Ipea analisa perfil dos gastos públicos derivados de emendas parlamentares no Brasil
14 de maio de 2025
imagem: Helio Montferre/ipea
texto: IPEA
Estudo preliminar entregue ao Mdic examina recursos destinados a políticas de saúde, educação e trabalho .
Emendas parlamentares vêm assumindo papel cada vez mais relevante na composição do orçamento federal, mas o tamanho e o impacto desse gasto variam entre setores. Para compreender melhor essas dinâmicas, um estudo está sendo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic).
Na primeira etapa, foi feito um estudo descritivo do perfil dos gastos públicos derivados de emendas parlamentares em políticas de educação, saúde e emprego, além de uma revisão da literatura sobre gasto público de origem parlamentar no Brasil, os tipos de critérios que orientam a alocação desses recursos e seus possíveis impactos sobre o bem-estar da população.
Na segunda fase, será feita análise de impacto das emendas nesses setores e uma análise institucional das regras vigentes, para identificar o quanto elas impactam as relações entre os poderes Executivo e Legislativo.
“Esses estudos estão relacionados a um tema ao qual o Ipea se dedica, que é a discussão sobre as relações entre poderes. O crescimento acentuado das emendas parlamentares no período recente é um aspecto adicional na configuração dessas relações e que está em grande evidência no debate público. Até o fim do ano concluiremos a segunda etapa e a previsão é que um livro reunindo esses estudos seja publicado em meados de 2026”, explicou a diretora de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, Luseni Aquino.
Resultados
Resultados preliminares mostram que, em 2023, as emendas parlamentares representaram 52,5% dos gastos discricionários em saúde. Em 2014, significavam 18,6%.
Nas políticas de educação e emprego, a proporção foi menor no último ano da série: 5% e 14,95%, respectivamente. Ainda assim, o aumento foi significativo, se comparado a 2014, quando as emendas parlamentares representavam menos de 1% das despesas discricionárias em ambos os setores.
Em valores absolutos, isso significa que o gasto com educação vindo de emendas parlamentares passou de R$ 360,2 milhões em 2014 para R$ 1,75 bilhão em 2023, enquanto nas políticas de trabalho, emprego e renda o valor saltou de R$ 2,7 milhões para R$ 125 milhões neste mesmo período.
Na análise, são destacados estudos anteriores que alertam sobre preocupações trazidas pelo aumento da participação das emendas parlamentares no financiamento e na organização dos SUS: volumes expressivos são destinados a municípios de pequeno porte; as emendas não consideram indicadores de saúde da população e o planejamento da oferta de serviços especializados nas regiões e macrorregiões de saúde; a inconstância dos valores recebidos de um ano para o outro pode criar dificuldades na programação da oferta de serviços.
“O Ipea já tem diversos estudos sobre papel das emendas parlamentares no financiamento da saúde pois o volume nesse setor é muito maior do que em qualquer outra área. Achados anteriores mostram, por exemplo, que na saúde as emendas parlamentares não têm contribuído para a redução de desigualdades no financiamento. Mas a partir de agora vamos avançar e tentar entender em que medida as emendas impactam em indicadores associados não só à saúde, mas também à educação e ao trabalho”, sintetizou a coordenadora-geral da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Joana Costa.
Mudanças no orçamento
O crescimento do gasto público proveniente de emendas parlamentares decorre de mudanças institucionais que alteraram a distribuição de poderes sobre o orçamento. Se antes o Poder Executivo é quem tinha a decisão final, agora é obrigatória a execução das emendas orçamentárias individuais e de bancada, sendo que pelo menos 50% delas devem ser aplicadas na saúde. Além disso, emendas individuais têm uma modalidade de repasse que dispensa a associação a programas do governo federal (as transferências especiais, conhecidas como “emendas pix”).
“Uma série de estudos mostra que, antes da mudança constitucional, o Executivo condicionava a liberação do recurso ao apoio às políticas. É uma tese, mas tem outros estudos que dizem que não era bem assim, que isso ocorria, mas há um debate sobre a extensão e o quão determinante era. Em 2014 a regra mudou: as emendas aprovadas tinham que ser executadas e o que restou ao Executivo é definir em que momento do ano vai liberar, o que dá margem de barganha, mas não muita. Então, aparentemente o Executivo perdeu uma moeda de troca muito importante, mas as implicações ainda não estão claras, as investigações ainda estão no início”, ponderou Acir Almeida, um dos técnicos de planejamento e pesquisa do Ipea envolvidos no estudo.
Para avançar nessa compreensão, a segunda etapa do estudo prevê análises das regras vigentes, para identificar quais aspectos elas afetam (distribuição do poder, transparência, controle interno), e uma comparação com experiências internacionais. A ideia é que essas análises sejam convertidas em um conjunto de recomendações para o Congresso.
Destinação
Nas políticas de trabalho e emprego, as emendas parlamentares são destinadas principalmente a despesas de custeio. Entre 2014 e 2023, as categorias “empregabilidade” e “fomento ao emprego” alcançaram participação superior a 60% e “desenvolvimento científico” chegou a mais de 20% em alguns anos. Por outro lado, não houve recursos alocados para “educação de jovens e adultos”.
Em educação, há participação mais elevada dos investimentos, sendo que a educação básica recebeu 46,5% dos recursos das emendas, com grande variação entre os anos.
Na saúde, as despesas de capital detinham maior parcela dos recursos nos anos iniciais, mas a partir de 2016 as ações de custeio tornaram-se majoritárias. Na maioria dos anos, mais de 90% dos recursos foram destinados ao financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Atenção Especializada à Saúde (AES).
Regiões
Nas políticas de trabalho, a maior parte das despesas por emendas parlamentares está concentrada nas regiões Nordeste e Sudeste. Por outro lado, há baixa participação da região Centro-Oeste, que por seis anos não recebeu nenhum valor de emenda para essa área.
Na educação, a região Sudeste recebeu 34% dos recursos, mas possui 42% da população. Essa proporção também é menor na região Nordeste (18% dos recursos para 27% da população). No Sul, a relação é mais próxima, 11% e 14%, respectivamente. Em contrapartida, as regiões Norte e Centro-Oeste receberam recursos das emendas (20% e 17%) em proporção superior ao tamanho das suas populações (9% e 8%).
Por fim, na saúde todas as regiões tiveram crescimento das despesas entre 2014 e 2023, mas os resultados são muito discrepantes para a região Centro-Oeste: a diferença de participação das emendas parlamentares nas despesas ao longo dos anos pode variar em 38 pontos percentuais entre a menor participação (7,6% em 2021) e a maior participação (45,2% em 2016).
Verificar se essa distribuição desigual teve algum efeito compensatório sobre as desigualdades que historicamente marcam o acesso a bens e serviços no país é um dos objetivos dos estudos em desenvolvimento.
publicação original:

A corrosão da cultura acadêmica
Clique aqui e confira mais detalhes sobre A corrosão da cultura acadêmica
Saiba mais
Um começo de ano fraco e incerto
Clique aqui e confira mais detalhes sobre Um começo de ano fraco e incerto
Saiba mais
25 anos da Guerra da Água
Clique aqui e confira mais detalhes sobre 25 anos da Guerra da Água
Saiba mais
A taxa de juros e a política econômica do poder: no longo prazo todos estaremos mortos
Clique aqui e confira mais detalhes sobre A taxa de juros e a política econômica do poder: no longo prazo todos estaremos mortos
Saiba maisDeixe seu comentário!
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo