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Trump, o dólar e o Brasil

11 de abril de 2025

imagem: ABED

texto: Luiz Martins de Melo

Apesar dos esforços da humanidade para domá-la, a incerteza continua sendo uma parte inevitável da vida diária. Muitos depositam suas esperanças na inteligência artificial e que a tecnologia traga ordem ao caos. É provável que tenhamos que nos resignar a navegar em um mundo cada vez mais incerto. Pensamento de transição, teorias da história, compreensão da mudança em termos de uma lógica de tensão, crise e resolução, esses são hábitos mentais difíceis de quebrar. A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo, mas o novo não pode nascer. Esse é o cerne da crise, da incerteza.

Muitos deterministas argumentam que a história entregará essa resolução. Após um1 período de tensão, a dissonância se resolverá em nova harmonia. A tensão não se resolve sozinha. Esse pensamento situa essa tensão dentro de um cenário dramático no qual a eventual resolução na forma do “novo” é prometida. E essa promessa é reforçada pela referência ao período atual como um período entre duas hegemonias separadas. É apenas uma questão de tempo até que o novo regnum chegue.

A eleição de Trump inaugura um período desse tipo. A hegemonia geopolítica construída pelos EUA no fim da Segunda Guerra Mundial, o sistema de Bretton Woods, chegou ao fim. Esse sistema começou sua fragmentação em 1971 com a decisão unilateral americana de desvincular o dólar do ouro. 

Conceição (1985) e Conceição e Melin (1997)

já haviam analisado a retomada e a reafirmação da hegemonia americana nos anos oitenta e noventa depois da queda da União Soviética, que abre o período da hegemonia unilateral americana. A conclusão dos dois artigos nos permite afirmar que a hegemonia americana tinha dois pilares básicos. O primeiro era a diplomacia do dólar. O segundo, a diplomacia das armas. A partir da crise de Bretton Woods nos anos 1970 e a hegemonia do neoliberalismo dos governos Thatcher e Reagan, nos anos oitenta, essa dupla diplomacia coordenada e integrada pelo Estado americano vai alterar profundamente o funcionamento e a hierarquia das relações internacionais.

O atual governo Trump está fazendo uma profunda alteração no funcionamento e hierarquia das relações internacionais para reafirmar a hegemonia americana. Em especial, pode-se dizer que esse processo possui duas estratégias de política alinhadas sobre o mantra do Make America Great Again (Maga). Internamente, a America First anuncia uma nova “era de ouro” americana, que presumivelmente seria alcançada cumprindo suas promessas de campanha de acabar com a inflação, impor novas tarifas, expulsar imigrantes indocumentados, cortar impostos e reduzir radicalmente o tamanho do governo. Seu movimento Maga promete levar uma bola de demolição para a ordem econômica global do pós-guerra, levantando a questão do que a substituirá.

A incerteza caminha a passos largos. Porém, se olharmos mais atentamente para as ações da política externa de Trump, verificamos a manutenção desse poderio que ficou conhecido desde a década de 1960, quando a França, no governo Charles de Gaulle, desafiou o dólar e seu ministro das Finanças e Assuntos Econômicos, Valéry Giscard d’Estaing, cunhou a frase “privilégio exorbitante” para reclamar do domínio do dólar americano. Interessante constatar que os desafios à hegemonia do dólar americano não começaram com os Brics. E o dólar, com seu privilégio exorbitante, tem resistido a todos eles, se mostrado resistente e saído mais forte de todos esses desafios.

Esse permanente fortalecimento do dólar como moeda de referência universal da diplomacia americana tem a ver com o funcionamento do sistema financeiro e a conexão entre a complexidade das cadeias de suprimentos modernas (globalização real) e a complexidade da financeirização global. A globalização financeira mostrou como a extensão das cadeias de valor globais estava ligada a redes estendidas de finanças.

 

imagem: Jornal dos Economistas

A extensão das cadeias de suprimentos aumentou a demanda por crédito pela extensão da cadeia. O crédito comercial está diretamente ligado ao dólar como moeda intermediadora dessas transações cada vez mais “indiretas”. Sob o sistema econômico global que conhecemos e que vigorou até agora, mesmo sendo solapado em seu multilateralismo pelo seu criador e mantenedor, a principal fonte de crescimento do comércio e do crescimento econômico real foi atrelada unilateralmente ao dólar e manteve controles sobre o fluxo de capital, como foi o caso da Europa e do Japão depois de 1945. Os bancos criam eurodólares e a Opep e a China compram títulos do Tesouro dos EUA com eurodólares. Esse é o triângulo que fez do dólar a chave para o sistema financeiro global e do Federal Reserve Board (FED) o credor e negociante indispensável de última instância. O banco do mundo.

E se, em vez disso, a Arábia Saudita e a Rússia começarem a receber pagamentos em renminbi chinês e virmos o surgimento de um mercado offshore de renminbi (eurorenminbi)? Em vez de os países com superávit de exportação (Arábia Saudita) acumularem dólares, eles acumularão saldos de “eurorenminbi” que investirão em títulos do Tesouro chineses, como a China já investiu em títulos do Tesouro dos EUA, ou eles podem escolher entre um e outro. Esse é o movimento que o Maga trumpista quer evitar. É o dólar (e sua diplomacia) que confere poder e senhoriagem.

Nesse mundo em plena incerteza, o Brasil não pode continuar com as políticas macroeconômicas estruturadas nos anos noventa, período da unilateralidade americana e início do grande salto chinês para se tornar a oficina do mundo.

A experiência histórica dos países que superaram a barreira entre emergentes e desenvolvidos mostra a presença de dois fortes componentes: câmbio desvalorizado e taxa de juros reais negativas. O câmbio e a taxa de juros indicam o horizonte do investimento.

Câmbio valorizado e taxa de juros elevada por longo tempo reduzem esse horizonte ao transferirem demanda para o exterior e estimularem as operações de arbitragem financeira entre a moeda local.

O núcleo duro do sistema de metas de inflação, taxa de juros interna muito superior às internacionais, câmbio valorizado e superávit primário não produziram um ambiente propício ao investimento produtivo. É um ambiente macroeconômico mais amigável às aplicações financeiras.

As taxas de crescimento do PIB desde o Plano Real têm sido muito baixas. As taxas de inflação sempre estiveram bem acima das internacionais. Os déficits em transação corrente se tornaram cíclicos e dependentes dos preços das commodities no mercado internacional. A tendência do câmbio valorizado levou as empresas a se endividarem em moeda internacional, aumentando a sua fragilidade financeira.

A implantação do sistema de metas de inflação reforçou ainda mais a estratégia de fortalecimento dos ganhos com aplicação financeira (tesouraria) com a garantia de altas taxas de juros para manter o câmbio valorizado e os preços controlados nas metas de inflação.

O impacto desse regime de política macroeconômica sobre a estrutura produtiva, em especial para a indústria, foi negativo. A desindustrialização ocorrida no Brasil fez com que os setores de maior intensidade tecnológica perdessem 40% de peso no PIB. A elevada dependência tecnológica de componentes estrangeiros intensivos em P&D limitou o potencial do país em explorar tecnologias capazes de alavancar o sistema nacional de inovação. E apesar de ser mais grave nos setores de informática, eletrônicos, ópticos e fármacos, também atinge outros setores de alta intensidade tecnológica em menor magnitude.

Com certeza a combinação de taxa de câmbio baixa e taxa de juro alta teve um grande impacto em aprofundar processo de desindustrialização. Teve um efeito restritivo sobre a demanda interna ao transferir poder de compra para o exterior pelas importações de bens de consumo e de insumos industriais e tecnológicos, desnacionalizou a cadeia de fornecedores e manteve uma permanente fonte de pressão sobre a política monetária e fiscal para não permitir uma taxa de câmbio mais alta e manter superávit primário para garantir a confiança no pagamento dos juros da dívida pública.

No Brasil, a restrição de demanda pelo ajuste fiscal, elevada taxa de juros e conta de capitais aberta são o cerne da política macroeconômica. Continuamos a insistir no que não deu resultado positivo para o desenvolvimento econômico e social e que, pela enorme desigualdade de renda entre capital e trabalho, provoca instabilidade política.

No final de 2024, passamos por uma “quase crise”, com o sistema financeiro gerando uma enorme pressão sobre o governo para cortar gastos públicos. Essa pressão causou uma desvalorização acentuada do Real, aumento da inflação e o Bacen não resistiu e elevou a Selic em dois pontos percentuais.


Essa “quase crise” gerou um enorme estardalhaço na grande mídia, com seus analistas econômicos afirmando que o Brasil enfrentava uma crise fiscal iminente. A forte depreciação do real no final de 2024 foi apontada como o resultado da piora das contas públicas e do seu impacto nas excitativas dos agentes econômicos sobre a sustentabilidade da dívida pública. A dominância fiscal passou a ser o espectro que rondava a economia brasileira e causaria o descontrole da inflação.

Mas a realidade não cabe nos modelos baseados em hipóteses irrealistas que não descrevem corretamente a realidade. O real se valorizou no início de 2025, acompanhando a desvalorização mundial do dólar, sempre ele, mostrando que a desvalorização do real não era devido à crise fiscal iminente. Além disso, a inflação de janeiro foi a menor da história do real, fazendo com que a tese de dominância fiscal fosse esquecida.

Os dados sobre o desempenho da economia brasileira não mostram nenhum descontrole fiscal, nem monetário, nem inflacionário. A expectativa do resultado primário para 20244 era déficit de 1%. O resultado oficial foi déficit de 0,1%.

A previsão de crescimento da economia brasileira para 2024 era de 1,5%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou a previsão de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2024 a 3,7%. Nos últimos dois anos, as expectativas sobre a política fiscal e o crescimento têm sido consistentemente melhoradas. Porém, o sistema financeiro, através do Boletim Focus do Bacen, sempre erra sistematicamente para pior.

Como apontou Bráulio Borges5, a política fiscal tem o efeito de estabilizar a economia com gastos anticíclicos. São maiores quando a economia está desaquecida e menores quando o crescimento está acelerado. Uma parte desse melhor desempenho da economia brasileira, mesmo pequeno, tem vindo do gasto público nos últimos anos. Fica difícil encontrar evidências de que a política fiscal do país está se deteriorando. Estabilidade econômica e responsabilidade fiscal são meios para melhorar desempenho futuro da economia. Porém, fazer disso um fim em si mesmo é um erro fundamental. Reduzir o déficit cortando investimentos não vai fazer o investimento privado aumentar.

O Brasil precisa de uma discussão consequente sobre sua política fiscal. Isso implica avaliar o seu efeito sobre a desigualdade e sobre o crescimento e não apenas sobre a inflação. Somente assim será possível construir um equilíbrio entre responsabilidade fiscal e desenvolvimento econômico.

As instituições são importantes, mas elas dependem das condições históricas e culturais de cada país. O fim da história não aconteceu, nem as instituições anglo-saxônicas podem ser consideradas superiores como advogam os neoclássicos. O Sudeste da Ásia mostra bem isso. Não adianta copiar instituições. Como as ideias, elas estarão fora de lugar. E as ideias fora de lugar são aquelas que insistem em manter a mesma convenção de política econômica, ajuste fiscal, taxa de juros altas e taxa de câmbio baixa, em situações distintas que requerem uma mudança de rumos para a sustentação de um desenvolvimento econômico e social mais igualitário.

publicação original:

Jornal dos Economistas Nr 428 Abr 2025

Jornal dos economistas Luiz Melo.pdf

 

 

 

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Excelente artigo. Achei muito importante citar o que os dados mostram na verdade em contraste com a opinião de certos setores... Fico pensando até quando a mídia vai manipular a opinião pública a mando do mercado financeiro...