O Brasil deixando de incidir mais firmemente sobre a saída da crise global
6 de maio de 2025
imagem: ABED
Desde a posse de Donald Trump, para exercer seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos da América, o mundo está em permanente insegurança, ampliada pelas declarações bombásticas do mandatário norte-americano. As bravatas eleitoreiras, ainda que condenáveis, podem ser entendidas, pois no jogo midiático em que a direita tem expertise ímpar, a narrativa vale mais que os fatos. Nesse contexto, fazer a América grande outra vez (Make America Great Again, MAGA, na expressão inglesa) tem um forte apelo político e ideológico.
O projeto do MAGA, utilizando imposição de elevadas tributações sobre produtos importados por aquele país, apresenta aspectos que podem gerar o fim das instituições que regulam o ordenamento relações entre as nações desde o final da Segunda Guerra Mundial e, por consequência, impor dificuldades para construção de um multilateralismo global. No paradigma eletromecânico fordista, os Estados Unidos foram elevados à condição de potência mundial. Com o avanço da eletrônica e da inteligência artificial, mudaram drasticamente as relações nas formas de produzir, comercializar, transportar, financiar, consumir e da logística exigida por essa nova base tecnológica de altíssima produtividade.
Para dar conta dessa nova realidade, as empresas passaram a ser globais, pertencentes a diversas holdings, controladas por fundos de investimentos com capitais de diversos países, que visam apenas lucros de curto prazo e liquidez. Os mercados de capital no mundo global funcionam vinte e quatro horas por dia e, através dos novos meios de comunicação, como os supercomputadores e o uso cada vez mais intensivo da inteligência artificial, operam em transações instantâneas, possibilitando aos grandes investidores maximizarem sua rentabilidade a nível global.
Por sua vez, as empresas industriais globais, aproveitando as grandes economias de escala obtidas em suas plantas industriais dotadas de processos produtivos de última tecnologia, espalharam pelo mundo suas unidades e/ou fornecedores, onde produzem ou adquirem componentes e partes de seus produtos de forma a obterem maior competitividade, além de obter vantagens financeiras e tributárias quando do comércio intrafirma.
As sete empresas americanas que os meios de comunicação de mercado chamam de “Sete Magníficas”, que possuem rede de suprimento global [Tesla, Alphabet (holding do Grupo Google), Amazon, Apple, Meta, Microsoft e Nvidia], além da IBM, Merck, Intel, Procter & Gamble, tiveram perda de valor de suas ações após a imposição das tarifas. Fundos de investimento e de pensão daquele país, estão apreensivos diante da expectativa de queda dos valores de seus investimentos.
As consequências da política de substituição de importações, impondo tarifas sobre as compras externas levada adiante pelo governo Trump, são incertas e, no curto-prazo representarão, se efetivada, um descarrilhamento da economia global tal qual estruturada hoje, com forte desaceleração e/ou recessão. A partir daí, as incertezas prevalecem.
Para muitos analistas, essa política tarifária é um blefe, uma vez que, no fundo, o governo americano buscar estancar a rápida e aparentemente incontrolável elevação de seu déficit fiscal. Portanto, é ele que dá origem à escalada protecionista republicana, pois fica evidente que Trump não daria a “cara para o mundo bater”, se ele não tivesse respaldo de seu partido, que diariamente carimba seus atos, embora a dívida pública tenha batido na casa de US$35,5 trilhões em 2024, acossada por inflação e déficit fiscal ascendentes. Foi este cenário pré-caótico que levou o eleitor a mudar o governo e eleger Trump e suas ideias protecionistas. Mas tudo leva crer que o romance não terá final feliz. Ao final dos primeiros 100 dias de seu governo, sua taxa de rejeição supera os 55%.
Por outro lado, se as declarações de Trump ficassem restritas ao território norte-americano, não passariam de bravatas eleitoreiras. Todavia, em um mundo que se tornou globalizado comercialmente, pela ação das empresas multinacionais que se instalaram em países periféricos em busca de redução de custos operacionais de produção, o zeramento de tarifas de comércio exterior pode, em tese, ser substituído pela aplicação de tarifas de importação. Todavia, ao atingirem os produtos fabricados nesses países periféricos e no conjunto de países do mundo, que se destinam ao mercado norte-americano, elas têm dois efeitos imediatos: i) travamento da economia e, ii) aumento de preços internamente.
Assim, ainda que países como Tailândia, Vietnam, Camboja, Laos, Paquistão, Bangladesh e outros do sul da Ásia, além do México, possam ser classificados como periféricos, a China, que inicialmente foi transformada na “fábrica do mundo”, está muito longe de ser periférica. Ao contrário, a depender do critério de análise adotado, ela já ostenta a condição de maior economia do mundo. Também não pode ser desconsiderado o Japão, que até poucos anos atrás era a segunda economia do mundo. Por fim, some-se a isso a pujança da Coreia do Sul, com suas indústrias naval, automobilística e de bens eletrônicos e de capital. Todos esses países abrigam plantas industriais de empresas cujas sedes estão situadas nos chamados países centrais do capitalismo, em especial os EUA e, em maior ou menor escala, têm seus mecanismos de proteção. Mas com as tarifas de importação impostas pelo governo Trump, muitos desses empreendimentos ficam inviabilizados.
Portanto, a ideia de transformar a América grande outra vez, através da promoção de uma guerra comercial, pode ser literalmente um “tiro no pé” nas pretensões trumpistas e de todos aqueles que defendem uma reserva de mercado, incabível num mundo em que as cadeias de suprimentos e produção estão disseminadas por todos os cantos do planeta. A possibilidade de sucesso de tal tipo de política pode implicar uma modificação estrutural da produção mundial, com políticas industriais ativas que permitam essa alteração em um tempo mais curto, e com investimentos trilionários. Vale observar que, até aqui, já havia uma forte crítica à difusão de cadeias de produção mundo afora pelo lado do gasto forte de energia, e suas evidentes consequências ambientais.
As queixas dos setores industriais e do agronegócio norte-americano já dão mostras que essa política poderá não se sustentar por muito tempo. Some-se a isso os movimentos financeiros da China e de outros países importantes na busca de mitigar os riscos de ficarem atrelados ao dólar, seja realizando suas trocas comerciais em outras moedas, seja se desfazendo de suas reservas em títulos do Tesouro norte-americano, ambos com efeitos desestabilizadores do dólar, e com vistas à valorização e internacionalização do yuan e do ouro, no curto-prazo.
Diante desse cenário nada promissor, como se comporta o Brasil? Se considerarmos que hoje está claro que a “guerra das tarifas” é, na verdade, uma guerra por equilibrar a balança comercial dos Estados Unidos com a maioria dos países com que a nação americana mantém transações comerciais, o Brasil, por ser deficitário nessa relação, foi taxado com “apenas” 10%, sem prejuízo das taxações impostas pelos americanos ainda no primeiro governo Trump. Mas isso é o bastante, ou deveríamos estar buscando alternativas para não ficarmos dependentes de um parceiro comercial não confiável? A resposta certamente é sim. Por tal razão, movimentos de aproximação com as nações integrantes dos BRICS são fundamentais. Esse é o momento em que o país deveria estar integralmente voltado a construir a melhor estratégica possível, de modo a se inserir nesse mundo em convulsão, buscando extrair vantagens, paradoxalmente bloqueadas em tempos de calmaria.
Neste momento, nossas energias deveriam estar focadas na busca de incidir no debate internacional procurando espaços para alternativas de desenvolvimento para o país, buscando a reativação sustentável da economia, o que não pode ser feito cristalizando uma posição de país puro e simples exportador de commodities, passando pela solução de mazelas sociais (habitação, transporte, saneamento, saúde, segurança pública, educação, dentre outras).
Do ponto de vista dos economistas, é fundamental perceber a importância da discussão. A crítica corriqueira dos setores dominantes e da grande mídia ao tarifaço trumpista é a defesa de um idílico mundo de um comércio totalmente liberado e com tarifas zeradas, onde os países se integram ao sistema internacional de acordo com suas vantagens comparativas estáticas. Esse mundo, de fato nunca existente, mas para o qual se buscava caminhar desde a liberalização comercial e financeira da última década do século passado, sempre foi um mundo hostil ao desenvolvimento inclusivo. De fato, foi o mundo em que países como o Brasil se desindustrializaram e caminharam para uma espécie de especialização regressiva, cada vez mais focada na inserção internacional através do comércio de commodities agrícolas, minerais e energéticas. É isso que, ao menos que se surja uma foz forte do ponto de vista de governos do chamado Sul Global, continuarão nos oferecendo a União Europeia ou a China, para ficar em apenas dois gigantes internacionais com os quais nos relacionamos.
Portanto, é crucial aproveitar esse momento em que a liberalização comercial fraqueja para rediscutir o conjunto de funcionamento da economia mundial, redefinindo novas regras gerais nesse cenário que permitam a países como o Brasil fazerem a inclusão social, a transição energética que priorize a questão ambiental, e a retomada da industrialização, possibilitando uma nova dinâmica produtiva. Contudo, temos que ter muito cuidado para não cair no “canto de sereia” dos setores hegemônicos, que querem aproveitar as medidas destrambelhadas de Trump para tentar reviver, ao menos no discurso, uma defesa firme do livre comércio e do livre fluxo de capitais, um mundo que sempre se mostrou bastante hostil às nossas possibilidades de um desenvolvimento alternativo, mais inclusivo e menos desigual.
Grupo de Análise dos Impactos da Crise
Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED
Equipe Técnica: Ademir Figueiredo, Adhemar Mineiro (Coordenação), Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva, Eron José Maranho, Jaderson Goulart Junior, José Moraes Neto e Juarez Varallo Pont.
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