GT BRICS Informe 3 – 31/03/25
Maria Luiza Falcão Silva
Membro do GT BRICS/ABED
O Brasil ocupa este ano a presidência do BRICS+, agrupamento formado por doze países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e pelos novos membros permanentes incorporados ao agrupamento a partir da XIV Cúpula do grupo em Johanesburgo, na África do Sul, em 2023: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã. A Indonésia incorporou-se depois. O BRICS dobrou de tamanho, virou o BRICS+.
Há ainda os países ditos parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. O Uruguai e a Argélia estão em vias de adesão.
A XVI Cúpula do BRICS se realizará no Rio de Janeiro entre 6 e 7 de julho de 2025.
O Brasil sediará, também, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas da UNFCCC (sigla para United Nations Framework Convention on Climate Change) ou Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - COP30 -, que ocorrerá entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará.
Será uma COP inédita uma vez que ocorre no ano em que se celebra os dez anos do histórico “Acordo de Paris” de 12 de dezembro de 2015, e pela simbologia de ser realizada na região da Floresta Amazônica. Será uma COP permeada por conflitos e pelo estrago que o governo Trump tem feito com relação à agenda climática.
No passado, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris durante o primeiro governo de Trump (2017-2021), teve implicações significativas para a geopolítica climática global e, indiretamente, para o grupo BRICS original (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
É possível identificar pelo menos cinco impactos dessa decisão no progresso do bloco:
1. Oportunidade para Liderança Climática do BRICS
A retirada dos EUA do Acordo de Paris criou um “vácuo de liderança global” nas negociações climáticas. Isso permitiu que países do BRICS, especialmente China e Índia, assumissem um papel mais proeminente: A China reforçou seu compromisso com metas de neutralidade de carbono (como o anúncio de carbono neutro até 2060) e expandiu investimentos em energias renováveis.
A Índia lançou iniciativas como a “Aliança Solar Internacional” e aumentou sua capacidade de energia solar, posicionando-se como voz crítica de nações em desenvolvimento nas negociações climáticas. O Brasil (antes de 2019) e a África do Sul tinham potencial para liderar agendas ambientais, embora enfrentassem contradições internas - desmatamento no Brasil e dependência de carvão na África do Sul.
2. Pressão e Responsabilização
A ausência dos EUA aumentou a pressão sobre os BRICS para compensar a falta de ambição climática global:
- Países emergentes, historicamente críticos da responsabilidade climática desigual (já que nações industrializadas, como os EUA, emitiram mais historicamente), foram cobrados a assumir compromissos mais ousados.
- A China, maior emissora atual de CO2, enfrentou demandas internas e externas para acelerar sua transição energética, mesmo mantendo dependência do carvão.
3. Cooperação Intra-BRICS em Energia e Tecnologia
A saída dos EUA incentivou projetos conjuntos no bloco:
- O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) financiou projetos de energia renovável nos países membros, como parques solares na Índia e infraestrutura sustentável na África do Sul.
- Transferência de tecnologia: China e Índia colaboraram em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas, enquanto o Brasil explorou biocombustíveis.
- A Rússia, menos ativa em renováveis, manteve foco em exportação de combustíveis fósseis, mas buscou parcerias com a China em gás natural (considerado "ponte" para a transição energética).
4. Impacto nas Negociações Globais
A postura dos Estados Unidos sob Trump enfraqueceu a coordenação multilateral, mas também abriu espaço para os BRICS influenciarem agendas:
- Na COP26 (2021), China e Índia pressionaram para alterar o texto final sobre "eliminação gradual do carvão", refletindo suas realidades energéticas.
- O BRICS passou a defender que países desenvolvidos financiem a transição energética de nações pobres, um tema central em conferências climáticas.
5. Repercussões Econômicas
- Mercados de carbono: A saída dos EUA estimulou a China a lançar seu próprio mercado de carbono em 2021, enquanto o BRICS discutia mecanismos regionais de precificação de emissões.
- Sanções e comércio: Restrições ocidentais a setores poluentes (ex.: carne brasileira ligada ao desmatamento) pressionaram o bloco a buscar mercados alternativos.
Apesar das oportunidades, o grupo enfrentou desafios internos:
- O Brasil sob Bolsonaro (2019-2022) apresentou retrocessos em políticas ambientais, aumento do desmatamento na Amazônia, e tensões diplomáticas com a Europa que afetaram a credibilidade do país em fóruns climáticos.
- A Rússia priorizou interesses econômicos em hidrocarbonetos, limitando seu engajamento em metas climáticas.
- Índia vs. China: Disputas geopolíticas no Himalaia e competição por recursos energéticos dificultaram alinhamentos climáticos mais profundos.
Assim, a saída dos EUA do Acordo de Paris sob Trump fortaleceu a influência relativa do BRICS na governança climática global, mas também expôs as limitações do grupo devido a divergências internas e contradições entre discurso e prática. Enquanto China e Índia aproveitaram para projetar liderança, outros membros, como Brasil (sob Bolsonaro) e Rússia, priorizaram agendas nacionais contrárias à sustentabilidade.
O retorno dos EUA ao Acordo sob Biden (2021) reequilibrou parcialmente o cenário, mas o legado do período Trump alertou para o potencial dos BRICS de moldar a ordem climática global, desde que superem suas próprias contradições.
Um segundo governo de Donald Trump e a escolha do Brasil para sediar a COP30 em 2025, em Belém (Pará), inserem novas dinâmicas geopolíticas e climáticas que podem redefinir o papel do agora BRICS+ nas negociações globais. Abaixo, uma análise dos potenciais impactos.
Trump 2.0 e o Retrocesso Climático
O segundo mandato de Trump, a partir de 20 de janeiro de 2025, veio para reforçar políticas semelhantes às de seu primeiro governo, com ênfase em:
1. Desmonte de políticas climáticas com a revogação de incentivos a energias renováveis, apoio a combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) e saída renovada do Acordo de Paris.
2. Unilateralismo e tensões comerciais com imposição de tarifas contra a China e um número grande de países, afetando cadeias globais de energia limpa (ex.: painéis solares, baterias).
3. Restrições dos EUA a empresas de tecnologia chinesas (como Huawei)
4. Boicote ao uso de carros elétricos produzidos pela China
5. Redução de financiamento climático por meio de cortes em contribuições a fundos internacionais, como o Fundo Verde para o Clima, crítico para países em desenvolvimento.
Mais uma vez surge um vácuo de liderança, com oportunidades e pressões sobre o BRICS+ para preencher esse espaço.
Oportunidades para a China:
Cria-se uma oportunidade para a China como ‘contrapeso climático.
Como maior emissor global e líder em tecnologias verdes (ex.: veículos elétricos, energia solar), China usaria o BRICS para ampliar sua influência, promovendo iniciativas como o “Global Development Initiative – Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI na sigla em inglês)”.
A Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI) é uma proposta chinesa para o desenvolvimento mundial. O objetivo é ajudar os países a expandir a sua capacidade de desenvolvimento socioeconômico. A China persegue um objetivo de desenvolver seus parceiros em prol da realização dos ODS da Agenda 2030 e de benefícios recíprocos. Em outubro de 2022, mais de 100 países e organizações internacionais expressaram o seu apoio à GDI e mais de 60 países se juntaram ao Grupo de Amigos do GDI na ONU.
Essa iniciativa se agrega à BRI lançada em 2013 pelo governo da China. A iniciativa visa:
- Conectar a China com o resto do mundo
- Desenvolver um mercado expandido e interdependente para a China
- Aumentar o poder econômico e político do país
- Construir uma economia de alta tecnologia
A BRI é um dos maiores projetos de infraestrutura da Nova Rota da Seda, que também inclui a Ponte Terrestre Eurasiática.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) se fortalece como fonte de financiamento de infraestrutura sustentável para os países do BRICS. A maior fonte de recursos do NDB é a China
Brasil: Anfitrião da COP30 sob Pressão
O governo Lula busca reposicionar o Brasil como líder ambiental, revertendo a imagem negativa do período Bolsonaro. A COP30, na Amazônia, seria um palco para:
- demandar financiamento internacional para preservação da Floresta e bioeconomia.
- mediar conflitos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, especialmente na ausência dos EUA.
- acelerar acordos bilaterais como, por exemplo, Brasil e África do Sul em energia renovável, mineração de críticos (lítio, níquel) e mercados de carbono.
No entanto, Trump estará vigilante para criticar acordos climáticos e pressionar o Brasil via sanções comerciais, fragilizando a posição negociadora brasileira.
Índia e África do Sul: Dilemas Energéticos
A Índia, dependente de carvão, pode buscar apoio do BRICS para equilibrar metas climáticas com crescimento econômico, mas enfrentará atritos com a China por recursos (ex.: acesso a minerais para energia limpa).
A África do Sul, em transição justa (Just Energy Transition Partnership), dependerá mais do NDB se o financiamento ocidental minguar sob Trump.
A Rússia: Isolamento e Combustíveis Fósseis
- Sob sanções ocidentais devido à guerra na Ucrânia, a Rússia aprofundaria parcerias energéticas com China e Índia (ex.: gasodutos, petróleo com desconto), contradizendo agendas climáticas do BRICS.
- Moscou tentaria usar o bloco para legitimar seu papel global, mesmo como pária ambiental.
Novos Países
A expansão do agrupamento BRICS a partir da XV Cúpula dos BRICS, em Johanesburgo, na África do Sul aumentou a visibilidade do bloco perante o mundo e a expressão dos membros em negociações e acordos comerciais. Com essa nova formação, o bloco representa em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
Embora diversos, são países com algumas características semelhantes como: grande extensão territorial, riqueza de matérias primas, disponibilidade de mão de obra - concentram 42% da população mundial - e grande mercado consumidor. Assim, cada vez mais o BRICS+ se consolida como fórum de articulação política - diplomática de países do Sul Global e de cooperação nas mais diversas áreas.
Com relação à ambição climática - disposição de se engajar na agenda de combate aos combustíveis fósseis de uma forma geral - é bom lembrar que pelo menos três são membros da OPEP – Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos -, países muito ricos em petróleo. Indonésia e Egito embora não pertençam à OPEP também são ricos em petróleo. O mesmo acontece com China, Rússia, Brasil e Indonésia, que embora ricos em petróleo não fazem parte da OPEP.
A Etiópia é um dos países que hoje mais cresce na economia global apelidada da “China da África”. Há fortes parcerias com a China. Entre 2000 e 2015, quase 14% dos empréstimos que a Etiópia recebeu foi do governo chinês, com juros e condições de pagamento bem mais sedutores que no resto do mercado global. As taxas de crescimento antes da pandemia de Covid -19 se situavam entre 7% e 12%. País pequeno em extensão territorial, mas que vem se destacando na África.
Indonésia é o quarto país mais populoso do mundo, com uma população de mais de 282 milhões, em 17.000 ilhas. Com uma economia de mais de um trilhão de dólares, a Indonésia também é membro do G20 e atualmente é presidente da Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN - formada por Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia, Brunei, Vietnã, Mianmar, Laos, Camboja. O Brasil tem forte laços comerciais com a ASEAN, a China mais ainda.
A Indonésia é uma grande produtora de grãos. É o maior produtor de óleo de palma (maior produtor do mundo); de arroz (3º maior produtor do mundo, somente atrás de China e Índia); e de milho (6º maior produtor do mundo). O país é grande exportador de petróleo, estanho e borracha. Grande parte de sua população continua vinculada à agricultura de subsistência, à pesca e à exploração florestal. Potencialmente, tem um grande mercado consumidor interno. Sua taxa de crescimento do PIB, nos últimos anos, é das maiores do mundo, em torno de 5% ao ano.
Com pouco tempo no BRICS é cedo para dizer como se comportarão na COP 30, mas, sem dúvidas, os novos integrantes do BRICS enfraquecem a liderança do Brasil e favorecem o projeto da China para ampliar sua influência geopolítica no mundo. Internamente, a China já é a principal potência do grupo, composto por países periféricos e emergentes que têm interesse em investimentos do gigante asiático.
A COP30 no Brasil: Cenários em um Mundo Fragmentado
A COP30 ocorrerá em um contexto de algumas rupturas geopolíticas:
- EUA ausentes ou disruptivos: Como Trump abandonou o Acordo de Paris novamente, o Brasil precisará articular uma coalizão alternativa (talvez BRICS + União Europeia) para viabilizar avanços.
- BRICS como terceira força: O grupo poderá pressionar por:
i) Metas adaptadas a realidades nacionais (ex.: tratamento diferenciado para economias emergentes);
ii) Mecanismos de financiamento inovadores, como impostos globais sobre combustíveis fósseis;
iii) uso de moedas locais em transações climáticas.
O sucesso da COP30 dependerá não apenas da capacidade do Brasil de apresentar a Amazônia como “símbolo” para tanto, urge frear o desmatamento e atrair investimentos em bioeconomia. Mas, também, e fundamentalmente da atuação de sua diplomacia de forma muito habilidosa para enfrentar desafios para a coesão do BRICS, mediando os conflitos internos, no sentido de solidificar sua liderança na ausência dos Estados Unidos e de uma Europa em situação de extrema fragilidade na geopolítica mundial. Pressões internas (ex.: agronegócio) e externas (ex.: desconfiança de europeus) persistirão.
Há que enfrentar discórdias de várias ordens entre os próprios membros do BRICS:
1. Conflitos bilaterais: Tensões sino-indianas (fronteira, rivalidade tecnológica) e divergências sobre a guerra na Ucrânia (apoio russo x neutralidade brasileira) podem limitar ações conjuntas.
2. Competição por recursos: China e Índia disputarão acesso a minerais críticos na África e América Latina, essenciais para a transição energética.
3. Falta de engajamento no sentido do que se convencionou chamar de “ambição climática”: Rússia e África do Sul continuarão dependentes de combustíveis fósseis, dificultando um discurso unificado.
Resumindo: o segundo governo Trump intensificou a polarização global, colocando o BRICS em uma encruzilhada: em um cenário positivo, o agrupamento BRICS assumiria a liderança climática, usando a COP30 para promover financiamento alternativo, tecnologias verdes e justiça ambiental, capitalizando a ausência dos EUA. Em um cenário negativo, divergências internas e dependência de combustíveis fósseis limitariam sua influência, enfraquecendo a COP30 e reforçando a narrativa de que "ninguém lidera" a agenda climática.
O Brasil, como anfitrião, terá o desafio de equilibrar sua “ambição ambiental” com a necessidade de manter relações pragmáticas tanto com os EUA (segundo maior parceiro comercial) quanto com o BRICS.
O sucesso dependerá de:
1) articulação diplomática ágil para evitar boicotes e atrair compromissos financeiros.
2) pressão interna por resultados concretos, como redução do desmatamento e investimentos em energia solar e hidrogênio verde.
3) cooperação técnica com China e Índia em ciência climática e infraestrutura resiliente.
O governo Trump 2.0 promete amplificar as contradições do BRICS, mas também oferece uma janela de oportunidade para o grupo reivindicar um novo modelo de governança climática — desde que supere suas próprias fissuras.
Para finalizar, cabe destacar que realizada na cidade de Belém, porta de entrada para a Amazônia, a cúpula coloca o nexo clima-natureza em destaque, enquanto os líderes tomam decisões que moldarão o futuro da floresta tropical e das comunidades das quais são hóspedes.
Soa estranho que os sistemas alimentares, o maior impulsionador do desmatamento e responsável por cerca de um terço das emissões globais, parece que serão mais uma vez marginalizados na COP 30. Parece contraditório, mas apesar de serem altamente vulneráveis ??às mudanças climáticas, esses sistemas também têm imenso potencial para manter as mudanças climáticas sob controle. Ignorá-los pode ser uma oportunidade perdida para o Brasil reforçar sua liderança.
Fica a pergunta: por que uma das soluções climáticas mais poderosas foi deixada de fora da Agenda da COP30?
Sugestão:
Ver a agenda da COP30, recentemente definida pelo seu presidente, o embaixador André Aranha Corrêa do Lago. Segundo o embaixador, o Ministério da Fazenda está ajudando a estruturar uma proposta para garantir um financiamento de US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para os países em desenvolvimento.