Por justiça tributária no Imposto de Renda – Por Ricardo Berzoini
6 de dezembro de 2024
imagem: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
texto: Ricardo Berzoini
Compete aos parlamentares apresentarem emendas que evitem que o sistema tributário seja reformado de uma forma inadequada à necessidade de justiça tributária.
Esta é uma reflexão para o governo que eu apoio, liderado pelo presidente Lula. Foi esse governo que, apesar dos enormes obstáculos, reconstruiu a perspectiva de um projeto de desenvolvimento nacional, inclusivo e sustentável, sobre os escombros da aventura autoritária do governo anterior.
Reafirmo o meu apoio ao equilíbrio fiscal. Mas não acredito que ele seja um valor absoluto, nem que deva ser pretendido em todo e qualquer exercício orçamentário, pois os fatores conjunturais exigem decisões táticas, à luz das necessidades e contingências nacionais de cada momento. Assim fazem os países mais desenvolvidos.
Sendo assim, compreendo que o nosso governo perde enorme oportunidade de tratar o debate sobre a reforma tributária da renda e da propriedade de forma mais pedagógica e para propor à Nação as decisões que podem nos libertar de várias contradições.
Espero que o Congresso Nacional, pelas bancadas do campo popular, possa aproveitar o ano de 2025 para suprir essa deficiência. Os partidos e entidades desse campo devem organizar essa luta, de forma massiva, nas universidades, nos locais de trabalho e nas periferias de nosso país. A tramitação da etapa da Reforma Tributária que trata dos impostos sobre o consumo está quase concluída. O governo prometeu tratar da tributação das rendas e das propriedades assim que estivesse consolidada aquela emenda constitucional e sua regulamentação.
Todos aplaudimos o trabalho do Executivo e do Legislativo, que cria o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). Isso simplifica e elimina deficiências do sistema. Mas não toca na principal distorção de nosso sistema tributário, a maior tributação sobre consumo e trabalho e menor encargo sobre renda e propriedade.
Só o Brasil, entre as mais relevantes economias do mundo, tem tamanha distorção. E isso se dá especialmente por conta de mudanças na legislação do Imposto de Renda, ocorridas no início do Plano Real, que isentaram os dividendos de tributação e criaram a figura da Distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP), que reduz o lucro líquido tributável, especialmente das grandes empresas. Com esses dois elementos, a tributação dos muito ricos é brutalmente menor que a das classes médias assalariadas no Imposto de Renda. Se considerarmos toda a carga tributária, a regressividade contributiva fica ainda pior.
O governo, ao propor isentar da tributação sobre a renda da pessoa física aqueles que recebem até R$ 5 mil ataca uma das distorções, eliminando contribuição de quem tem renda que mal dá para a sobrevivência. É uma renda inferior ao Salário Mínimo do DIEESE, cálculo que a entidade faz mensalmente como o mínimo necessário para cumprir o mandamento constitucional do artigo 7º, inciso IV. São rendimentos essenciais às despesas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Mas construir uma tabela progressiva a partir dessa faixa, com alíquotas crescentes, permite que façamos a tributação da renda de acordo com outro comando da Carta Magna, o da capacidade contributiva. Assim poderíamos propor uma alíquota de 7,5% para rendimentos de até R$ 10 mil, de 15% daí até os R$ 15 mil, 22,5% até R$ 20 mil, 27,5% até 25 mil e acrescentar uma de 35% a partir de R$ 50 mil.
Para manter a arrecadação, é necessário incluir como renda tributável todas as formas de rendimentos (salários, dividendos, aluguéis e outros similares) das pessoas físicas.
Essa proposta teria o mérito de não inventar nenhuma novidade, apenas alinharia o sistema tributário brasileiro aos padrões dos países da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Por isso, é fundamental aperfeiçoar a proposta apresentada pelo governo, junto com o programa de ajuste fiscal. Pelo que foi possível compreender, haverá, se aprovado como anunciado, uma faixa de isenção, uma breve faixa de transição, de R$ 5.001 a R$ 7.500, e acima disso, 27,5% como faixa única, o que vai equiparar a alíquota nominal de quem ganha R$ 10 mil por mês à dos que ganham centenas de milhares de reais. Ademais, a forma de compensar a queda da arrecadação dos que se beneficiarem da isenção é a tributação de ganhos hoje não tributáveis (dividendos, suponho) pela alíquota de 10% apenas. Ora, parece outra inovação, senão improvisação.
Com essa forma de tributar mantém-se a injustificável distorção em que o salário de um trabalhador qualificado, que ganhe R$ 12 mil, por exemplo, pague mais que a do grande investidor, que receberá suas centenas de milhões com uma tributação de 10% apenas, enquanto o assalariado terá uma alíquota efetiva de 17%. É bem verdade que, atualmente, qualquer acionista que receba dividendos é isento, por conta da lei aprovada em 1995. Mas essa isenção é imoral e contraditória com o princípio constitucional da capacidade contributiva. Além do mais, não é praticada em nenhum país relevante do mundo. Em alguns países a alíquota chega a 40%. Nos EUA são tributados em 30% diretamente na fonte. Portanto, temos uma boa oportunidade para nossa economia se aproximar da prática dos países da OCDE, tal como as vozes do mercado financeiro tanto reclamam. Agora, compete aos parlamentares apresentarem emendas que evitem que esse sistema tributário seja reformado de uma forma inadequada à necessidade de justiça tributária. E que o governo entenda e colabore para evitar essas distorções.
Por fim, vale lembrar que precisamos tratar também da tributação sobre heranças e propriedades opulentas. A distorção da tributação nacional sobre o patrimônio é ainda maior do que sobre os fluxos de renda. Mas isso fica para um próximo artigo.
publicação original:
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