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A Esquerda Desnorteada

17 de outubro de 2024

A Esquerda Desnorteada

imagem: red.org.br

texto: Carlos Águedo Paiva

 

Não dê ouvido à maldade alheia, e creia .

Como digo sempre, é melhor ler e ouvir bobagens do que ser cego e/ou completamente surdo. Mas na semana passada, a barra pesou, e todos os gênios da análise política saíram do armário. Não sei o que seria de mim se eu não fosse tão calmo, esse verdadeiro Buda, essa reencarnação de Sidarta Gutama.

Como transito no campo da esquerda, a maior parte das análises que chegaram a mim vieram daí. Boa parte dos comentários veio do PCM (Partido da Crítica Militante) e de sua tendência majoritária, a EAQIDM (Eu avisei que ia dar m…). Nem vou comentar. Não dá para dialogar com quem realmente acredita que o Brasil é fácil e que bastaria trocar os abobados que governam o país e dirigem os Partidos de Esquerda para tudo se resolver.

No campo oposto, houve quem olhasse para o sol através da peneira e pretendesse estar na sombra. Essa é a turma que só vê a metade cheia do copo. Enquanto grupo, os prefiro (e muito) à turma do PCM. Até porque sem otimismo não há energia para batalhar. E eles trouxeram à luz elementos importantes. A começar pela expansão do número de votos do PT, após anos de pauladas da direita (e de uma certa “esquerda”) como o “partido mais corrupto da história do país”. Lembraram que o PT e o PSB tiveram um aumento expressivo no número de prefeituras e de vereadores. Mas deixaram de lado o crescimento assombroso do PDS (de Kassab), o retorno do MDB e a expansão acelerada do PL de Valdemar-Bolsonaro-Malafaia. Assim como o encolhimento de PSOL, PcdoB, Rede, PV e PDT. Deixaram de lado o lado ruim. Mas não dá para fazer isso. Precisamos, sim, falar sobre o voto do Kevin.

Muitos tentaram. Mas, a maioria, do meu ponto de vista, ficou no superficial. Mesmo o usualmente arguto e esclarecedor Reinaldo de Azevedo foi pelo lado errado, associando  a votação aquém das expectativas com as dificuldades do Governo Lula em mostrar o que está fazendo e ampliar de forma expressiva sua taxa de aprovação. Onde está o erro? Na associação da aprovação de Lula com o voto nos municípios. Concordo com o Reinaldo que a avaliação do Lula está aquém da qualidade do governo. Mas ela não é ruim: vem girando no 1/3 para ótimo-bom, 1/3 médio e 1/3 ruim-péssimo. Esse é o perfil de um país (e de um mundo) polarizado. O problema é que a esquerda não fez 1/3 dos votos. E não faria mesmo que a avaliação do Lula fosse muito melhor. Porque as questões nacionais não são o objeto da atenção do eleitor municipal. As questões da cidade é que são seu objeto. E como ele avalia a competência e capacidade de cada candidato de responder às suas demandas.

Reinaldo acerta um pouquinho mais quando fala dos problemas de comunicação do governo e da hegemonia da direita nas redes sociais. Mas não parece entender qual é o ponto crucial nesse quesito. E se mostra algo surpreso com o fato de que a direita conquiste tantos corações e mentes com tantas bobagens, sandices e fake-news. Creio que Reinaldo não leu Herbert Simon e sua teoria da Economia da Atenção. A tese de Simon foi construída com base apenas no avanço da televisão e dos meios de radiodifusão. Antes da internet. E ele já dizia que o volume de informações e dados cresce de forma tão avassaladora que, cada vez mais, apenas as declarações mais ousadas receberão atenção. Haverá um momento, que só loucos, desvairados e palhaços vão conseguir ser ouvidos. Pois é; esse é o ponto. O discurso da esquerda é velho, chato, monótono, professoral, cansativo. Não é um caso universal. Há exceções. E tem gente que entende disso. Como o Deputado Federal Leonel Radde, por exemplo, que, mesmo fora da direção da campanha do PT em Porto Alegre, produziu alguns dos vídeos mais engraçados, politizados e virais das eleições de 2024.

Mas o problema de comunicação é apenas a ponta do iceberg. Radde sinaliza para algo mais, ao dizer que não se trata apenas de forma, mas de comunicação, de diálogo com a população. Wilson Gomes dá um pequeno passo a mais em seu artigo publicado na Folha de São Paulo no dia 8 de outubro, cuja conclusão é:

Desconfio que os progressistas de esquerda preferem continuar com hipóteses que acabam por desprezar o discernimento das massas e subestimar sua capacidade de escapar da manipulação porque receiam não gostar das respostas que obteriam se fizessem as perguntas certas.

Sim. Perfeito. E quais são as perguntas certas? Vasculhe o que for no texto de Gomes e não encontrarás uma única explicação. Ele fala do crescimento contínuo da direita no Brasil. Mas esquece de dizer que o fenômeno é mundial. Na verdade, esquece que este movimento no Brasil (e na Colômbia, e no México, e em toda a América Latina) tem sido muito mais ziguezagueante e contraditório do que na Europa ou nos EUA. Quem sabe olhamos um pouco mais para esse ponto?

  • Uma historinha edificante

Apesar de ser gaúcho da gema, da clara, da gala e da casca, fui fazer Mestrado em Campinas e passei 15 anos fora dos pagos. Voltei em 1999 para trabalhar na assessoria econômica do Governo Olívio Dutra, quando passei a coordenar a produção da Estratégia de Desenvolvimento Econômico. Logo percebi uma janela de oportunidade na grande desvalorização do Real na entrada do segundo governo FHC. A abertura para o exterior da economia gaúcha sempre foi elevada e alguns dos setores mais empregadores (como a indústria calçadista, à época) dependiam fortemente do mercado externo. Após 4 anos de crise, associado ao câmbio sobrevalorizado, era hora de voltar a exportar e empregar muito. Além disso, a Economia Gaúcha conta com uma estrutura produtiva peculiar, onde o número e a participação no emprego de micro e pequenas empresas rurais e urbanas é muito superior ao padrão nacional. Por maior que fosse o potencial empregatício de um novo boom exportador, ainda haveria muita gente desempregada e ocupada informalmente, sem condições de auferir uma renda consistente com as necessidades de reprodução da família. A equipe que eu coordenava produziu, então, uma Estratégia que um querido amigo (à época, assessor-economista do Presidente do BRDE) afirmava (com alguma ironia e bom-humor) estar baseada em dois princípios: 1) Exportar é o que importa; 2) Small is beautiful. E era vero. Ia por aí.

Para a minha enorme surpresa, recebi uma saraivada de críticas que impôs o adiamento do lançamento do programa por quase um ano. Ouvi de um companheiro, que se dizia luxemburguista, que o centro do desenvolvimento era o mercado interno e que era preciso garantir que haveria sapatos para os pobres gaúchos calçarem (até hoje me pergunto o que ele entendeu das teses da Rosa sobre demanda efetiva e o papel das exportações na consolidação do imperialismo). Ouvi de companheiros ligados ao MST e ao MPA – vale dizer, ligados à luta do campesinato – que eu propunha que o PT apoiasse a pequena burguesia urbana e que isso era reacionário. Como a proposta vinha associada à retomada do microcrédito e esgrimíamos as teses de Muhammad Yunus (autor de O Banqueiro dos Pobres), recebi críticas de estar defendendo o sistema financeiro e o assistencialismo. Sobre a proposta de apoio às microempresas, um Secretário de Estado acusou a equipe de estar querendo requentar o programa de FHC: “Desemprego? Não! Dê Empregos”. Com vistas a dirimir dúvidas, apelou-se para os “Universitários”: foram chamados dois economistas gaúchos que, à época, lecionavam em Campinas e tinham por foco de pesquisa o mercado de trabalho, para avaliarem “a Estratégia dos Menudos Charrua”. Ambos disseram que a Estratégia proposta era mirabolante, que só o Governo Federal pode enfrentar o problema do desemprego e que isso só se faz com programa de desenvolvimento industrial. … Descobri, à época, que cansaço cansa, mas não mata. Apesar de tudo, a Estratégia foi lançada. Mas sua implementação deixou muito a desejar.

Em 2003, Lula chegou ao Planalto. No primeiro mandato, surfa na desvalorização do real (derivada do ataque especulativo associado às projeções de sua vitória) e no boom das commodities capitaneado pelo crescimento chinês. Lulinha, exportar é o que importa. Em 2004, criou o “assistencialista” Bolsa Família. Ao final do primeiro mandato, cria o Simples Nacional. No segundo mandato, cria a figura do Microempreendedor Individual. Lulinha, versão Small is Beautiful! Lula é um cara heterodoxo e corajoso. Por quê? Primeiro, porque é inteligentíssimo e não se apega a dogmas. Segundo, porque foi pobre e sabe onde dói a miséria: na boca do estômago. Infelizmente, a coragem de Lula para sair da “zona de conforto” e seu conhecimento das dores do Zé Povinho estão muito longe de serem universais.

 

A direita avança! Jura? É mesmo? Por que será?

A principal tese de Wilson Gomes no artigo já citado é de que a direita vem avançando no país. Sim. Mas não é só no país. É no mundo todo. Vamos dar uma olhada no que ocorre na Europa para ver se temos alguma pista.

Petr Bystron é deputado do Parlamento Europeu (PE) pelo Partido Alternativa pela Alemanha (AfD). O AfD é um partido nacionalista de direita que cresce aceleradamente com base em sua apologia das tradições étnicas e culturais germânicas e da defesa da deportação de imigrantes não-arianos. Mas há um pouco mais do que isso. O AfD também ousa dizer que a Alemanha e a União Europeia (UE) estão operando como instrumentos dos EUA em sua guerra (por procuração) contra a Rússia, através da Ucrânia. O AfD é contra aumentar os impostos dos cidadãos alemães, com vistas a manter o déficit fiscal sob controle, a despeito do aumento dos dispêndios militares derivados da Guerra entre Ucrânia-Russa. Petr Bystron afirma que a subserviência da Alemanha e da UE ao Tio Sam está alimentando a crise econômica no velho continente e jogando a Rússia no colo da China, do Irã e da Coreia do Norte. Pior: critica a destruição do gasoduto submarino russo (Nord Stream) e afirma que a elevação dos preços de energia está levando a Alemanha a uma crise econômica sem precedentes. Petr Bystron está sendo acusado de receber dinheiro para fazer propaganda pró Rússia. Mas vai ser difícil cassar o seu mandato. Ele está a cada dia que passa mais popular. Por que será? Será por quê?

Sahra Wagenknecht é uma economista e filósofa alemã, filha de um imigrante iraniano. Nascida na Alemanha Oriental, ela passou a militar na Fração Comunista do Partido Social-Democrata (PSD) após a unificação alemã. Migrou para o “A Esquerda”, quando a Fração Comunista rompeu com o PSD. Seu trabalho de Mestrado é sobre a interpretação marxiana de Hegel. Seu doutorado é uma crítica à teoria neoclássica da relação entre poupança e investimento. Em 2023, rompeu com o “A Esquerda” e criou um novo partido. Apesar de seu nome oficial ser “Razão e Justiça”, seja pelo apelo popular e eleitoral de Sahra, seja porque seus críticos gostam de apontar o narcisismo, personalismo e autoritarismo dessa “figura desviante” (oriental, comunista, morena, filha de imigrante iraniano, economista, filósofa e mulher) a organização é mais conhecida como “Aliança Sahra Wagenknecht” (BSW). As posições de Sahra e do Razão e Justiça sobre a Guerra da Ucrânia e sobre a imigração são similares às da AfD. Apenas com um “plus a mais adicionado que se soma”: Sahra entende que o desemprego é filho das políticas econômicas ortodoxas adotadas pela União Europeia (e pela Alemanha); e que a imigração é um desdobramento das guerras imperialistas no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e na Ucrânia. Para ela, defender o emprego dos alemães é indissociável do rompimento com a austeridade fiscal e do imperialismo dos EUA e da EU. Sahra defende um mundo multipolar. E, por isso, também é vista como uma “agente de Putin”.

Em um recente podcast, o Xadrez Verbal conversa com Henning Speck (a entrevista tem início ao final da primeira hora), diplomata alemão e conselheiro para assuntos internacionais da Democracia Cristã (CDU). Em sua análise, Speck fala do novo papel da Alemanha na segurança da Europa; argumenta que o Ocidente subestimou a sanha imperialista da Rússia, elogia as ações da OTAN na ex-Iuguslávia e em Kosovo, faz uma crítica (discreta, pero no mucho) à posição do Brasil no conflito da Ucrânia e mostra alguma preocupação com o crescimento da direita (AfD) e do populismo russófilo que se apresenta como esquerda (BSW). “Coincidentemente”, em dois artigos recentes de “El Viento Sur” (órgão de divulgação de uma das tantas frações da Quarta Internacional), faz-se uma avaliação do avanço do BSW e comemora-se as vitórias das democracias ocidentais na Guerra (“da Ucrânia”) contra a Rússia. A convergência dos textos da Quarta com a leitura do consultor da Democracia Cristã alemã chega a ser chocante.

Em um de seus inúmeros (e, usualmente ótimos!) vídeos, Jeffrey Sachs faz uma pergunta crucial: o que é ser de esquerda ou de direita nos dias que correm? Como regra geral, a direita sempre foi belicista, enquanto a esquerda lutava pela paz mundial e pela superação dos nacionalismos e etnicismos. Hoje, a Ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, do Partido Verde, que participa da coalizão governamental com o PSD, é, talvez a liderança mais belicista da Europa. Enquanto o AfD defende a paz. Juntamente com o esquerdista BSW. … Pois é. E então?

 

O Capitalismo Contemporâneo e o Desemprego Estrutural

Em The Tecnology Trap (um livro para lá de fundamental), Benedict Frey analisa o impacto social, político e cultural da revolução tecnológica associada à robótica. A tese de Frey é simples: Marx errou ao pretender que a automação (já observável na Indústria Têxtil) se generalizaria rapidamente, levando à simplificação e negação do trabalho e, por extensão, à pauperização e lumpenização do proletariado. No século XIX, o setor mais importante da indústria de transformação – o metalmecânico, responsável pela produção de máquinas e armas – não poderia dispensar o trabalhador treinado e especializado. Até a Guerra Civil norte-americana, sequer as peças dos fuzis eram intercambiáveis: não havia standartização real das mesmas. A produção de peças intercambiáveis ainda dependia da qualificação e treinamento dos trabalhadores (taylorismo) e da uniformização dos modelos (fordismo). Com o advento da robótica, tudo mudou. A automação produtiva permite até mesmo a retomar a diversidade dos modelos produzidos com um número cada vez menor e com um treinamento e qualificação cada vez mais elementar. “Finalmente”, os prognósticos de Marx estão se realizando. Sai de cena o operário fabril e entra em cena o “batalhador precarizado”.

A versão mais típica desse novo “trabalhador” é o motorista do Uber. Para este sujeito, as palavras de ordem tradicionais da esquerda – reforma trabalhista com vistas a retomar os direitos perdidos; redução da jornada semanal de trabalho; nova política industrial baseada em inovações tecnológicas (poupadora de mão de obras!), com vistas a aumentar a produtividade e competitividade das (grandes) empresas nacionais; retomada do desenvolvimentismo e dos investimentos públicos; cotas para negros e transexuais no ensino, no funcionalismo público e nas empresas (donde ele já foi demitido); defesa do meio-ambiente e fim do desmatamento da Amazônia; criminalização do racismo, da misoginia e da homofobia; reforma agrária; apoio estatal à produção cultural; descriminalização do uso de drogas; alteração da política prisional com vistas a liberar os apenados cujo processo não transitou em julgado; defesa dos direitos dos povos originários; fim do garimpo ilegal; acolhimento de refugiados políticos venezuelanos, sírios, palestinos, líbios e ucranianos; defesa da Constituição Cidadã de 1988; defesa das instituições democráticas e do Estado de Direito – são velhas, pertencem a um mundo que já se foi, não dialogam com sua realidade cotidiana.

O que fazer, então? Abandonar as palavras de ordem tradicionais? É claro que não! Não é disso que se trata. Trata-se apenas de incorporar novas palavras de ordem, que dialoguem com a realidade do trabalhador precarizado, com os desafios da contemporaneidade. Essas pessoas precisam de apoio público para auferirem renda a partir das atividades e ocupações que o mundo contemporâneo está a oferecer. E – por incrível que possa parecer àqueles que contam com nível superior em Universidades de excelência, que atuam como funcionários públicos ou como profissionais liberais – a sobrevivência desta turma em seus esforços “empreendedorísticos” é extremamente difícil. Até mesmo no plano ideológico, no plano da esperança, do “adestramento moral” para o trabalho árduo, é preciso apoio. E quem o fornece? As igrejas reformadas (em especial, as neopentecostais) com a inculcação da ética calvinista (trabalhar sempre mais, poupar tudo que for possível, não beber, não usar drogas, não cair em tentação) e da “teologia da prosperidade”. E, aqui, é preciso tomar o termo “Igreja” num sentido realmente amplo. Nem só de Assembleia de Deus (Edir Macedo) e de Vitória em Cristo (Pastor Malafaia) vive a nova teologia. Pablo Marçal não criou uma igreja propriamente, mas o que ele chama de “Quartel-General do Reino”, um misto de Igreja, Cursos de Auto-Ajuda e coaching empresarial.

Evidentemente, não estou propondo que a esquerda incorpore esses projetos. Até porque, há muito de “pilantropia” nos mesmos. Edir, Malafaia e Marçal não são milionários a troco de banana. A questão é muito outra: será mesmo que a esquerda (e o Estado, nos governos de esquerda) não tem nada melhor a oferecer para este novo tipo de trabalhador que vá, efetivamente, além da Teologia Pilantrópica da Prosperidade. … Ou será que este tema sequer se coloca como pauta efetiva para nós?

 

Você que olha e não vê

Alguns militantes do Partido da Crítica Militante vêm criticando o anúncio de Boulos de que irá adotar propostas dos programas de Tábata Amaral e Pablo Marçal. Eu não vejo problema algum em adotar propostas de outros candidatos. Como não vejo problema da AfD e o BSW criticarem a subordinação da Alemanha aos EUA com suas guerras imperialistas. Só vejo problemas de aproximação quando as propostas são ruins. Como no caso do CDU e da Quarta Internacional. Aí, sim, para mim, é de chorar.

O problema não é Boulos assumir programas como o das Escolas Olímpicas, associando esportes, educação e lazer, e reforçando a formação dos atletas e futuros “vencedores olímpicos” brasileiros Nem incorporar a propostas do Jovem Empreendedor de Tábata. A questão é muito outra. É por que estas propostas já não estavam no programa de Boulos? Posso tentar um palpite? Porque, no fundo, a esquerda não tem este público como prioridade. As duas propostas buscam apoiar o desenvolvimento de “winners”, de vitoriosos, cheios de orgulhos pelos seus méritos. E isto não está bem no diapasão da (velha, cansada e desdentada) esquerda. A gente gosta mesmo é de sindicato, de operário assalariado e de fordismo. …. Pois é. Só que … o mundo tá dizendo, há muito, que essa época já passou.

Já vejo aquele meu amigo leitor franzindo o cenho e resmungando: “Ah, Paiva, tu exageras!”. … Sorry, people, mas não há exagero algum. Para se ter um programa de inserção de novos empreendedores de uma forma decente, como algo que vá além do discurso pilantrópico das Igrejas da Prosperidade, para que a coisa toda funcione mesmo, é preciso ter um projeto muito claro e muito detalhado sobre isso. É preciso oferecer consultoria, é preciso formar pessoas para as atividades. Não basta atitude e força de vontade. Isso, é o que dizem “eles”, que estão do outro lado do muro na luta de classes.

Vou dar um exemplo muito simples. Imagine que existem 20 pessoas vendendo café e sanduíche do lado de fora da rodoviária para ganhar uns trocados. Imagine que numa gestão de esquerda fosse distribuído microcrédito para pequeno empreendedor se instalar. E que surgissem mais 20 pessoas a vender sanduíche e café na rodoviária. Pergunto: o mercado aumentou? A demanda vai ser maior? Ou será que todos vão ingressar numa guerra de preços e a renda de todos (inclusive dos lojistas que operam dentro da rodoviária) vai cair?

Não vou responder. Cofio na inteligência do meu leitor. Confio muito. Então, Paiva, como se poderia fazer? … A, isso já é outra história, outro texto, com mais algumas páginas. Vamos deixar para outro dia, certo? … Mas uma coisa eu posso dizer: se houvesse interesse real na produção de um tal programa, seria muito fácil construí-lo. E seria eficaz. Mais: teria impacto nacional. Inclusive numa eventual política de controle de preços e combate à inflação. …. Mas, infelizmente, a esquerda não parece se preocupar muito com o tema. … Intão, povo amado, só resta cantar. Que música combina com o momento?  Que tal, “Vai levando”?

Ah, e para não dizer que não falei de flores, as eleições recentes também geraram debates excelentes. Ainda que em outro diapasão do que o que adotamos nesse texto, não poderia me despedir sem recomentar o debate entre Paulo Timm e Renato de Oliveira. Simplesmente, supimpa.

publicação original:

https://red.org.br/noticia/querids-precisamos-falar-sobre-o-voto-de-kevin/

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