imaginação política a serviço de tornar estas propostas, e as que virão, uma realidade.

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