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Mulher e o Trabalho: A Dupla Jornada Feminina

8 de março de 2025

Mulher e o Trabalho: A Dupla Jornada Feminina

 

“No entanto, a vida dos homens sempre foi considerada representativa na vida dos seres humanos e no que cerne a outra metade da humanidade só há silêncio.  E esses silêncios estão por toda parte […], filmes, literatura e economia.”

(Caroline Criado Peres,  Mulheres Invisíveis)

 

A dupla jornada de trabalho feminina se refere à sobrecarga de atividades que as mulheres enfrentam, dividindo seu tempo entre o trabalho remunerado e as tarefas domésticas e de cuidado. Essa realidade afeta grande parte da população feminina ao redor do mundo e tem impactos significativos tanto no bem-estar das mulheres quanto na economia como um todo. No entanto, muitas vezes, essa carga de trabalho adicional é invisibilizada, sendo tratada como uma responsabilidade natural das mulheres e até mesmo negligenciada no cálculo do PIB, o que contribui para a perpetuação da desigualdade de gênero.

Estudos demonstram que as mulheres continuam a assumir, em média, mais de 70% das tarefas domésticas e de cuidado, mesmo quando possuem um emprego formal. No Brasil, essa realidade é ainda mais evidente. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022 publicado pelo IBGE, 49,1% das unidades domésticas no país eram chefiadas por mulheres, representando uma mudança significativa em relação ao censo de 2010. Além disso, os dados do mesmo censo mostram que as mulheres brasileiras dedicam significativamente mais horas aos afazeres domésticos do que os homens em todas as regiões do país.

Em 10 estados, o percentual de mulheres responsáveis superou 50%, com destaque para Pernambuco (53,9%), Sergipe (53,1%), Maranhão (53,0%), Amapá (52,9%), Ceará (52,6%), Rio de Janeiro (52,3%), Alagoas e Paraíba (51,7%), Bahia (51,0%) e Piauí (50,4%). Esses dados evidenciam uma tendência de maior protagonismo feminino na chefia das unidades domésticas, possivelmente associado ao aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, mudanças nos arranjos familiares e maior autonomia feminina.

No Nordeste, a disparidade é mais acentuada, com mulheres trabalhando em média 23,5 horas semanais, contra 11,8 horas dos homens. No Sudeste, a média é de 21,3 horas para mulheres e 12,1 horas para homens. Esses números refletem a persistência de papéis de gênero tradicionais, que atribuem às mulheres a maior responsabilidade pelo trabalho não remunerado. Esse tempo extra compromete a disponibilidade das mulheres para se dedicarem ao trabalho remunerado e a outras atividades, como educação e lazer.

A invisibilidade dessa sobrecarga na economia é um reflexo de como o trabalho doméstico e de cuidado é considerado um “papel natural” das mulheres, sem o devido reconhecimento ou valorização. Mesmo quando as mulheres estão ativas no mercado de trabalho, o peso dessas tarefas não é contabilizado como uma carga de trabalho formal. Isso resulta em um déficit econômico, já que o trabalho doméstico não é remunerado e, portanto, não aparece nas estatísticas econômicas tradicionais.

Além disso, a dupla jornada também impacta diretamente a progressão profissional das mulheres. A dificuldade em equilibrar essas duas esferas de atuação pode gerar sobrecarga física e mental, levando a um aumento de doenças relacionadas ao estresse e à exaustão. Essa realidade impede que muitas mulheres alcancem posições de destaque no mercado de trabalho, já que elas podem ser forçadas a escolher entre uma carreira bem-sucedida ou a manutenção de um lar.

A falta de políticas públicas que reconheçam e distribuam as responsabilidades de cuidados também contribui para o agravamento desse problema. Em países como o Brasil, a implementação de políticas de licença paternidade, cuidados infantis e maior participação dos homens nas tarefas domésticas é fundamental para começar a desconstruir essa desigualdade. No entanto, mesmo com avanços, como a ampliação da licença paternidade, ainda há um longo caminho a percorrer para que as responsabilidades domésticas sejam divididas de forma equitativa entre homens e mulheres.

Os dados preliminares da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2023 mostram que as mulheres brasileiras continuam enfrentando desigualdades significativas no mercado de trabalho e na distribuição das tarefas domésticas. Apesar de representarem 46% da força de trabalho, a taxa de desocupação entre mulheres é 11,2% superior à dos homens, batendo 7,8%. Elas também estão mais alocadas nas categorias “vendedores e prestadores de serviços do comércio” e “trabalhadores do serviço”, acumulando respectivamente 50% e 61,5% da mão de obra ocupada (CAGED, 2024) em setores tipicamente empregadores em regime de escala 6x1, que impõe 6 dias de trabalho e somente 1 dia de descanso.

Se as mulheres compõem expressivamente a força de trabalho mais precarizada em escalas, e ainda apresentam cerca de 6 horas a mais de desempenho semanal em serviços domésticos e de cuidados (PNADc 2022), há oportunidades e espaço para políticas públicas que contribuam para com a distribuição mais equilibrada do tempo de trabalho de cuidado entre homens e mulheres, reduzindo as extenuantes duplas jornadas impostas pelo viés de gênero.

Sendo o trabalho reprodutivo essencial para sobrevivência, reposição da mão de obra e geração de renda, e enquanto mulheres estão estruturalmente inseridas no mercado de trabalho em ocupações que operam com mais dias de trabalho e, portanto, mais tempo a ser despendido em atividades adjuntas ao labor, isto é, preparação para o dia de trabalho e tempo de deslocamento até o local em que exerce o emprego, então a desigualdade imposta pela dupla jornada se apropria também do tempo no conceito da pobreza de tempo. Desta forma, jornadas de trabalho flexibilizadas, escalas de trabalho 6x1 e trabalhos em regimes parciais impedem a inserção plena das mulheres no mercado de trabalho e igualmente afetam sua mobilidade social, gerando um quadro de desigualdade estrutural. 

Em suma, a dupla jornada de trabalho feminina é um problema estrutural e invisibilizado, que afeta não só a qualidade de vida das mulheres, mas também a economia global. A invisibilidade desse trabalho não remunerado distorce as métricas econômicas e perpetua a desigualdade de gênero no mercado de trabalho, tornando-se urgente o debate sobre essa pauta, para que se combata de frente este problema.

A luta contra a dupla jornada feminina é, acima de tudo, uma luta por justiça social e igualdade social. Enquanto futuros economistas, não podemos ignorar que a economia, historicamente construída a partir de uma visão patriarcal e excludente, continua invisibilizando o trabalho das mulheres e perpetuando desigualdades estruturais. A sobrecarga imposta às mulheres trabalhadoras, que conciliam o emprego formal com as responsabilidades domésticas, não apenas limita sua participação no mercado de trabalho, mas também compromete o crescimento econômico e a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Para além disso, a sub-representação feminina nos espaços de formulação de políticas econômicas reforça um modelo que desconsidera a centralidade do trabalho feminino na dinâmica produtiva e social.

Neste 8 de Março, que traz como mote nacional “Por democracia! Contra a fome, pela legalização do aborto, salário digno, fim da escala 6x1 e fim da violência policial! Contra o fascismo e o racismo”, a FENECO reafirma o compromisso com a luta por uma economia que valorize e inclua as mulheres. O combate à fome, a luta pelo direito ao aborto e por condições dignas de trabalho são pautas que atravessam a vida das mulheres trabalhadoras e exigem uma transformação estrutural da economia. A redistribuição do trabalho doméstico, a superação de modelos exaustivos como a escala 6x1 e a garantia de salários dignos são condições fundamentais para a construção de um mercado de trabalho mais justo. Como estudantes de economia, temos o dever de questionar os modelos que perpetuam desigualdades e de construir alternativas que incorporem a perspectiva de gênero nas análises econômicas e nas políticas públicas.

A democracia que defendemos só será possível quando todas as mulheres trabalhadoras tiverem suas vidas e seus trabalhos valorizados. Não há justiça social nem desenvolvimento econômico sustentável sem equidade de gênero. Por isso, seguimos em marcha contra o fascismo e o racismo, reafirmando que sem as mulheres, não há economia possível, nem futuro para a democracia!

Não se encontra solução sem reconhecer o problema.

REFERÊNCIAS

FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: contraplanejamentos da cozinha. São Paulo: Elefante, 2019.

FERRITO, Bárbara. Direito e desigualdade: uma análise da discriminação das mulheres no mercado de trabalho a partir do uso dos tempos. São Paulo: LTr: 2021.

KON, Anita. A economia política do gênero: determinantes da divisão do trabalho. Revista de Economia Política, v. 22, n. 3, p. 473-490, 2002.

REBEF - Rede Brasileira de Economia Feminista. Impactos da jornada reduzida: um olhar feminista sobre o trabalho e uso do tempo. 2024. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2024/12/Nota-Jornada-6x1-REBEF.pdf

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