O falso dilema entre as políticas monetária e fiscal
12 de março de 2025
imagem: Mihai Cauli
texto: Marcos de Queiroz Grillo
O mercado financeiro vem insistindo que o Brasil está sob os efeitos de uma perigosa expansão fiscal desde 2022. A expansão fiscal seria um fato, com o governo buscando “ancorar” sem sucesso as expectativas dos agentes econômicos com medidas como arcabouço fiscal. Tanto isso seria verdade que as expectativas de inflação estariam retomando máximas históricas num ambiente de uma curva de juros super aberta com uma desconfiança generalizada do mercado financeiro quanto à capacidade e mesmo desejo verdadeiro do governo de entregar um “efetivo controle fiscal”. O mercado cansou de dar votos de confiança ao governo já que muita gente perdeu dinheiro apostando no pragmatismo brasileiro.
Segundo o mercado, existe um ambiente de total falta de ancoragem: inflação crescente, evolução da dívida/PIB, dentre outras. Teria havido, segundo eles, uma destruição do tripé econômico: meta de inflação, superavit primário e câmbio flutuante. A grande questão que se coloca é sobre a real vontade do governo de arrefecer ou não o nível de atividade econômica. De um lado, o Banco Central busca alcançar a meta de inflação e para isso aumenta a taxa de juros básica da economia, ou seja, pisa no freio, com medidas contracionistas. Acontece que, de outro lado, o governo estaria levando a cabo uma política fiscal “frouxa”, pois, ideologicamente, não aceita uma efetiva redução de gastos. Prova disso é que, num momento onde há necessidade de reduzir o ritmo de crescimento da economia, pisa no acelerador, lançando inclusive programas de expansão do gasto (políticas expansionistas).
O ataque especulativo no câmbio ocorrido em dezembro/24 forçou o Banco Central a intervir no mercado através de leilões de moeda, vendendo US$ 25 bilhões de reservas para acalmar a fuga de divisas. Como se sabe, o processo de formação de câmbio no Brasil é muito mais centrado em derivativos do que no câmbio spot, o mesmo ocorrendo no mercado de juros. O déficit em conta corrente foi afetado por apostas contra o real acompanhadas por forte saída de capitais. E isso, apesar da significativa taxa real de juros no Brasil, beirando os 9% a.a., o que reflete um fenômeno explicado, em parte, pela ciclotimia de expectativas do mercado financeiro. Em janeiro/25 os mercados se acalmaram e a taxa de câmbio retornou para patamares inferiores e tudo parece indicar que o carry trade vai voltar a ter apetite tanto na direção da Bolsa como nos ganhos com os elevados juros reais vigentes no nosso país.
Como 2025 é um ano pré-eleitoral, já existindo – segundo diversas pesquisas – elevados níveis de rejeição ao governo, sua única saída, segundo os críticos, seria uma “política populista” de expandir o gasto social, estimulando programas sociais (pé de meia, liberações do FGTS, programas creditícios para pequenas empresas, crédito consignado para empregados de empresas privadas, isenção de IR para renda de até 5 salários mínimos, dentre outros). Felipe Guerra, do Legacy Capital, no evento CEO Conference do BTG Pactual de 2025, comentou, de forma desqualificada e nada verdadeira, “que o governo parece um macaco nos controles de um AirBus”.
O mercado definitivamente não acredita na seriedade e efetividade da política fiscal na direção do controle do déficit público. E acha que, por isso, a inflação sairá de controle, obrigando o Banco Central a elevar ainda mais a taxa de juros básica da economia.
Alguns analistas, mais honestos, consideram que o Congresso Nacional é um dos grandes responsáveis pelos problemas fiscais enfrentados pelo governo, em razão dos lobbies e da falta de vontade de aprovar medidas duras que tirem votos, preferindo ficar conivente com políticas eleitoreiras.
Há que se contemplar, também, as incertezas provenientes dos EUA, que têm efeitos relevantes no Brasil e no resto do mundo. A adoção de tarifas de importação e a repatriação de imigrantes não documentados são medidas claramente inflacionárias. O déficit nominal dos EUA, superior a 6% do PIB, dificilmente será controlado, pois, para ser feito dependeria de cortes substanciais nos gastos com Social Security, MedicAid e MediCare, medidas que seriam muito impopulares. Tudo isso parece indicar que a taxa longa de juros dos EUA deverá permanecer entre 4 e 5% a.a., o que valoriza o dólar e captura recursos dos investidores no resto do mundo.
A conclusão a que chegam os analistas é de um cenário econômico bastante complexo para o Brasil, havendo expectativa de novos ataques especulativos ao câmbio, o que pioraria ainda mais a taxa de inflação.
O ministro Haddad, que também participou do CEO Conference do BTG Pactual de 2025, apresentou as posições do governo sobre a situação da economia brasileira. Rebateu as críticas infundadas que recebeu dos seus opositores de que “quem tem mais de 20 prioridades, de fato, não tem nenhuma”. Listou inúmeras iniciativas do Ministério da Fazenda, muitas das quais dependem da aprovação do Congresso.
Uma importante iniciativa é a revisão das renúncias fiscais presentes no orçamento brasileiro. Grande parte delas já está listada na internet com o CNPJ e o nome dos beneficiários. Segundo ele, “a verdadeira caixa-preta que existe no Brasil é o Orçamento Federal; do ponto de vista de despesa é menor, mas do ponto de vista de renúncia de receita é um escândalo”. Pelas contas da equipe econômica do governo Lula, em 2025, os benefícios tributários concedidos a pessoas físicas e empresas – ou “gastos tributários”, como são chamados – pois drenam recursos dos cofres públicos – devem somar R$ 543,7 bilhões. O valor corresponde a 4,8% do PIB (Produto Interno Bruto) ou 24% da arrecadação do governo.
Outra iniciativa do governo foi a tentativa de desoneração da folha de pagamentos para 17 setores econômicos, incluindo a grande mídia, e o Perse (programa de apoio ao setor de eventos). A proposta do governo terminou sendo escalonada no tempo e deverá surtir efeitos somente em três anos.
Como em 2024 o governo apresentou um déficit fiscal de apenas 0,1% do PIB, dentro da meta fixada, seus opositores e o mercado financeiro engoliram em seco e passaram a falar de déficit nominal (que inclui juros da dívida pública) e não mais de déficit primário. Eles não ousam associar os R$ 700 bilhões de juros que são anualmente pagos para rolar a dívida aos R$ 600 bilhões de renúncias fiscais e outros gastos tributários. Desses R$ 600 bilhões, que montante é de fato legítimo? Santas Casas, entidades beneficentes, Prouni, Simples Nacional (regime simplificado de tributação de empresas de até pequeno porte) e desoneração da folha de salários (redução dos encargos cobrados sobre os vencimentos de funcionários), dentre outros. Digamos que os legítimos alcancem R$ 300 bilhões. Ainda assim, sobram outros R$ 300 bilhões, mais do que suficientes para o governo fechar suas contas.
Perguntou Haddad:
“Por que alguém se insurge contra o orçamento secreto, o BNDES, e quando vai falar de gasto tributário fica todo mundo com medo de falar? Eu não vejo a turma vir a público defender essa agenda. Cadê a turma do equilíbrio macroeconômico? Não adianta esses economistas liberais falarem ‘é muito difícil conseguir’. Lutem pela causa.”
Segundo Haddad, “tem muito problema na classe política, mas tem muito problema também em parte do empresariado que não é moderno, que é patrimonialista, que vive de benesses, que vive de lobby e que vive de privilégio”. Ele ainda comentou que “os bolsonaristas começaram a divulgar mais uma das inúmeras fake news. A contribuição social do MEI continua em 5% do salário mínimo, como sempre, e só pode ser alterada pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma iniciativa parlamentar nesse sentido. Quem espalha essas mentiras está atrapalhando o empreendedor brasileiro”.
É importante destacar que países não quebram, principalmente os que devem em suas próprias moedas. Mesmo assim, o mercado financeiro se encontra bastante aflito e reativo, com o dedo no gatilho, pronto para se defender das imprevisibilidades provenientes do cenário internacional e do Brasil. O mundo inteiro está vivendo tensões decorrentes das imprevisibilidades políticas e econômicas. Não é só no Brasil. Um bom exemplo é a pressão dos EUA para que os países do Oriente Médio reduzam, na marra, o preço do petróleo. Claramente, o imperialismo norte-americano voltou a querer se impor no mundo. É a volta da política do Big Stick, de xerife do mundo.
Segundo Haddad, “algum escape do câmbio em função do déficit em conta corrente, ia acontecer”. Mas os avanços obtidos pela área econômica do governo, apesar das dificuldades enfrentadas junto ao judiciário, legislativo e dentro do próprio governo, são mais valorizados pelo público externo (FMI, agências de rating, OCDE, etc.) do que pelo público interno (mercado financeiro e oposição). Dentre eles, figuram o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária que estabilizará uma base fiscal, que trará maior sustentabilidade para o país.
Diante de todo esse cenário, cabem algumas provocações para um debate transparente e qualificado. Uma delas é a seguinte: por que o Conselho Monetário Nacional (CMN) não se permite rediscutir a meta de inflação? Ela é completamente irreal e nunca foi alcançada desde a sua instituição. Sua não revisão periga levar o país a uma situação de dominância fiscal. O Banco Central opera uma política monetária completamente mecanicista e inoperante, pois a elevação da taxa de juros, além de não lograr o atingimento de uma meta de inflação irreal de 3%, prejudica enormemente a economia como um todo. Traz mais prejuízos para o país do que equilíbrio.
A obsessão do mercado financeiro com o tamanho da dívida pública é o argumento central para as investidas dos opositores contra a administração pública tanto na área do câmbio como na da taxa de juros. Por que, então, não requalificar a dívida pública? Falam sempre da dívida pública bruta; nunca da dívida líquida. Quando interessa é o déficit nominal bruto. Mas a dívida continua embutindo o valor das operações compromissadas, que não representam dívida fiscal e sim instrumento de política monetária do Banco Central. Por que, então, não esclarecer com todas as letras essas nuances para a sociedade? Qual a relação dívida/PIB sem operações compromissadas? Alguém ousa falar nisso?
Outra tese que precisa ser debatida é a falsa dicotomia entre política fiscal e monetária. É um grande erro esperar que as políticas contracionistas mecanicistas do Banco Central sejam plenamente correspondidas por medidas de ajuste fiscal no lombo dos mais necessitados. Isso seria abrir mão do Plano de Governo e trair os eleitores. Portanto, o ajuste fiscal pode e deve ser implementado no lombo dos mais bem aquinhoados e não dos mais pobres. Há uma omissão total quando se fala nisso!
Finalmente existem três questões importantes.
- A política de regulação de estoques de alimentos: a quantas anda? Ela é super necessária;
- A tributação da renda e da riqueza: é conversa fiada? O governo pode e deve esclarecer para o povo brasileiro o que já foi feito (fundos exclusivos, empresas offshores, etc.) e deixar claro quem está jogando contra os menos favorecidos. Vamos continuar sem tributar dividendos distribuídos?
- E, por fim, é super importante um reforço positivo e incondicional do presidente Lula para o seu competente ministro da Fazenda. Tome cuidado, Lula, porque o Haddad pode pedir o boné!
publicação original:
https://terapiapolitica.com.br/o-falso-dilema-entre-as-politicas-monetaria-e-fiscal/

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