Autoridade e crise climática
27 de setembro de 2024
imagem: Mihai Cauli
texto: Adhemar S. Mineiro
Ainda não se sabe o formato que terá, mas o fogo e a fumaça que tomaram boa parte do país voltaram a colocar na agenda um tema da campanha eleitoral de 2022 e do começo do governo – a constituição de uma Autoridade Climática no país.
É lamentável que a situação tenha chegado a esse grau de tragédia, com a seca em boa parte do país, os rios amazônicos secando e inviabilizando a navegação em parte da região, e as queimadas – sendo boa parte delas pelos provocadas, segundo relatos – se espalhando pelo Pantanal, pela Amazônia e por partes do Sudeste, Nordeste e do Centro-Oeste. É nesse contexto de crise que o presidente Lula voltou ao tema, agora anunciando a sua urgência.
O fato é que, evidentemente, é necessária alguma ação nacional. Mas o tema não é um tema nacional. Basta olhar para o que acontece no mundo e perceber que os chamados “eventos extremos”, do ponto de vista ambiental, são cada vez mais frequentes, cada vez em maior escala, cada vez mais sinérgicos. Neste momento, as chamas que se alastram no Brasil, se alastram também em Portugal. Daqui a pouco será o sul da Europa, como já vimos várias vezes na Grécia. Momento seguinte, na Austrália, onde todo ano vem se tornando evento corriqueiro e cada vez mais ampliado. Idem para a área oeste dos EUA. No centro-norte e no nordeste dos EUA serão as enchentes, que hoje já se concretizam na Europa e países da Ásia. Os blocos de gelo se desprendendo das geleiras do Ártico e da Antártica, ao norte e ao sul.
As mudanças climáticas são anunciadas, mas o que é surpreendente é a velocidade com que o fenômeno avança e surpreende. Em 2023, no início do ano, cientistas que acompanham o tema previram um fenômeno El Niño forte, que elevaria a temperatura média em 1,3 graus. Pouco mais de um ano depois, as temperaturas já registram 1,5 graus mais elevadas. E tome ondas de calor, chuvas intensas, seguidas de secas e incêndios de matas e florestas. Se esse processo continuar com essa subida intensa da temperatura, acelerando de forma absolutamente explosiva os tais “eventos extremos”, a coisa pode se agravar rapidamente.
Com uma subida de 2 graus, se prevê a extinção dos recifes de corais, berçário de parte importante da vida marinha. Com 2,5 graus de elevação, se perde metade da Floresta Amazônica, com seu importante papel de reciclagem de parte do carbono da atmosfera e regulação da umidade e dos ciclos das chuvas. Ao mesmo tempo, é derretida uma parte expressiva do solo congelado (denominado “permafrost”) existente no norte da Rússia (região da Sibéria) e no norte da América do Norte (norte do Canadá e Alasca), e na Groenlândia. Com esse descongelamento, uma enorme quantidade de gases do efeito estufa é liberada, resultado da massa orgânica ali acumulada.
O detalhe é que, desgraçadamente, as coisas acontecerão ao mesmo tempo, liberando mais gases e reduzindo a floresta que poderia ajudar a conter os efeitos dessa liberação. Com isso, o fenômeno da subida das temperaturas se acirra e mais “eventos extremos”, com mais frequência e intensidade, vão se tornar comuns. O nível dos mares sobe, as zonas agricultáveis se alteram e reduzem, a população terrestre, hoje muito acumulada na beira de mares e rios, vai sentir os efeitos em pouco tempo.
Uma tragédia anunciada, para a qual as pessoas não querem olhar, fazendo de conta que o iceberg pode ser contornado. A ampulheta está virada há tempos e a areia está se exaurindo. Ao invés de coordenar ações, a humanidade prefere acreditar em milagres, que tudo se resolverá sem que seja necessário alterar os seus padrões atuais de produção e consumo. A fé cega na tecnologia parece um efeito tardio da vitória de Ricardo sobre Malthus no debate teórico do Séc. XIX. Na perspectiva atual, a humanidade não vai morrer de fome (como sugeriu Malthus no debate do passado), mas dos excessos da produção e em especial, dos meios necessários ao aumento da produção, já que há recusa em impor limites a esse crescimento e em debater uma melhor distribuição dos produtos.
Assim, vale saudar a decisão de implementar agora a tal Autoridade Climática, pois algo há de ser feito no nível nacional, e urgentemente. Mas nada que se faça apenas no nível nacional vai resolver por si só um problema mundial dessa dimensão. No nível requerido, as decisões políticas parecem insuficientes e os esforços diplomáticos, embora devam ser saudados, estão muito longe da urgência e emergência do tema.
publicação original :
https://terapiapolitica.com.br/autoridade-e-crise-climatica/
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