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Make China Great Again?

11 de abril de 2025

imagem: Mihai Cauli

texto:  Marcos de Queiroz Grillo

Saiu, finalmente, a tão esperada lista das simplórias e deletérias tarifas impostas ao mundo pelos EUA. Elas, se mantidas, levarão os EUA de volta para o século XIX. Essa política mercantilista e protecionista ocasionará um significativo retrocesso na economia norte-americana, causando inflação em todo o planeta e desorganizando grande parte das cadeias de suprimentos, construída durante anos a fio pelos investidores e países que acreditaram no livre comércio.

Todas as importações dos EUA serão taxadas em 10%. Sobre a União Europeia, 20%. Índia, 27%. Japão, 24%. Vietnã, 46% e China, 54% (um adicional de 34% sobre a tarifa já existente de 20%). México e Canadá ficaram taxados em 25%. E, para a maioria dos países, 10%, mesmo os que apresentem déficit comercial frente aos EUA.

O objetivo do governo americano com tais tarifas é eliminar seu déficit comercial de bens e serviços que, em 2024, foi da ordem de US$ 918,4 bilhões (negativo em US$ 1,2 trilhão, em bens, e positivo em US$ 293,3 bilhões, em serviços).

Para Trump, o conceito de déficit comercial representa uma transferência de riqueza dos EUA para o exterior. Na verdade, o déficit é o resultado de uma opção do povo norte-americano de não restringir sua demanda ao patamar da poupança nacional, financiando-se com dinheiro barato do resto do mundo, já que eles se beneficiam da emissão de dólares, moeda de referência mundial.  Por mais de três décadas, os EUA viveram nessa situação, com liderança absoluta sobre o G7.

As tarifas foram aplicadas de modo a punir os países que detém superávit comercial com os EUA, deixando transparecer a tese equivocada de que o comércio exterior com cada um dos países com quem mantém relações comerciais tem que ser equilibrado. O critério adotado foi o seguinte:

– apuração do superávit comercial de determinado país e obtenção do peso relativo do mesmo nas suas exportações para os EUA;

– o percentual assim obtido é dividido por dois, cujo resultado é a tarifa a ser aplicada.

Por exemplo, no caso da China, seu superávit comercial com os EUA foi, em 2024, de US$ 295 bilhões. As exportações chinesas para os EUA, no mesmo ano, foram de US$ 438 bilhões. Seu superávit representa, portanto, 68% de suas exportações para os norte-americanos. Esse percentual foi dividido por dois e, assim, foi estabelecida a taxa de 34% que, aplicada sobre as tarifas já existentes, resultou numa tarifa total de 54%. Evidentemente, nem todos os países detinham superávits com os EUA, ou o comércio estava equilibrado. Mesmo assim, para eles, foi fixada uma taxa mínima de 10%.

Observe-se que a fórmula utilizada para a determinação das tarifas é essencialmente tosca e enviesada. O objetivo é penalizar quem tem superávit na Balança Comercial, sem contemplar nenhum aspecto macroeconômico nem de política econômica, comercial e tecnológica. Trata-se de protecionismo puro e simples.

Veio, então, a resposta chinesa, que estabeleceu uma tarifa de 34% sobre todos os produtos que importa dos EUA. Além da tarifa, a China restringirá as vendas de sete tipos de terras-raras, minerais estratégicos utilizados na produção de eletrônicos, entre outras medidas restritivas a importações específicas provenientes dos EUA.

É esperada para os próximos dias a retaliação que virá da União Europeia e de outros países, que terão como alvo bancos, empresas aéreas e de serviços.

Como resultado desse início de guerra comercial desencadeada pelos EUA e já respondida pela China, adveio o derretimento das bolsas de Tóquio, Londres, Paris e Nova Iorque. Ocorreram grandes perdas nos EUA, ocasionadas por queda das ações das big techs e fabricantes de equipamentos. A Apple, por exemplo, importa seus produtos da China e seus iphones e computadores sofrerão taxação na importação. É um tiro no pé do consumidor americano, já que tais produtos quase que duplicarão de preço. Na China não ocorreram oscilações relevantes nos seus papéis.

O ouro, como sempre, continuou sendo o objeto de desejo dos especuladores em busca de reserva de valor.

Há uma elevada incerteza nos mercados, o enfraquecimento da confiança dos consumidores e a suspensão dos planos de investimentos das empresas. Trata-se de um grande choque para o sistema de comércio global. O índice VIX (conhecido como índice do medo) que mede a volatilidade do S&P 500 aumentou em mais de 50%. O mercado já começa a precificar uma maior probabilidade de recessão global. Segundo Relatório do JP Morgan, intitulado “There will be blood”, assinado por Bruce Kasman, Jahangir Aziz, Joseph Lupton e Nora Szentivanyi, haverá tempos difíceis para a economia global, já que tais políticas prejudicam o momento de expansão econômica dos EUA, deteriorando a confiança dos empresários e prejudicando as cadeias globais de suprimentos hoje existentes. Eventuais cortes na taxa de juros pelo FED, já na pauta para discussão, apenas amenizariam os efeitos recessivos das tarifas. O Relatório também adverte que a redução dos fluxos de imigração para os EUA também terá impacto negativo sobre a oferta de produtos e serviços dos EUA.

O governo norte-americano não parece ter uma política clara em relação à China. A impressão que eles dão é de que é mandatório liberar os recursos até então direcionados para a Europa (OTAN e Ucrânia, aí incluídas) para enfrentar as supostas “ameaças” da China. Estariam mais simpáticos à Rússia do que à China, contrariamente do que o ocorreu com a política de Henry Kissinger. O protecionismo norte-americano passou a privilegiar dogmas ideológicos e tarifas, em detrimento dos valores norte-americanos da liberdade individual e do livre comércio, tão disseminados no mundo, por décadas.

Trata-se de financiar o retorno de investimentos para os EUA com base em redução de impostos bancada pelas tarifas ora impostas. Segundo o governo Trump, as tarifas são um “ótimo negócio”, estimadas por Scott Bessent, Secretário do Tesouro dos EUA, entre US$ 300 a US$ 600 bilhões anuais.

Segundo a revista The Economist, edição de 5/4/25, as tarifas impostas à China por Trump condenam os EUA aos níveis de obsolescência de Detroit na década de 70, e isto é potencializado pela desconfiança do governo na sociedade acadêmica e desincentivo aos investimentos em inovação nas universidades norte-americanas. São enormes os investimentos necessários, a realocação de capitais para estruturação das cadeias produtivas, gaps tecnológicos, falta de mão de obra, elevado nível de incerteza, dentre outros fatores cruciais.

Segundo Thomas L. Friedman, em seu artigo intitulado “I Just Saw the Future. It Was Not In America.”, publicado no New York Times, em 2/4/25, todos os produtos sofisticados e de alto valor agregado dependem de um ecossistema de produção global que fazem com que os produtos sejam melhores e mais baratos. Não é levantando um muro de tarifas que se consegue bons resultados para a indústria. Levaria anos para se substituir as cadeias globais de suprimento internacionais hoje existentes e produzir tudo localmente nos EUA. Até mesmo a Tesla tem que importar muita coisa. E ele acrescenta:

“Mas você também está errado se pensa que a China apenas trapaceou para chegar ao domínio da manufatura global. Ela trapaceou, copiou e forçou transferências de tecnologia. Mas o que torna o rolo compressor da manufatura da China tão poderoso hoje não é apenas tornar as coisas mais baratas; ele as torna mais baratas, mais rápidas, melhores, mais inteligentes e cada vez mais infundidas com IA.”

E isso acontece por força do sistema de educação chinês que engloba ciência, tecnologia, engenharia e matemática. São formados anualmente 3,5 milhões de profissionais altamente capacitados para ingressar na indústria, na pesquisa e na inovação. Existem 39 universidades chinesas somente para treinar engenheiros e pesquisadores em materiais sensíveis, o que é uma enormidade. As escolas vocacionais chinesas formam e treinam dezenas de milhares de técnicos eletricistas, soldadores, carpinteiros, mecânicos, encanadores que são disponibilizados para os empregadores através de trens-bala que ligam 550 cidades chinesas.

Definitivamente não é através de barreiras tarifárias que os EUA conseguirão barrar a China. Barreiras tarifárias isoladamente só gerarão inflação e estagnação. O caminho da prosperidade não pode ser construído com tarifas, especialmente no alvorecer da inteligência artificial, que dominará o mundo.

Xi Jinping vem preparando a China para a situação caótica do mundo desde que assumiu o poder em 2012. Ele direcionou os investimentos para a auto suficiência econômica e tecnológica de seu país, protegendo a China dos choques externos, tais como sanções e tarifas. Apesar dos bancos chineses ainda dependerem do acesso a dólares, a maioria dos pagamentos de comércios bilaterais são feitos em yuans.

A capacitação tecnológica chinesa é marcante, seja em robótica, inteligência artificial, computação quântica, tecnologias 5G e 6G, veículos elétricos, drones, semicondutores etc. Estes últimos são a prioridade central dos EUA, cujo domínio tecnológico de ponta poderá, até mesmo, arrefecer a obsessão norte-americana em controlar Taiwan.

Diferentemente dos EUA, a China pauta sua relação com o mundo por três princípios básicos: ganho mútuo, coexistência pacífica e relação ganha- ganha. Contudo, faz isso sem nunca perder de vista o seu bonde tecnológico. Daí ter se adaptado muito bem ao processo de globalização, passando a receber todas as atenções do mundo ao praticar consistente e pragmaticamente o multilateralismo.

O conflito do capital público versus privado sempre foi bastante latente na China. A ideia era de que os investimentos públicos fossem feitos na indústria pesada e os privados em tecnologia e inovação. Isso nem sempre valeu, por força do dogmatismo do Partido Comunista. Presentemente, suas principais prioridades são o equacionamento da crise imobiliária, que já vem acontecendo por força da retomada dos preços dos imóveis em Shanghai e Nanjing, e a recuperação do consumo, considerado pelo governo tema estratégico e prioritário, missão dada aos governos locais, capazes de se refinanciarem continuamente.

Vivendo presentemente uma deflação, não será tão difícil para o país enfrentar as tarifas impostas pelos EUA. Nos últimos anos ela vinha priorizando suas exportações a qualquer custo, batendo de frente com os EUA e seus aliados e deixando transparecer certa impertinência contra o capital privado. Agora, na era MAGA, as autoridades chinesas passaram a reverenciar os dragões de Hangzhou, sua capital da inovação. Gradativamente, os investimentos privados vêm sendo mais aceitos pelos chineses, inclusive pelos leninistas mais radicais.

Com as tarifas impostas por Trump, a China tem a oportunidade de reavaliar suas relações comerciais no mundo. E isso poderá se dar pelo aumento dos seus investimentos em países parceiros ao invés de inundá-los com exportações. Especialmente aqueles do Sul Global, inclusive numa possível liderança na condução do combate às mudanças climáticas no planeta, em parceria com o Brasil.

O desfecho dessa guerra comercial é muito incerto. Uma recessão global é um dos prováveis resultados, caso EUA e China não cheguem a um acordo satisfatório. Poderia existir uma escalada de sanções e a inundação de produtos chineses pelo mundo. Daí adviria uma recessão mundial.

Segundo Thomas L. Friedman,

  • “o único acordo ganha-ganha é aquele que eu chamaria de: feito na América, por trabalhadores americanos, em parceria com tecnologia, capital e especialistas chineses. Ou seja, nós (dos EUA) apenas revertemos a estratégia que a China usou para enriquecer na década de 1990, que era: feito na China, por trabalhadores chineses, com tecnologia, capital e parceiros americanos, europeus, coreanos e japoneses.”

Os EUA e o resto mundo precisam entender que a interdependência não é mais uma escolha, mas sim, uma imposição do novo mundo em que vivemos. E para tanto, há que se restabelecer entre China e EUA a confiança na qual são pautadas as negociações ganha-ganha. Aliados não são adversários e as negociações não são batalhas campais. Os EUA perigam não só entrarem em negócios ruins como ficarem sem ter com quem negociar.

O estrago está feito pelos EUA, mas pode ser parcialmente contido pelo resto do mundo, caso Trump não volte atrás. E a China será a principal protagonista de tais ações, participando e liderando fóruns menores com diversos países do Sul Global, mantendo sua parceria estratégica com a Rússia, reaproximando-se da Europa, ampliando seu consumo interno, o que diminui sua dependência de exportações, tudo isso, sempre pautado pela tônica do multilateralismo.

publicação original:

https://terapiapolitica.com.br/make-china-great-again/

 

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