O Custo à Sociedade de uma Elevada Taxa de Juros
26 de novembro de 2024
imagem: Jornal GGN
texto: Henrique Morrone, Alessandro Miebach e Adalmir Marquetti
Neste ano, a obra seminal do economista italiano Luigi Pasinetti, “The Social Burden of High Interest Rates”, completa 27 anos. O estudo aborda um debate chave da política fiscal: a relação entre a gestão das contas públicas e o impacto das altas taxas de juros na economia. O autor confronta duas abordagens opostas. A primeira, mais convencional, defende que o controle das contas públicas é essencial para manter a dívida pública em níveis sustentáveis, com especial atenção à relação Dívida/PIB. Isso implica na necessidade de reduzir os gastos governamentais para evitar o aumento da dívida e garantir a confiança dos investidores internacionais.
Em contraste, a teoria das Finanças Funcionais argumenta que o problema da dívida pública não está no gasto em si, mas nas altas taxas de juros que prevaleceram nas economias após os anos 1980. Para esses economistas, a solução seria uma política econômica mais flexível, com taxas de juros mais baixas, o que reduziria o peso da dívida pública.
Este debate é particularmente relevante para o Brasil, especialmente diante da atual política de juros elevados e seus impactos sobre a dívida pública do país. A questão central é que, em um cenário de juros altos, o governo muitas vezes opta por reduzir gastos essenciais em áreas como saúde e educação ou ainda comprimir os investimentos públicos, com vistas a manter o equilíbrio fiscal, o que acaba comprometendo o crescimento sustentável no longo prazo. Ao fazer isso, o denominador da relação Dívida/PIB — o PIB — cresce de forma mais lenta, elevando a razão Dívida/PIB e criando uma espiral negativa para as finanças públicas.
O estudo de Pasinetti oferece uma poderosa lição para o Brasil. Ele argumenta que o crescimento da dívida pública não é um problema em si, desde que a taxa de juros seja compatível com a taxa de crescimento da economia. Se o crescimento do PIB for superior à taxa de juros, o aumento da dívida não representa um problema. A dívida aumenta, mas o PIB cresce a taxas maiores, o que reduz a relação Dívida/PIB. O problema ocorre quando a taxa de juros ultrapassa o ritmo do crescimento econômico, gerando uma pressão insustentável sobre o orçamento público e a sociedade.
No Brasil, a insistência em taxas de juros elevadas tem sido uma das principais causas do aumento do custo da dívida pública, a qual se expande a taxas maiores do que o PIB. Como consequência, o governo se vê pressionado a cortar custeio e investimentos, criando um ciclo vicioso de reduzido crescimento e baixo investimento. Isso, por sua vez, agrava ainda mais a relação Dívida/PIB.
A verdadeira questão é que o Brasil está preso em uma lógica fiscal que ignora os efeitos do alto custo da dívida sobre o crescimento econômico. A busca incessante por superávits fiscais e o controle estrito da dívida estão minando as condições para o maior crescimento econômico. As altas taxas de juros dificultam a expansão dos investimentos.
A obra de Pasinetti continua sendo relevante para entender a situação do Brasil. Em vez de continuar na busca por superávits fiscais a qualquer custo, o país deveria considerar um modelo que permita conviver com déficits públicos controlados, desde que a taxa de juros esteja alinhada com o crescimento econômico. Isso não significaria irresponsabilidade fiscal, mas sim uma abordagem mais pragmática e orientada para o crescimento.
Uma política monetária mais flexível, com taxas de juros menores, permitiria que o Brasil se concentrasse no investimento público em infraestrutura, educação e saúde — pilares fundamentais para um crescimento sustentável no longo prazo. Uma política de investimento público que alivie o peso da dívida sobre a população e promova o crescimento econômico sem a necessidade de recorrer à austeridade fiscal seria o caminho ideal a seguir.
O Brasil vive um paradoxo: a busca constante por uma “estabilidade fiscal” em um contexto de juros altos tem levado a um cenário de estagnação econômica, enquanto o custo da dívida continua a subir. Pasinetti nos oferece um contraponto importante: a verdadeira estabilidade fiscal não viria do corte de gastos e da austeridade, mas sim da adoção de uma política fiscal e monetária mais alinhada com o crescimento econômico, permitindo uma queda da razão dívida-PIB.
Cabe apontar ainda que a política monetária restritiva, caracterizada pela elevação da taxa de juros, não apenas contribui para o baixo crescimento, como também acentua a desigualdade de renda. Nesse sentido, a alta rentabilidade dos ativos financeiros beneficia principalmente os detentores da riqueza financeira, enquanto a população em geral sofre com a perda do poder aquisitivo e a redução das oportunidades de investimento. Essa dinâmica contribui para a fragilização do contrato social e a perda de legitimidade da democracia.
Os formuladores de políticas econômicas devem revisitar as reflexões de Pasinetti, que apontou os efeitos negativos da política de austeridade, adotada para o controle da dívida pública, sobre o crescimento econômico e a organização política das sociedades modernas. A prioridade deve residir em criar condições para um crescimento econômico sustentável e inclusivo. Isso só será possível com a compreensão que os juros altos são, de fato, um dos maiores obstáculos para a recuperação da economia brasileira.
Pasinetti denominou de revenge of the rentier (revanche/vingança dos rentistas) a mudança no padrão de condução da política econômica após 1980, em contraposição à euthanasia of the rentier (eutanásia dos rentistas) descrita por Keynes na década de 30 do século XX. É necessário retomar no país a discussão sobre o crescimento do investimento produtivo, reduzindo o poder do setor financeiro. Os juros elevados favorecem os rentistas e os mais ricos, acentuam a desigualdade de renda e reduzem o crescimento. Essa dinâmica contribui para a fragilização do contrato social e a perda de legitimidade da democracia. Um novo arranjo de políticas econômicas é necessário para viabilizar maiores taxas de crescimento econômico e reduzir as desigualdades e com isso propiciar o pleno desenvolvimento das pessoas e da sociedade brasileira.
publicação oriiginal :
https://jornalggn.com.br/economia/o-custo-a-sociedade-de-uma-elevada-taxa-de-juros/
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