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Novo regime fiscal estabelece a ordem social e coloca a economia a serviço da vida?

9 de dezembro de 2024

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imagem: Antonio Cruz | Agência Brasil

texto: Patricia Fachin

 

O novo arcabouço fiscal do Brasil, a financeirização da vida e as crises socioambientais é tema de debate no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, neste terça-feira, 10-12-2024. Economistas Miguel Carvalho, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e João Marcos Hausmann Tavares, da Universidade Federal Fluminense (UFF), discutem as implicações da proposta apresentada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que substituiu o criticado Teto de Gastos implementado na gestão Temer, pretende ser um “regime fiscal sustentável focado no equilíbrio entre arrecadação e despesas”, com a finalidade de controlar o endividamento público e criar condições para reduzir os juros e possibilitar o crescimento econômico. 

À primeira vista, o plano parece razoável, mas “a filosofia por trás da proposta do NAF está equivocada”, disse a economista Gláucia Campregher ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU em 2023, quando o projeto foi apresentado pela primeira vez pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Não seria racional atrelar o crescimento dos gastos ao crescimento da população, à melhoria de vida da população? Se a concentração de renda melhorar, então o gasto pode cair. Pronto. Será que não conseguimos fazer uma racionalização de outra natureza? Por que a racionalização precisa ter, por trás, a filosofia de que, acima de tudo, o orçamento para a população deve ficar dentro da arrecadação? Por quê? Essa pergunta merece uma resposta”, pontua.

 


 

Será que não conseguimos fazer uma racionalização de outra natureza? Por que a racionalização precisa ter, por trás, a filosofia de que, acima de tudo, o orçamento para a população deve ficar dentro da arrecadação? Por quê? Essa pergunta merece uma resposta.

Gláucia Campregher

 


 

 

Outro economista que não está de acordo com o NAF é David Deccache, assessor técnico na Câmara dos Deputados. Apesar da proposta de Haddad ser diferente do Teto de Gastos do governo Temer, “os fundamentos são os mesmos”, assegura. “A lógica estrutural é a mesma. A diferença é que no novo teto de gastos pode haver o crescimento de até 2,5%, em termos reais, acima da inflação, e no teto do Temer não havia esse crescimento. Mesmo esse argumento é frágil porque o teto do Temer era frequentemente furado. Quando observamos os dados reais, o crescimento das despesas primárias era acima até de 2,5% em vários anos, mesmo antes da pandemia. No primeiro ano do governo Bolsonaro, teve um crescimento 2,7% acima da inflação. Então esse 2,5%, que é o máximo, que é o melhor dos mundos, está duas ou três vezes abaixo do que os governos Lula I e II faziam em termos de taxa de crescimento de gastos, que é o que dá a direção do tamanho dos gastos sociais de investimentos públicos. Está em linha com o que se observava na prática nos governos anteriores de Temer e Bolsonaro: não há uma mudança na trajetória de crescimento desses gastos”, explica. 

 

A subordinação das políticas públicas à austeridade fiscal, quando adotada por governos progressistas, sublinha o economista, desencadeiam consequências que ultrapassam o âmbito econômico. “Ao contrário dos governos declaradamente inimigos da classe trabalhadora e representantes da classe dominante, a imposição de políticas econômicas neoliberais por governos progressistas tem impactos políticos e ideológicos particulares na percepção e consentimento da classe trabalhadora organizada, partidos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais”. 

 


 

A imposição de políticas econômicas neoliberais por governos progressistas tem impactos políticos e ideológicos particulares na percepção e consentimento da classe trabalhadora organizada, partidos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais.

David Deccache

 


 

O novo arcabouço fiscal do Brasil, a financeirização da vida e as crises socioambientais serão o tema do debate do Ciclo de estudos: O Brasil em debate: repensar a economia e suas perspectivas, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU nesta terça-feira, 10-12-2024. Às 10h, Miguel Carvalho, professor do Departamento de Ciências Econômicas (DeCE) do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e João Marcos Hausmann Tavares, professor de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), comentarão as implicações do NAF, apresentado recentemente pelo ministro Haddad. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no YouTube.

Para Evilásio Silva Salvador, economista e professor na Universidade de Brasília (UnB), o NAF, assim como o Teto de Gastos anteriormente, são mecanismos para conter a expansão dos gastos do orçamento público, desde que “não sejam aqueles relacionados ao pagamento de juros. Trata-se, tanto a EC95 quanto o Arcabouço Fiscal, de um enorme esforço do governo e da sociedade brasileira para transferir parcelas significativas do orçamento público para uma classe privilegiada de rentistas, especuladores e daqueles que vivem sem efetivamente contribuir para o desenvolvimento e o crescimento da economia brasileira”.  

Segundo Salvador, há uma disputa em torno do orçamento público, de um lado, para aumentar os gastos sociais e, de outro, garantir a “remuneração daqueles que vivem dos juros da dívida pública”. Para sair dessa armadilha, sugere, “é preciso construir uma política econômica em que a ordem do capital seja abandonada. É preciso estabelecer a ordem social, colocar a economia a serviço da vida; nós temos que pensar uma economia garantidora de direitos. As premissas do comando econômico do país têm que ser: essas medidas econômicas são geradoras de emprego e renda? Elas contribuem para o crescimento e o desenvolvimento econômico com inclusão social dos mais pobres? E com a redução das desigualdades de gênero, raça e classe social?”

 


 

As premissas do comando econômico do país têm que ser: essas medidas econômicas são geradoras de emprego e renda? Elas contribuem para o crescimento e o desenvolvimento econômico com inclusão social dos mais pobres? E com a redução das desigualdades de gênero, raça e classe social?

Evilásio Silva Salvador

 


Sobre os palestrantes 

Miguel Carvalho é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Economia Política Internacional e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tem experiência nas áreas de Economia e Relações Internacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: experiências de desenvolvimento comparadas, financiamento do desenvolvimento, economia chinesa e economia brasileira.

João Marcos Hausmann Tavares é graduado em Ciências Econômicas, mestre em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento e doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre seus temas de pesquisa, destacam-se economia política e teoria econômica, desenvolvimento, sistemas nacionais de inovação e políticas de inovação. Seu projeto de pesquisa atual é sobre a crise brasileira e a economia política, no qual articula temas do debate público e a longa construção da economia política na história do pensamento econômico.

 

publicação original:

https://www.ihu.unisinos.br/646870-novo-regime-fiscal-estabelece-a-ordem-social-e-coloca-a-economia-a-servico-da-vida

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