Um cenário de instabilidade no comércio mundial
4 de fevereiro de 2025
imagem: Mihai Cauli
texto: Adhemar S. Mineiro
Finda a Segunda Guerra Mundial, para além da crise política, as análises no campo econômico buscavam apontar as razões da crise. Muitas dessas análises resultaram em uma espécie de “avaliação assentada”, que apontava como razão da crise dos anos 1930 as guerras comerciais e as desvalorizações competitivas de moedas (buscando ganhar mercados) que vinham como instrumentos dessa guerra.
Com base nessa análise, ainda antes do final da guerra, vários representantes de países independentes se reuniram para esboçar um sistema que funcionasse sem aqueles conflitos. O Brasil participou desses debates, encabeçados principalmente pela Inglaterra, a potência em declínio, e pelos EUA, a potência em ascensão, a então União Soviética não participou. Constituíram-se então as chamadas instituições de Bretton Woods (pequena cidade dos EUA que serviu de local para as reuniões), basicamente o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
O Banco Mundial deveria canalizar os fundos consorciados dos países membros para reconstruir o mundo devastado pela guerra e, posteriormente, financiar o desenvolvimento. O FMI deveria gerir as taxas de câmbio e as crises de balanço de pagamento, evitando que essas crises levassem às chamadas desvalorizações competitivas em busca de reequilíbrio e, portanto, ao cenário que, por aquela análise, havia levado à guerra. Isso se dava em meio à afirmação da hegemonia dos EUA no cenário internacional, e ao quadro bipolar da chamada Guerra Fria entre EUA e União Soviética.
Na área de comércio, a proposta de Bretton Woods foi a da criação da Organização Internacional do Comércio (OIC). Esta, entretanto, não foi criada. No último trimestre de 1947, foram desenhados o GATT (Acordo Geral de Comércio e Tarifas, no acrônimo em inglês) e a Organização Internacional do Comércio (em Havana, Cuba, mais de dez anos antes da Revolução Cubana). O GATT começou a funcionar em janeiro de 1948, e até 1994 fazia reuniões regulares como o único instrumento de regulação do comércio internacional. Em geral, trabalhava no sentido da regulação de tarifas, na maior parte das vezes de produtos ou setores econômicos, com suas famosas “rodadas” de discussão, que podiam se estender por anos, e normalmente o faziam.
A OIC, entretanto, não foi para a frente. Em março de 1948, o Congresso dos EUA rejeitou a Carta constitutiva da OIC, por limitar os poderes nacionais no campo do comércio, e evidentemente não faria o menor sentido uma instituição de regulação do comércio internacional sem que dela participasse o principal envolvido no comércio mundial (lembrando inclusive que, na época, alguns outros países capitalistas com base produtiva importante, como os países europeus e o Japão, estavam devastados pela guerra).
Assim, o último elemento do tripé regulador pensado para evitar novas crises internacionais não se consolida, ou se consolida apenas parcialmente. Apenas ao final da Rodada Uruguai do GATT, em 1994, se volta ao tema, com a criação de uma entidade mundial reguladora do comércio mundial, a OMC (Organização Mundial do Comércio), com o que se extingue o GATT, tendo a OMC incorporado as atribuições do antigo acordo.
Pois bem, trinta anos passados da constituição da OMC, estamos vendo caminhar rapidamente o fim da regulação multilateral do comércio. Como visto em 1948, a regulação multilateral do comércio nunca foi algo bem visto nos EUA, que em geral prefere usar o seu poder diretamente em conversas bilaterais. O momento da criação da OMC, no cenário internacional, era o período em que os EUA confiavam plenamente no seu poder unilateral no mundo, com a queda do chamado “Muro de Berlim” e o fim da União Soviética, e assumiam a ideia do “fim da história”. A regra de funcionamento da OMC era o consenso na tomada de decisões, mas o poder do chamado G7 (EUA, Canadá, Japão, França, Alemanha, Itália e Reino Unido) era tão grande que seus interesses acabavam se impondo na organização desde a sua criação.
No novo século, os países em desenvolvimento começam a se organizar melhor para atuar na OMC, a partir da chamada Rodada de Doha da OMC. Aproveitam a proposta dos EUA de flexibilizar mercados para países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, no bojo da crise da explosão das Torres Gêmeas, para começar a forçar a abertura de mercados agrícolas nos países desenvolvidos, e vão desde a reunião da OMC em Cancun, México, em 2003, constituindo o chamado G20 da OMC, liderado por Brasil e Índia. Isso começa a mudar o jogo no interior da instituição.
A China também entra na organização, exatamente no período em que começa a disputar a hegemonia global. E, finalmente, a partir de 2008, com a crise econômica e financeira internacional originada nos mercados financeiros, o protecionismo começa a se espalhar, primeiro de forma envergonhada, para depois ir ficando explícito. A OMC vai deixando de ser um instrumento importante para os EUA (e alguns dos países centrais do capitalismo), e perde sua importância para estes países. Trump, em seu primeiro governo, já tinha contribuído bastante para o esvaziamento da OMC e a volta do bilateralismo dos EUA.
Agora, em apenas sete dias de governo, já mostrou várias vezes sua sanha de usar as tarifas de acesso ao mercado estadunidense como arma. A volta da guerra tarifária, passados oitenta anos do fim da Segunda Guerra, parece que deixou de ser vista como um problema. O bilateralismo estadunidense vai tomando conta, com ameaças a diversos países e grupos, como os BRICS, ameaçados de tarifas de até 100%, caso se afastem do mundo financeiro do dólar estadunidense.
As ameaças à Colômbia no bojo da deportação de imigrantes, cujas condições degradantes de retorno foram questionadas pelo governo Petro são só uma face dessas discussões. Mas, desfeitas as regras gerais, a circulação de produtos na escala internacional vai ficar bastante comprometida, assim como as cadeias globais de produção que se espalharam pelo mundo, amparadas pelos acordos de comércio e as regras multilaterais.
Esse cenário coloca muita instabilidade para a economia internacional. E reforça a ideia de que, nos próximos anos, a prioridade deve ser o mercado doméstico de cada país, sob risco de ficar refém da instabilidade.
publicação original:
https://terapiapolitica.com.br/um-cenario-de-instabilidade-no-comercio-mundial/

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