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Viciados em sofrimento

13 de janeiro de 2025

imagem: Mihai Cauli

texto: Abrao Slavutzky

Uma das perguntas mais difíceis que Freud enfrentou ao longo da vida foi “Por que as pessoas sofrem tanto”? Por que alguém é capaz de se atacar com entusiasmo e como essa atitude tem a ver com o desejo de desistir da vida. Um exemplo famoso é recordar a vida e a morte de um gênio das artes, como foi o escritor inglês Oscar Wilde. Jorge Luis Borges o definiu como o grande esteta que estava quase sempre certo. Já para Harold Bloom, Wilde foi um gênio, uma força geradora inata e um outro eu, que busca e encontra a destruição. O artista, e todo ser humano, tem tanto uma capacidade criativa como destrutiva. Aos 44 anos o escritor já era um dos maiores da Europa no fim do século XIX, foi quando decidiu processar um marquês, pai de seu amante, contrariando todos os seus amigos. Perdeu o processo e foi condenado à prisão com trabalhos forçados por três anos. Foi preso pelo preconceito, por ser homossexual, e aí escreveu: “Terrível foi sem dúvida o que o mundo fez comigo, mais terrível ainda foi o que eu fiz contra mim mesmo”. Li essa frase há mais de meio século e nunca a esqueci, pois fiquei espantado com essa verdade e com a sinceridade do autor.

Wilde, escritor de obras de teatro, de um romance como “O retrato de Dorian Gray”, de ensaios críticos à sociedade inglesa e ao capitalismo, não suportou tanto sucesso. Freud ainda não havia escrito um de seus ensaios breves mais importantes, “O problema econômico do masoquismo”, o que só fez em 1924. Entre os caminhos para se pensar a culpa, a necessidade de castigo que a gente carrega, convém acrescentar a desistência, especialmente, o desistir da vida. Em certas crises sofridas, em diferentes lutos, a vida requer uma renovação do amor à vida. Aí pode ocorrer um desânimo, uma tendência a se abater, na qual a tristeza cresce, assim como a pulsão de morte.

Oscar Wilde foi um herói trágico, e, às vezes, a gente pode, temporariamente, não desistir de se afundar no desejo de se destruir. Freud mesmo escreveu no ensaio sobre o narcisismo que o ódio é anterior ao amor e, talvez, mais poderoso. Escrevo sobre o sofrimento a partir do livro “Sobre desistir” do psicanalista inglês Adam Phillips. Psicanalista ainda pouco conhecido no país, autor de muitos livros já traduzidos em vários idiomas. Sua visão da psicanálise está exposta numa entrevista que vale muito a pena assistir. Fiquei contente com a entrevista, pois muito do que diz está próximo do livro “Humor é coisa séria” que escrevi há dez anos. Ah, é uma opinião, é claro, mas esse tem sido um espaço para se pensar e conversar por escrito.

A tendência a sofrer dificulta perguntar sobre por que as pessoas, às vezes, são viciadas em sofrimento. Como a gente pode estragar a festa, diminuir a alegria de viver, terminando por gostar da posição de vítima, vítima da vida. Essa necessidade de castigo talvez alivie um mal maior, que é o desamparo. Para se proteger do horror de se sentir completamente só e sem apoio, a gente se vale do amparo de que outro castiga a gente, e assim se gera um luto infinito. O sofredor crônico nunca está só, convive com um perseguidor que o maltrata.

Todas as pessoas sofrem. O problema são os sofrimentos intensos ou os que parecem nunca ter fim. Especialmente quando se sofre só, pois quem sofre sozinho esquece suas origens, tende a ter sentimentos depreciativos sobre si. E é pelo sofrimento que se busca algum tratamento psíquico; mas a imensa maioria se apoia na fé, na religião. Também há os caminhos perigosos como os mais diferentes vícios. O sofrimento acompanha o ser humano do nascimento à morte e tem, no mínimo, três origens, como escreveu Freud: o próprio corpo pela doença, quando um só vírus ameaça a vida; o mundo exterior pelas forças implacáveis da natureza (o ataque humano à natureza) como foi a recente enchente; e, finalmente, as relações com os outros seres humanos, relações ambivalentes que oscilam entre o amor e o ódio, e aí pode se chegar à crueldade que gera tanto sofrimento nos demais.

Aí ocorre um outro vício do ser humano que é o de fazer sofrer aos demais, decorrente da crueldade do poder enlouquecido por lucros. Gerar sofrimento aqui se revela no cotidiano quando os negros são perseguidos e mortos, assim como os indígenas e pobres. Também no filme “Ainda estou aqui” se pode perceber como Eunice Paiva reage e luta contra os armados que torturaram e mataram seu esposo. Ela e os filhos se unem à luta contra a ditadura na defesa da democracia.

Para concluir, relembro a frase de Wilde, que gravei pelo alerta e medo da ameaça: “Terrível foi sem dúvida o que o mundo fez comigo, mais terrível ainda foi o que eu fiz contra mim mesmo”. Em algum lugar também li: “os humanos tem essa curiosa mania de se agarrar ao sofrimento como ostras nas rochas”. O desafio é como desgarrar essas ostras da rocha, o que leva tempo e desafia a paciência do analista e analisando. Quando se consegue, é uma conquista; é a vitória da leveza diante do peso, do sorriso diante da lágrima.

Entrevista com Adam Phillips, autor de “Sobre desistir”

publicação original:

https://terapiapolitica.com.br/viciados-em-sofrimento/

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