E não ficou pedra sobre pedra…

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Alguns aspectos do livro Brasil: cinco anos de golpe e destruição, organizado pela Fundação Perseu Abramo

Por César Locatelli

Todos nos lembramos que Dilma Rousseff disse, há 5 anos, que não ficaria pedra sobre pedra. Não ficou mesmo. “O golpe não foi cometido apenas contra mim e contra meu partido. Isto foi apenas o começo”, disse e enumerou, naquela fala de despedida, tudo o que estava em jogo. Infelizmente, ela também estava certa. Nenhum dos itens por ela citados passou ileso pela sanha golpista.

Foi para registrar, para não nos deixar esquecer de cada retrocesso a ser debitado na conta de Temer, de Bolsonaro e de todos – do parlamento, do Judiciário, do Ministério Público, da mídia, das Forças Armadas, do empresariado – que contribuíram para o retrocesso civilizatório vivido por nós, que a Fundação Perseu Abramo organizou e lançou o livro Brasil : cinco anos de golpe e destruição.

Os itens enumerados por Dilma, em sua despedida, nos servem de guia e operam como títulos intermediários, para essa breve resenha.

“O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal”

Para a população brasileira, a mudança mais perceptível na condução dos negócios da Petrobras está concretizada nos preços do gás de cozinha e da gasolina. Embora produzidos no Brasil, onde a maior parte dos custos é denominada em reais, as sucessivas direções da empresa, desde Pedro Parente do PSDB, em 2016, resolveram indexar os preços dos derivados ao dólar e ao preço internacional do petróleo. Essa medida confere grande instabilidade aos preços, muitas vezes por conta de especulação em um ou nos dois mercados, de dólares e de petróleo. Ademais, os lucros que essa determinação provoca vão para os acionistas e os custos recaem sobre os consumidores brasileiros, tanto pelos preços dos derivados diretamente quanto pelo seu impulso na inflação.

O “Esquartejamento da Petrobras”, no entanto, revela-se ainda mais danoso ao Brasil e aos brasileiros. A empresa:

– que teve papel decisivo no crescimento econômico do país,

– que foi decisiva para os investimentos do país,

– que foi fundamental para a reativação da indústria naval,

– que foi essencial para a expansão da engenharia pesada,

– cuja pesquisa e desenvolvimento foi essencial para a descoberta do pré-sal,

– que permitiu a criação de um fundo social para a educação, a ciência e a saúde

vem se tornando uma empresa média, restrita à exploração e venda de óleo cru. (p. 257)

Não mais existe aquela Petrobras que tinha todas as condições de tornar o Brasil autossuficiente em petróleo e derivados, de ser indutora do desenvolvimento nacional e de gerar recursos públicos para um salto em educação, ciência e saúde.

“O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal, mas não abre mão de programas sociais para a nossa população”

Embora esteja disseminada, na opinião geral, que os governos petistas não se preocupavam com o equilíbrio das contas públicas é preciso observar que durante os 12 anos, de 2003 a 2014, o resultado primário do governo federal – resultado que soma todas as entradas de recursos para os cofres do governo federal e subtrai todas as saídas, com exceção das saídas para o pagamento dos juros da dívida pública – foi positivo, gastou-se menos do que se arrecadou nesses 12 anos de governos petistas. Nos cinco anos posteriores, em que os governantes se diziam militantes  fervorosos da austeridade fiscal, não houve um só ano que se verificasse superávit primário. As pretensas medidas de “austeridade fiscal” inibiram o crescimento e não resultaram em contas públicas mais equilibradas.

A dívida bruta do governo geral saiu de 51,5% do PIB, em 2014, para 89,1% do PIB em 2021. Em outros termos, saiu de praticamente metade do PIB, em 2014, para quase um PIB inteiro em 2021. “Os governos Temer e Bolsonaro, comprometidos com um modelo de ajuste que fragiliza os fundamentos macroeconômicos, aprofundaram os desequilíbrios, não promoveram a retomada do crescimento, aumentaram o desemprego e tornaram a população mais pobre e o país mais desigual”, avalia o capítulo A Farsa do Ajuste: o golpe encolheu o Brasil. (p. 44)

“O que está em jogo é a inserção soberana de nosso país no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns”

Foi profundamente constrangedor assistir a vassalagem explícita de Bolsonaro frente a Trump. Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro assumia uma submissão extrema ao império, representado pelo mais incompetente presidente norte-americano de todos os tempos, desestabilizava as relações amistosas, que historicamente o país mantivera, com diversos parceiros, como por exemplo os membros dos Brics.

Bolsonaro, descreve Dilma Rousseff na apresentação da obra, “corrompeu a soberania ao romper com a política externa autônoma e independente baseada no multilateralismo, na paz e no respeito à autodeterminação dos povos. Agrediu o Brasil ao desrespeitar o princípio de não atrelamento a outras nações e a seus interesses, ao expressar uma vergonhosa submissão ao governo de Donald Trump e ao desprezar os B, o Acordo de Paris e a América Latina”. (p. 23)

A conspurcação da história diplomática é de corar de vergonha mesmo os mais entreguistas dos brasileiros: “o Itamaraty de hoje não formula, não informa, não representa, não dialoga e não coordena. O Itamaraty de hoje, por imposição do presidente da República, persegue, desinforma, tolhe, inibe e confunde. A consequência prática dessa destruição institucional é que o fosso entre as necessidades do país e sua diplomacia externa nunca foi tão grande”, afirma o capítulo Política Externa: de parceiro a pária. (p. 284)

“O golpe é contra os que lutam pelo direito ao trabalho e a proteção das leis trabalhistas”

Temer nem bem tinha esquentado a cadeira de presidente e já propôs uma “reforma trabalhista”. Em artigo de 2016, dissemos que “o governo Temer, e todos que o apoiam, está dizendo, com todas as letras, aos trabalhadores: ‘só vocês criam valor, e para ganharmos mais, precisamos que vocês criem mais valor, recebendo menos e trabalhando mais, para aumentarmos nossos lucros’”.

Os níveis de desemprego, desalento e subutilização da força de trabalho em seus picos históricos, mesmo antes do alastramento do coronavírus, dão a dimensão do sofrimento de grande contingente de trabalhadores que, junto com máquinas ociosas, poderiam estar produzindo bens e serviços para benefício geral se fosse outra a política econômica adotada desde 2016.

Assim diz trecho do capítulo Negação do direito ao trabalho e dos direitos dos trabalhadores: “Essa evolução do mercado de trabalho nos últimos cinco anos deixa claro contra quem foi o golpe institucional de 2016. Menos oportunidades de trabalho significam menos renda e mais pobreza; menor poder de barganha e menos direitos. As perdas para os trabalhadores foram óbvias e imensas.” (p. 83)

“O golpe é contra os que lutam pelo direito à educação, à saúde e à cultura”

O teto de gastos, a aprovação da terceirização para atividades fim, os contratos de trabalho intermitente não abrangem todo o universo de más notícias na educação. Há muito mais. Lembremos da mudança no ensino médio, da expansão da militarização de escolas públicas, do movimento Escola sem Partido, da perseguição aos educadores, da intervenção na montagem das provas do Enem, do projeto de lei da educação domiciliar, do retorno à segregação de crianças portadores de deficiência, em resumo, da involução sem fim.

A volta da tributação dos livros, que eram isentos desde 1946, talvez seja a ação que melhor simbolize a Guerra contra a cultura. “A análise da gestão Bolsonaro no campo da cultura não

deve se ater ao desmonte da institucionalidade e das políticas culturais, por mais drástico que este processo seja. Simultaneamente à destruição, a guerra cultural bolsonarista pretende impor uma monocultura autocrática e autoritária com componentes negacionistas, criacionistas, fundamentalistas, terraplanistas, classistas, supremacistas, racistas, machistas, homofóbicos, preconceituosos e opressores” conclui. (p. 118)

O assalto ao SUS só não foi mais agressivo porque a pandemia de COVID-19 evidenciou “o quão decisivo e fundamental é a existência de um sistema público e universal de saúde”. O capítulo O SUS e o direito à saúde sob ataque destaca que “o golpe de 2016 afetou de forma rápida e profunda o SUS. Já em 2016, com a Emenda Constitucional 95, o congelamento dos recursos para o SUS por 20 anos constitucionalizou o desfinanciamento do sistema. A esta medida se somaram o golpe contra o Mais Médicos, o esvaziamento do Farmácia Popular, a alteração no modelo de financiamento à atenção básica, a mudança no modelo de cuidado em saúde mental voltando a lógica manicomial, e tantas outras medidas patrocinadas pelos governos Temer e Bolsonaro, insensíveis e descompromissados com a importância do SUS para as brasileiras e brasileiros”. (p. 60-61)

“O golpe é contra o povo e contra a nação”

Os 33 capítulos do livro estampam uma era de sombras. Nada, no entanto, supera o modo como a pandemia foi tratada por Bolsonaro e pelos seus. Somamos, em 29/8, 579 mil mortos. Evidentemente, é impossível precisar como teria sido se tivéssemos uma conduta apropriada pelo poder executivo. É certo, porém, que prevenção, máscaras, isolamento, testes e rastreamento, auxílio financeiro para o isolamento, antecipação da vacinação etc. poderiam ter reduzido significativamente as mortes.

“A inépcia no enfrentamento da pandemia não decorre da incompetência do governo, ainda que ela exista. A tragédia humanitária que o Brasil vive é resultado de escolhas. O governo Bolsonaro escolheu a estratégia de alcançar a “imunidade de rebanho” natural e não por meio de vacinas, independente do custo em vidas dessa escolha. Bolsonaro, presidente fruto da onda antidemocrática resultante do golpe de 2016, escolheu promover o genocídio do povo brasileiro”, afirma o capítulo Pandemia da Covid-19: genocídio  do povo brasileiro (p. 32)

“Esta história não acaba assim

O discurso de despedida de Dilma Rousseff previu o assalto à nação e ao povo brasileiro. Esperancemos que, com união e muita disposição, também se tornem realidade suas palavras de fechamento daquela despedida de cinco anos atrás:

“E naquela ocasião afirmei: ‘Esta história não acaba assim. Estou certa de que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano. Espero que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política. Proponho que lutemos, todos juntos, contra o retrocesso, contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.’”(p. 28)

 Para baixar o livro clique em Brasil : cinco anos de golpe e destruição.

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